Desde 2019, da Costa, de 34 anos, vive um pesadelo para conseguir realizar a transferência de um veículo para o seu nome. Surpreendido durante a vistoria no -MS para concluir a transferência de propriedade do carro, o condutor foi informado que o motor estava com suspeita de adulteração. Agora, a “exigência” é que o comprador troque o motor do carro — serviço avaliado em R$ 15 mil — para que tudo seja resolvido.

No entanto, Anderson afirma que, além de não dispor desse valor, não vai desembolsar por um motor novo, sendo que o motor apontado como adulterado em vistoria está regular. Em reportagem anterior, Anderson revelou que em inúmeras vistorias realizadas anteriormente nunca havia dado nenhum problema e ele suspeita de erro em perícia. 

“Trocando o bloco do motor, resolve. Mas eles querem que eu troque, pois falam que o meu motor tem algo porque estão com medo de sofrer alguma penalidade, visto que poderei entrar com alguma ação. Há 10 anos o carro passa por várias perícias e só agora dizem que meu motor está adulterado? Como vou trocar algo que foi sempre positivo e sempre foi aprovado em vistoria?”, questiona o aposentado.

No começo do mês, após a reportagem, Anderson foi chamado na Delegacia de Trânsito para prestar depoimento, mas nada ficou definido. “Eles insistem em dizer que meu motor é adulterado. Eles apenas dizem para trocar o bloco do motor, como se a palavra do perito deles fosse a última palavra de todo o processo”, disse. 

O aposentado questiona a falta de apuração com a empresa vistoriadora que havia aprovado o carro anteriormente. “Nem a Prime Vistoria querem ouvir”, pontuou. Até então, dois anos depois da compra do veículo, nada foi concluído e ele segue impedido de fazer qualquer procedimento com o carro.

Compra se transformou em ‘pesadelo'

Anderson explicou ao Jornal Midiamax que quando foi até o atendimento do no Shopping Bosque dos Ipês para fazer a transferência, foi informado da suspeita que inicialmente seria uma adulteração no chassi do carro, um Golf Sportline. Porém, foi posteriormente informado que, na verdade, era no motor. Foi ali que o ‘pesadelo' começou.

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Laudo da perícia | Imagem: Reprodução

“O carro foi apreendido no dia em que fui fazer a transferência para o meu nome. Apreenderam e ficou 6 meses no pátio do Detran”, explicou. Na ocasião, um boletim de ocorrência foi registrado como crime de ‘adulteração de sinal identificador de veículo automotor' e ele ficou como fiel depositário após a liberação da apreensão. No entanto, Anderson relata que após dois anos nunca foi intimado judicialmente ou fizeram qualquer procedimento para solucionar o problema.

O laudo feito por perito diz que ‘apresenta-se adulterado por supressão de caracteres por instrumentos abrasivos e posterior remarcação de caracteres', onde também foi feito exame químico.

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Imagem: Reprodução

Um dos documentos encaminhados para a reportagem revela que, após o registro da ocorrência, o antigo dono do veículo foi intimado a depor na delegacia e explicou que, quando comprou o Golf em dezembro de 2018, fez a vistoria e foi aprovado, porém, o motor do carro fundiu três dias depois. Após passar por retífica, o veículo passou novamente por vistoria, desta vez no Detran-MS, e tudo estava certo.

“No Renavam [Registro Nacional de Veículos Automotores] está tudo certo. O chassi e o motor são o mesmo. Esse carro já foi transferido para outros donos anteriormente e nunca deu nenhum problema. Já foi passado na vistoria deles [Detran] por 10 anos desde que esse carro saiu da fábrica e nunca teve problema. Agora falam que meu carro é adulterado?”, questionou.

Impedido de trafegar com o carro e muito menos vendê-lo, Anderson permanece com um ‘elefante branco' na garagem. “Quando quero pagar o documento dele, tenho que ir ao Detran pedir uma autorização para a delegacia de trânsito, é uma burocracia para fazer qualquer coisa no veículo, que ainda está no nome da antiga dona. Tenho passado por uma humilhação, um descaso. Não sei mais o que fazer”, pontuou.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Detran-MS e foi informada que a polícia abriu um inquérito para investigação: “O veículo foi preso durante vistoria na agência do Shopping Bosque dos Ipês no dia 28/01/2019. O Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul) instaurou processo para investigação e encaminhou para Corregedoria. Atualmente o caso está sendo investigado pela Deletran, que já instaurou procedimento criminal”,disse em nota.

Denúncias recorrentes

Denúncias de carros que foram ‘barrados' em vistoria do Detran-MS, apesar de estarem em sua total integridade, são noticiadas há anos pelo Jornal Midiamax. Em 2020, um entrave sofrido por trabalhador da construção civil de Campo Grande chamou a atenção do mecânico de motores e empresário Vanderlei Scuira. O homem procurou Scuira após ter negada pelo órgão a transferência da documentação da Ford F-4000 que acabara de comprar. A vistoria do órgão apontou que o motor do caminhão estaria adulterado, alegação duramente contestada pelo mecânico, mesma situação enfrentada por Anderson.

Scuira denuncia há mais de duas décadas o que acredita ser um serviço de vistoria “capenga” prestado pelo Detran-MS. O empresário fala em “incompetência” de servidores do departamento e das empresas credenciadas para o procedimento.

No caso em questão, a vistoria teria acusado que a numeração inscrita no bloco do motor da F-4000 não condiz com modelo original de fábrica. Ainda, que o número teria sido raspado e, por isso, o motor deveria ser trocado para ter transferência aprovada, o que custaria de R$ 10 mil a 12 mil.

A situação é idêntica, segundo Vaderlei Scuira, a caso ocorrido em 2002. Naquela época, o mecânico obteve da própria fabricante do motor a resposta de que a peça posta em xeque pelo Detran-MS era, sim, original de fábrica. A consulta à indústria foi toda documentada.

Nenhuma investigação

O mecânico Vanderlei Scuira, de 57 anos, que tem histórico a frente de denúncias envolvendo o Detran-MS, relatou em entrevista ao Jornal Midiamax em novembro de 2020 que a confusão que os casos geram tem a ver com anos de suspeitas sobre como funciona o serviço do órgão estadual que deveria coibir o mercado de roubos e furtos de veículos, e que denúncias não são investigadas.

É um problema recorrente em Mato Grosso do Sul, que ajudou, de certa forma, a construir a fama de Vanderlei Scuira. Ele carrega um legado de mais de 30 anos à frente de denúncias que revelaram irregularidades envolvendo o Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de MS).

O preço, porém, é alto: além da perseguição, ele é um exemplo vivo da frustração entre brasileiros com a dificuldade para melhorar serviços públicos e cobrar o cumprimento da lei. Após 3 décadas, Scuira denuncia que quase nada mudou e quer saber o que explica a falta de resolutividade para os problemas do Detran-MS, que vive implicado em escândalos de fraudes e ilegalidades.

Motores com sinais aparentes de numeração raspada ou, de alguma forma, adulterada e até mesmo ilegíveis, são indícios de que a peça poderia ser fruto de roubo. Com isso, o veículo deveria ser apreendido e a transferência não pode ser realizada. Assim, um carro, moto ou caminhão recém-adquirido se torna uma bomba na mão de quem o comprou.