Nos bairros de Campo Grande, maioria não mudou rotina por cuidado com coronavírus
Uma pandemia de contrastes, que revelam que os cuidados para evitar propagação do novo coronavírus, causador do Covid-19, são afetados por abismos sociais. Em Campo Grande, enquanto em algumas regiões há pavor pelo risco de contaminação, em outras o medo inexiste e nem afeta significativamente as rotinas. No Aeroporto Internacional de Campo Grande, passageiros e […]
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Uma pandemia de contrastes, que revelam que os cuidados para evitar propagação do novo coronavírus, causador do Covid-19, são afetados por abismos sociais. Em Campo Grande, enquanto em algumas regiões há pavor pelo risco de contaminação, em outras o medo inexiste e nem afeta significativamente as rotinas.
No Aeroporto Internacional de Campo Grande, passageiros e funcionários abusam das medidas preventivas. Além do uso indiscriminado de máscaras, frascos de álcool em gel são acessórios presentes entre a maioria. O cuidado com o contato em superfícies é geral, assim como o receio devido à dinâmica de conexões aéreas comuns a passageiros que partem de Campo Grande.
A segurança Vania Barbosa, de 47 anos, mora no Rio de Janeiro e desde novembro passou temporada em Corumbá, a 444 km de Campo Grande. Hoje, ela embarcará em voo rumo a Belém (PA), mas duas conexões, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a assustam.
“Estava tranquila. Mas, agora que vou viajar, meu comportamento mudou. Tenho meu álcool em gel e estou com máscara. Evito até usar banheiro público e estou lavando as mãos com frequência”, relatou ao Jornal Midiamax.
O motorista Juscenir Bueno, que trabalha num ponto de embarque do Aeroporto, também teme a propagação da doença. Segundo ele, o contato com pacientes é evitado e a higienização do veículo é realizada após os desembarques.
“Fomos orientados a fazer isso, principalmente em relação a quem vem de fora. Usamos álcool 70% nas maçanetas, no volante, e também evitamos o contato com os passageiros”, disse.
A cerca de 10 km do Aeroporto Internacional, no entanto, as medidas preventivas contrastam e reforçam a existência de uma trincheira socioeconômica, onde o clamor público em decorrência da pandemia tem dificuldade de penetrar. Na Avenida General Alberto Carlos Mendonça Lima, o corredor do Jardim Santa Emília, movimento nos comércios seguiu na normalidade e moradores ignoram os riscos de contaminação do novo coronavírus.
A reportagem constatou que, por lá, as mensagens de alerta não recebem a devida importância: além dos comércios, adeptos do tereré compartilhavam a bebida e crianças – que tiveram aulas suspensas a partir desta quarta-feira – transitavam normalmente pelas ruas, contrariando todas as recomendações das autoridades sanitárias.
Morador do Parati, Eliel Ferreira, de 27 anos, estava em intervalo do trabalho e tomava tereré na calçada com colegas. Segundo ele, que tem uma esposa gestante, o novo coronavírus é “muito alarde para pouca coisa”.
“Temos que tomar medidas, mas não dá pra parar a vida por uma doença”, relatou. Eliel também destacou que tem álcool em gel em casa e que a igreja que frequenta deve aumentar os cultos para diminuir a concentração de pessoas.
Ao lado dele, Fabiano Gomes também tomava tereré. Morador do Los Angeles, ele relatou não ter medo do vírus e que não alterou a rotina e que nem se previne. “Existe esse medo, mas para mim está tranquilo”, pontuou.
Os relatos expõem a fragilidade que as mensagens de alerta têm ao adentrarem as áreas com maior distorção socioeconômica. No Jardim Santa Emília, uma região periférica com moradores de baixa renda, o medo é basicamente relativizado.
Com um pano sobre o nariz, Rosinéia Soares, de 42 anos, concedeu depoimento e afirmou ter mudado a rotina – ela foi entrevistada enquanto andava na rua com o filho pequeno, de 8 anos, um dos quatros que tem.
Com os filhos em casa devido à suspensão das aulas, ela afirmou que a escola preparou material por 20 dias e que vai auxiliá-los nas tarefas. Com álcool em gel em casa, ela também incentiva os filhos a lavarem as mãos com frequência.
A poucos passos, Raquel Medina, de 31 anos, também moradora da região, relatou ao Jornal Midiamax que não só não teme a pandemia, como não tem se prevenido, apesar de estar preparando alimentos, como suco de acerola, para aumentar a imunidade dos três filhos.
“É parecido com o caso da outro gripe [H1N1], não foi essas coisas todas. Suspenderam as aulas, mas como eu vou proibir meus filhos de brincarem na rua com os amigos?”, concluiu.
Infecção não é democrática
Desde que parte dos brasileiros adotaram regime de autoquarentena, percebido com maior intensidade desde a última segunda-feira (16), um debate sobre a pandemia de novo coronavírus afetar principalmente os mais pobres ganhou espaço nas redes. Especialistas destacam como privilégio a possibilidade de trabalhar de casa, já que a maior parte da massa de trabalhadores não recebe dispensa.
Além disso, há mais lacunas sociais, como educação e poder de compra, que intensificam esses contrastes. Os estratos sociais mais favorecidos abraçam as práticas de prevenção e até ocasionam problemas, como o desabastecimento de comida e de insumos como álcool em gel e máscaras de proteção. Por outro lado, famílias pobres apresentam dificuldade de dimensionar a gravidade do cenário atual, bem como podem não ter recursos para aquisição desses itens.
Na prática, o pânico coletivo mora apenas em uma camada – que tem acesso a hospitais particulares e, portanto, justamente a menos suscetível aos efeitos nefastos de uma pandemia, como o esgotamento da capacidade da rede pública. É a história do apartheid sanitário que se conta e reconta, repetidamente.
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