‘Constrangidas e com medo’, dizem mães que criam filhos em barracos no Parque do Sol cercados de incertezas

Ação da Semadur derrubou cerca de 20 barracos neste domingo (20)

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Casa tem apenas um cômodo e abriga mãe e filho há nove meses.
Casa tem apenas um cômodo e abriga mãe e filho há nove meses.

Terra ainda úmida e céu nublado faziam parte do cenário de entulhos que restaram após a derrubada de barracos da ocupação no Parque do Sol. Situação que deixa as mães solteiras da comunidade ‘constrangidas e com medo’.

Neste domingo (20), cerca de 20 barracos foram derrubados em ação da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) em conjunto com a Guarda Civil Municipal de Campo Grande e apoio da Amhasf (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários). Entre as famílias despejadas, a maior parte eram mulheres que usam os barracos para criar os filhos.

Apesar de ter o barraco poupado, Diovana Nascimento Valejo viveu cada minuto da derrubada com os vizinhos. “Me sinto constrangida, porque cada um tem sua luta para conseguir as coisas. Não é fácil a gente conseguir as coisas, daí eles chegam e tiram as mães com crianças”, lamentou.

Segundo a jovem, durante as desocupações as equipes “chegam na ignorância”. Aos 20 anos, Diovana é mãe de um menino de 4 anos. Ela veio parar na ocupação há nove meses, quando se viu desempregada e despejada da casa alugada.

Mesmo com o barraco salvo desta ocupação, Diovana disse haver tempos não tem uma noite tranquila. “Tenho medo, tenho medo porque é só eu e meu filho, é difícil”, disse com a voz embargada e olhar distante.

Arrumadinho

Com nove meses na ocupação, Diovana já considera o espaço em que vive ‘arrumadinho’. Foi pulando poças de água e desviando de entulhos que chegamos ao barraco dela, que tem até cercadinho e portão improvisado com madeiras e fios.

Um cômodo, uma cama, um armário, geladeira, fogaréu e um botijão — conquista recente, compartilhada com orgulho por Diovana. Com brinquedos espalhados e roupas de criança em sacolas, a dona do barraco logo avisa que ainda não arrumou a casa.

A situação já foi melhor, antes do incêndio que tomou conta do lar de Diovana. “Meu barraco pegou fogo, não deu para salvar nada. Cheguei já estava tudo em chamas, foi o que acabou comigo”, lembrou.

Para ela, essa é a pior situação que já viveu na ocupação. Agradecida à família, enaltece a ajuda da mãe. “É por causa deles que estou aqui hoje, minha mãe largou tudo que ela tinha para fazer, ajudou, ficou com meu filho para eu correr atrás”.

Diovana acredita que a independência é conquistada, por isso saiu da casa da mãe. “Ela tem que ter o espaço dela, ela é uma guerreira, lutou e merece ter a privacidade dela. Hoje eu me inspiro nela, se ela conseguiu eu posso conseguir”, disse com firmeza.

Com brilho nos olhos, a mulher compartilha o futuro que toma seus sonhos: “Sair daqui para a minha casa, quero dar uma vida muito melhor do que essa, muito melhor, uma vida digna para ele”.

História que se repete

A história de Diovana se repete em boa parte dos barracos: mães solteiras, desempregadas em busca de um lar para os filhos. Priorizar o alimento para sobreviver e alimentar as crianças leva a comunidade a ter essas mulheres como protagonistas da ocupação.

Adriana Nascimento Silva tem 30 anos, é mãe de quatro filhos, e chegou na ocupação após ficar desempregada e ser despejada da casa que alugava. “Eu não tinha para onde ir, daí vim parar aqui na favela, fiquei sabendo que estavam fazendo barraquinhos e estou há 10 meses”, relembra.

“Algumas pessoas me ajudaram, porque eu não tinha nada mesmo”, conta lembrando que não conhecia ninguém quando chegou. O barraco foi poupado, mas muitas mães que Adriana conhecem perderam o teto que abrigava as crianças.

“A gente fica triste né, porque todo mundo precisa. Fico com medo também, porque a gente pode passar por isso também”. A preocupação toma conta de Adriana, que afirmou que ficou sabendo de uma ação da justiça para a reintegração de posse.

Aluguel ou comida?

Segundo ela, a cabeça se perde em turbilhões de pensamentos e dúvidas de para onde correr. “Não tenho condições de pagar um aluguel, é R$ 600 do salário, e daí como a gente come com quatro crianças para criar?”, questinou.

Com os filhos na escola e a bebê de 10 meses na creche, ela está empregada e consegue alimentar as crianças. “Cozinho com gás e lenha, o que dá”, apontou que mesmo assim a dificuldade bate na porta.

O sonho também se repete: uma casa própria para criar os filhos. “Quero só uma casinha para morar com eles, dar estudos, tranquilidade, para isso a gente tem que ter um lugar fixo”, compartilhou.

Enquanto isso, Adriana se vira no segundo barraco na ocupação. O primeiro foi abandonado por conta da lama que invadia a casa. A chuva ainda assola a família, que sofre com goteiras por todos os lados.

“Molhou tudo nossa casa, acordei com todos molhados, até a bebezinha. Foi uma situação terrível, pensei até em desistir, mas não tenho para onde ir mesmo”, lembrou sobre as dificuldades. “Não é fácil não, é difícil, mas não tem o que fazer”, se conforma a mãe de quatro.

Meio período

Contudo, nem todas as mães conseguem um trabalho. Com o filho no Ceinf Profª Ayd Camargo Cesar, Diovana se mantém na procura de um emprego. O empecilho: encontrar vagas de meio período. “A gente madruga na frente da Funsat, Proinc, mas não consegue vaga”, disse.

Diovana apontou que a dificuldade é coletiva para mães solteiras, que conseguem meio período de creche e não encontram emprego com o mesmo horário. “Você acha que elas não iam dar valor no serviço? Se é o sustento dos filhos dela?”.

Enquanto isso, ela e o filho vivem do auxílio do Bolsa Família. “Compro o necessário, o Cras também sempre ajuda, a gente vai lá e eles entregam sacolão. E quando consigo sacolão lá, compro as coisas da criança, porque senão como ela vai mamar?”, indagou.

Conteúdos relacionados