Um brasileiro, morador de , deixou os Estado Unidos antes de ir a julgamento por violência doméstica contra a ex-namorada americana. O caso de agressão, ameaça e perseguição, é relatado pela vítima Maygan Upchurch, de 28 anos, com exclusividade ao Jornal Midiamax.

O acusado, Matheus Henrique Dos Santos Pinto, de 26 anos, confirmou à reportagem que o relacionamento tumultuado virou caso de polícia e admite que voltou ao Brasil este ano, poucos dias antes de ser julgado no estado de Indiana pelos supostos crimes.

Mas, ele nega as acusações de violência doméstica.

Enquanto Matheus morava nos , o casal durou três anos. Segundo Maygan, dois deles sob forte abuso psicológico e físico. O mesmo relato que fez à reportagem, a americana levou a amigos dos dois, à polícia e à justiça norte-americana.

O morador de Mato Grosso do Sul chegou a ficar preso durante uma semana em fevereiro de 2021, na cidade de Fort Wayne, por conta das denúncias feitas pela ex-companheira.

A família de Matheus é de Mundo Novo, no extremo sul de MS. Ele se formou em Dourados, e passou um longo período nos Estados Unidos, grande parte de forma irregular, quando se envolveu com Maygan.

Agora, trabalha como engenheiro agrônomo em uma empresa de Dourados, bem longe dos braços da justiça americana.

O brasileiro diz que os relatos de violência doméstica são falsos e garante que nunca agrediu a americana. Além disso, acusa a vítima de não aceitar o fim do relacionamento. Matheus ainda afirma que a ex-namorada trata bipolaridade, uma doença psiquiátrica. Ele também nega que tenha ficado irregular nos Estados Unidos.

No entanto, admite que só saiu do país por orientação do advogado e acha que só ficou preso por ‘uma distorção na lei americana'.

Namoro no intercâmbio, comportamento agressivo

Boletim de ocorrência resgistrado por Maygan

Maygan Upchurch conta que conheceu Matheus em 2018, logo que ele chegou aos Estados Unidos para um programa de intercâmbio. Segundo a americana, após um ano de relacionamento, Matheus começou a demonstrar comportamento agressivo, que escalou até o ponto dela ter sido ameaçada com uma faca, ter sua cabeça batida contra parede, levar socos e apertões, tudo isso numa única tarde e quando eles já nem namoravam mais.

Os relatos das agressões estão no registro da ocorrência feito junto ao departamento de polícia de Albion, em Indiana, bem como foram complementados diretamente à reportagem do Midiamax.

No dia 18 de outubro de 2020, quando já estavam separados há dois meses, Maygan fala que chegou a seu limite e chamou a polícia. Um boletim de ocorrência registrado no Departamento de Polícia de Albion ilustra o que aconteceu neste dia, após semanas de perseguição e anos supostamente sendo agredida.

O registro está em primeira pessoa porque é narrado pelo agente da polícia.

“Maygan me disse que ele (Matheus) a socou atrás da cabeça várias vezes, e que ele segurou ela pelo rosto e bateu a cabeça dela na parede. Maygan também me disse que ele pegou uma faca e começou a ameaçar ela. Ela disse que ele pegou seu telefone e quebrou um monte de pinturas”.

A vítima então diz que conseguiu fugir, foi até a casa de amigos e ligou para a polícia. O policial colheu o depoimento de Maygan inicialmente na casa dela e depois, temendo pela segurança de ambos, decidiu ir ao departamento. “Eu tirei fotos das lesões de Maygan que estavam bem visíveis”, diz o policial no documento.

O próprio agente da polícia atesta no documento que Maygan recebia várias ligações e chamadas de Matheus durante o depoimento. Em uma mensagem por WhatsApp, que Maygan diz ser de seu ex-namorado, ele escreve “I'm gonna f****** kill you”, numa tradução livre “Vou te matar”.

Matheus diz que ela usou isso de má-fé para prejudicá-lo. “O contexto da mensagem enviada era uma brincadeira entre nós, na época nem brigados nós estávamos, coisas de convívio, porque morávamos juntos, do tipo que não faz as tarefas de casa, entende?”

O boletim então narra uma série de procedimentos que foram tomados após a constatação dos fatos, inclusive o envio desses à promotoria, que resultou no processo, que corre sem a presença de Matheus.

Matheus admite que a relação foi problemática, mas nega que tenha agredido ela.

“Essa alegação de que eu não aceitei o término do relacionamento claramente não é verdade, mas sim o contrário, pois mesmo depois de ter terminado, e aparentemente a vida ter seguido, pois ambos já estão em novos relacionamentos, ela continua me perseguindo até hoje, tanto é que procuraram vocês para fazer essa matéria”.

