Dias chuvosos escancaram realidade de quem só conta com a rua e roupas do corpo em Campo Grande

Na rua, agência bancária é abrigo e cachorro caramelo amigo

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Pedrinho da placa fica na região das avenidas Calógeras e Afonso Pena. (Foto: Thalya Godoy)

Com o passar dos meses, Valdemir Bonespacho já até perdeu a conta de quanto tempo está na rua. Analfabeto, não sabe nem mesmo dizer a idade que tem. “Moça, nem sei. Devo ter uns 40”, comenta com visível constrangimento ao ser perguntado pela repórter. Para o morador de rua, os dias de chuva escancaram ainda mais a vulnerabilidade de quem só tem algumas peças de roupa e precisa “se virar nos 30” todas as vezes em que a água cai com força em Campo Grande, assim como foi durante a madrugada de hoje (28).

“Ontem dormi em um posto de gasolina”, conta apontando na direção do posto de combustíveis na Rua Sete de Setembro. “Me protegi da chuva, mas não consegui dormir direito porque minha garganta está doendo”, completa. 

No cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Calógeras, Pedrinho Carvalho, o Pedrinho da Placa, é outro exemplo das dificuldades enfrentadas por moradores de rua nas raras vezes em que o tempo vira em Campo Grande. Com os pés no chão, bermuda e roupa molhada, o aquidauanense de 52 anos fez de uma agência bancária abrigo durante a madrugada. 

“Não consegui dormir direito porque a gente precisa sair antes dos clientes chegarem, daí fica preocupado, acordando toda hora”, explica. 

Pedrinho narra que até dias atrás tinha um tênis que protegia o pé da friagem, mas que o calçado foi roubado por outro morador de rua. Agora, um casaco de lã ganhado é a proteção para o clima que há pelo menos dois dias predomina na Capital. “O problema é que agora estou molhado e fica bem frio. Tô meio gripado e já não sou um menininho para passar por isso. Ter pelo menos um sapato ajudaria”, comenta com ar de preocupação pela saúde. 

Na rua desde 2018, Pedrinho não tem família em Campo Grande. Desde que saiu de Aquidauana e chegou à Capital, circula pela área do Centro e é conhecido dos comerciantes. Ele assume que semanalmente equipes da assistência social oferecem cobertores e transferência para amigos, no entanto, explica que não gosta do ambiente das casas de apoio. “O pessoal que está lá há mais tempo gosta de mandar em todo mundo”, justifica.

Nos dias de chuva, moradores de rua usam agências bancárias e cobertura de lojas para se abrigar. (Foto: Thalya Godoy)

Perto do Camelódromo da cidade, Horácio Pereira conta que encontrou no cachorro caramelo de nove meses amizade leal durante o período de um ano em que está na rua. “O nome dele é Cheio De, daí a pessoa completa. Cheio de Amor, Cheio de Alegria”, explica. 

Vindo do interior de São Paulo, ele saiu da casa da irmã após recorrentes brigas para defendê-la da violência doméstica do marido. Com as coisas insustentáveis, decidiu se afastar e a rua foi a única alternativa. Molhado devido à chuva da madrugada, Horácio revela que os únicos bens materiais que possui são a roupa do corpo e um cobertor ganhado de assistentes sociais.

“Ontem dormi na antiga rodoviária. Lá é coberto, mas mesmo assim a gente fica molhado porque é tudo aberto”, explica.

Das 0h às 5h de hoje, o acumulado de chuva na Capital foi de 53,8 milímetros, com rajadas de ventos de até 53 quilômetros por hora. Mais de 1.600 raios caíram na cidade e a tendência é que a condição climática permaneça.

Cachorro caramelo é amigo de Horácio no dia a dia na rua. (Foto: Thalya Godoy)

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