O sul-mato-grossense também diz que tem várias mensagens enviadas por Maygan a mãe dele depois que terminaram.

“Maygan fala para minha mãe que estava triste porque eu não queria mais ela, mandando vários printscreen de fotos dos lugares que eu estava frequentando e pessoas que eu estava saindo. Tenho também mensagens dela falando que estava procurando casa e emprego na cidade que eu tinha me mudado, mesmo eu falando para ela que já não queria mais nada com ela”.

Parte do registro que mostra supostos itens do boletim

Americana diz que ignorou sinais de violência doméstica ‘por paixão

O comportamento abusivo do agrônomo teria começado após um ano de relacionamento, aproximadamente. Maygan conta que ignorava os “alertas vermelhos” porque estava apaixonada por Matheus.

A americana lembra que, no começo, ele queria saber sempre onde ela estava, impedia que ela usasse tranças nos cabelos, de usar certos tipos de roupas, até de usar óculos. Ele também impedia Maygan de falar com homens em público, inclusive chegou a ameaçar um rapaz quando isso aconteceu.

“Ele fazia pequenas coisas para me controlar, como apertar minha mão com força quando era para eu ficar quieta, falava mal dos meus amigos e da minha família e eu senti necessidade de demonstrar lealdade a ele me afastando dessas pessoas”, lembra.

Conforme Maygan, os dois já moravam juntos a primeira vez que ele teria a agredido fisicamente. “Eu encontrei fotos de mulheres nuas no celular dele e perguntei porque ele escondia o celular. Ele então me empurrou escada abaixo, me agarrou pelos cabelos e enfiou minha cabeça no vaso sanitário”.

Mensagem com ameaça de morte que teria sido enviada por Matheus

Daí em diante os abusos foram crescendo em gravidade e frequência. Antes da agressão que resultou no boletim de ocorrência e no processo posterior, por volta de junho de 2020, Matheus teria jogado Maygan para fora da cama, foi até ela deitada no chão e usou os joelhos para prender os braços dela.

“Eu estava presa no chão e ele continuou a agarrar minha cabeça pelos cabelos de ambos os lados e bater minha cabeça com muita força repetidamente no chão. Senti e ouvi meu cabelo sendo arrancado da cabeça. Ele me sufocou, e usou um travesseiro para cobrir minha cabeça, com muita força”.

Maygan enviou várias fotos de marcas no corpo que seriam resultado dessas agressões ao longo dos anos que ficaram juntos. Ela também conta que não chamou a polícia já neste dia porque sabia que o visto de permanência de Matheus já havia expirado.

Pouco tempo depois, o relacionamento acabou, mas a um custo muito alto.

Sobre as supostas agressões durante o relacionamento, Matheus se defende dizendo que Maygan o havia mostrado fotos de agressões que ela diz ser do dela e de um relacionamento anterior ao marido.

“Então fica difícil acreditar, eu mesmo acreditei quando ela falou. Mas hoje, depois de tudo que aconteceu não acredito mais. E em questão de abuso psicológico, não procede. Ela é depressiva e tem bipolaridade, e tenho conhecimento que ela usa remédios controlados desde que nos conhecemos. Realmente ela pode ter sim problemas, mas claramente não fui eu, pelo contrário, eu sempre tentei ajudar ela com isso, sempre incentivei e tentei convencer ela a pegar os dois filhos que ela tem para ficar com ela, para ajudar ela a se sentir mais feliz com as crianças perto, mas os pais e as famílias dos ex-companheiros e pelo que percebia até mesmo a própria família dela não confiava nela para ter a custódia”.

Preso nos EUA por violar medida protetiva

Matheus foi detido no dia 28 de janeiro de 2021. O registro da prisão foi noticiado no The News Sun, um jornal local, na aba de atualização das prisões do site.

Matheus H. Dos Santos Pinto (…) foi preso às 14h. Quarta-feira pela polícia de Noble County em um mandado acusando um crime de Nível 5. Nenhuma informação de acusações adicionais fornecida. Pinto foi detido sem fiança”, diz a nota.

Uma semana depois, em 5 de fevereiro, ele foi solto, supostamente por conta das medidas de biossegurança relacionadas à pandemia, que no estado de Indiana, liberava presos com menor grau de periculosidade. Mas ele diz que não, que foi porque pagou fiança.

“Eu fui preso por que depois que terminamos, como ela não me dava paz, e eu tinha que recomeçar, eu decidi (mudar) até mesmo de Estado, começar uma vida nova, mas como eu disse anteriormente, ela continuava me perseguindo sem aceitar o termino de relacionamento, conversando com minha mãe e amigos e quando ela descobriu que eu já estava com outra pessoa, ela começou a fazer de tudo para me prejudicar, foi quando ela entrou com ordem protetiva, e como eu não tinha recebido nenhum papel sobre isso, não sabia do que estava acontecendo e ela continuava me ligando, e por não saber da ordem protetiva, eu atendi algumas vezes e acabei violando a ordem protetiva”

A soltura, porém, é questionada por Maygan. “Eu ainda não entendo por que ele foi autorizado a sair da prisão, mas este é um processo normal para todos os criminosos, eles podem pagar fiança. É parte do processo, e este foi um momento diferente porque as prisões são mais perigosas por causa do COVID. A razão que me deram foi que o juiz lhe concedeu fiança e, se ele não aparecesse para o julgamento, deveria o valor total de volta ao tribunal”.

Notícia da prisão de Matheus em jornal norte-americano

Julgamento e retorno ao Brasil

Uma nova audiência do processo contra Matheus por violência doméstica aconteceria em fevereiro deste ano, 2022. As atualizações estão no sistema da Noble Circuit Court, corte do estado de Indiana, que aparece como autor na ação. Porém, ele nunca apareceu.

“Embora o promotor tenha pedido ao juiz que seguisse com o julgamento, ele ainda não aconteceu. Eles emitiram um mandado de prisão quando ele não compareceu ao julgamento e foram procurá-lo, quando descobriram que ele havia saído do país”, diz Maygan.

Antes disso, Matheus retornou ao Brasil e agora trabalha numa empresa de fertilizantes em Dourados. “Eu fui às audiências durante quase um ano, fui em todas, foi gasto mais de U$10.000,00 (dez mil dólares) com advogado”, diz Matheus.

O agrônomo diz que o advogado dele tentou todas as medidas e acordos possíveis, mas ela não teria aceitado. “Meu advogado me convocou para uma reunião e me falou com toda a sinceridade que eu não tinha muitas chances de ganhar. Durante essa última reunião, ele me disse que mesmo que eu não fosse julgado culpado, eu teria problemas com a imigração e seria deportado, então seria melhor eu voltar para o Brasil”.

Matheus fala que a região onde estava sendo processado é bem conservadora e não gosta de imigrantes. “Na última audiência que eu fui, o juiz me disse que o julgamento ocorreria com ou sem a minha presença, e por estratégia, o advogado falou que seria melhor eu não comparecer, para que o júri não visse minha aparência, pois assim, teria alguma chance de ser avaliada as provas”. Matheus cita a questão da aparência por ter traços latinos e isso, segundo avaliação do advogado, poderia ser um problema se as pessoas do júri não gostassem de imigrantes.

Sistema da Nobel Circuit Court

Legislação americana deixa brecha

Segundo a professora universitária, Juliana Aizawa, especialista em direito processual e internacional, a legislação para casos como esse é complexa e, por isso mesmo, pode dar brecha para que pessoas com o histórico de Matheus saiam dos Estados Unidos.

“Levando em conta só a acusação de agressão, se o promotor não pediu à justiça que ele ficasse impedido de deixar o país, não haveria restrição. E pode ter sido isso que aconteceu”, pondera.

Sobre como voltou ao Brasil, Matheus alega que o fez de avião. “Eu viajei várias vezes de avião dentro dos Estados Unidos sem nenhum problema, e a mesma coisa foi para vir embora para o Brasil, eu vim normal, comprei minha passagem e embarquei normal”.

Pena por violência doméstica poderia ‘chegar' ao Brasil?

Sim, teoricamente, Matheus poderia cumprir pena no Brasil por um crime cometido nos Estados Unidos. Mas daí a isso acontecer, neste caso concreto, tem uma grande distância.

Primeiro porque ele nem foi julgado no país americano, muito menos condenado.

O Jornal Midiamax enviou um e-mail para a Noble Circuit Court, a Corte americana, perguntando como ficaria a situação do processo já que o réu não está mais em território americano e aguarda retorno.

Juliana Aizawa explica que caso houvesse condenação ou seguimento no processo nos EUA, o autor poderia enviar uma carta rogatória, que é um instrumento jurídico de cooperação entre dois países, pedindo o cumprimento de pena por violência doméstica ou qualquer outro crime no Brasil.

“Isso poderia acontecer neste caso porque o Brasil é signatário de tratados internacionais e bilaterais de cooperação jurídica”.