Menos de um mês após o Conselho Superior do MP-MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) arquivar um inquérito que garante ter investigado irregularidades na inspeção veicular do  (Departamento de Trânsito de Mato Grosso do Sul), vistoriadoras credenciadas continuam driblando as leis para permitir o licenciamento e transferência de veículos irregulares.

Da instauração até ser arquivado, o procedimento da 31ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de durou 3 anos.

Em 3 semanas de investigação, a reportagem do Jornal Midiamax ouviu de despachantes, vendedores e proprietários de automóveis relatos sobre como continua possível ‘dar um jeitinho' na hora de passar pela inspeção veicular em Mato Grosso do Sul. Foi o suficiente para conseguir um flagrante.

Carro no guincho e vistoria falsa

No dia 30 de maio, a reportagem gravou em vídeo um automóvel com o motor fundido e sem bateria ser levado, na carroceria de um guincho, para ser vistoriado na Focar Vistorias, em Campo Grande. Os vistoriadores pediram ao motorista do caminhão para ‘descarregar' o veículo, um Peugeot 206, e sair do páteo da empresa enquanto a vistoria falsa era realizada.

Nesta sexta-feira (15), após confirmar que o veículo foi aprovado na suposta vistoria, mesmo sem ter nenhum dos equipamentos elétricos, como luzes de sinalização, funcionando, a reportagem foi até a empresa e falou com Antônio Gregório, o proprietário oficial da Focar, que está credenciada até 4 de novembro de 2019, segundo a Portaria T-467, do Detran-MS.

Inicialmente, Antônio, ou ‘Toninho', como é conhecido entre despachantes, tenta negar. “Tem que ver a parte elétrica, pneu, motor, chassi, ver se está tudo em ordem, se está funcionando, mas se ele não tiver funcionando não faz [vistoria]”, garante.

No entanto, diante das provas, o dono oficial da vistoriadora credenciada pelo Detran-MS acaba admitindo que o procedimento irregular foi feito e que não foi um caso isolado.

“Às vezes a gente até faz, como o carro é novo, o motor tá [sic] estragado, às vezes até isso aí. Não é um procedimento certo, mas às vezes acontece, admite”. “Às vezes a gente até faz uma vista grossa”, confirma.

Tudo igual

Para recomendar o arquivamento da denúncia, o promotor de Justiça Humberto Lapa Ferri, último responsável pelo inquérito, sugeriu que a investigação poderia parar, já que o Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito) teria feito todos os procedimentos para regularização das vistoriadoras. Só, que não.

A Focar é uma das vistoriadoras citadas na denúncia de 3 anos atrás arquivada pelo MP-MS.

No despacho, a promotoria apontou que “assim que tomou conhecimento do suposto erro nas empresas de vistorias, [o Detran-MS] puniu as empresas com suspensão e advertência por escrito […], bem como adotou outra postura de controle de irregularidades”.

Apesar do tal ‘controle de irregularidades' no qual o promotor acreditou, a situação flagrada agora é ainda mais grave que o flagrante de 3 anos atrás, quando a reportagem isolou partes importantes para a segurança de uma camionete, como o sistema de freios, e a levou para ser vistoriada em sete empresas credenciadas de Campo Grande.

Na época, 6 delas, após serem pagas, aprovaram o veículo sem nem perceber que faltavam peças como um dos amortecedores.

Desde a primeira denúncia, muita coisa aconteceu no órgão estadual. O Detran-MS foi alvo de operações por suspeitas de corrupção e chegou a ter membros da cúpula presos em operação do Gaeco, mas nada resolveu a falta de controle na inspeção veicular.

Apesar das investigações terem, a princípio, suspeitado de atividade com “meros fins arrecadatórios” por parte das vistoriadoras, o promotor de Justiça alegou que não foi verificado “enriquecimento ilícito” ou benefícios pessoais para as empresas no âmbito das investigações, o que afastaria a necessidade de continuação do inquérito.

Nos autos do processo, as empresas Focar, Dekra, Plena Visão, Prime Vistorias e Contato, que deram laudo positivo ao veículo adulterado, foram notificadas e autuadas pelo Detran-MS. O pedido de arquivamento de março deste ano no MP-MS foi acolhido pelo voto do relator, João Albino Cardoso Filho.

‘Motor disfarçado' para ser aprovado

Para fazer o flagrante, no último dia 30 de maio, a reportagem acompanhou a vistoria do Peugeot 206, placas HSV-1982, no momento em que a fraude fora cometida.

Um veículo Peugeot 206 com motor fundido foi levado até a vistoriadora Focar, credenciada pelo Detran-MS, onde fora aprovado para fins de transferência, mesmo sem nenhuma condição de tráfego e parado havia, pelo menos, 1 ano.

O veículo só chegou ao local graças a um guincho, pois o motor estava literalmente desmontado. Ali, num primeiro momento, o proprietário foi orientado a realocar algumas peças no motor, pois estava ‘muito evidente' que o carro não tinha condições de trafegar.

Os funcionários, então, orientaram o dono a levar o veículo em uma oficina, montar a parte de cima do motor, para que a vistoria fosse feita sem levantar tantas suspeitas. O proprietário, então, o fez.

Retornando à vistoriadora, onde já estava tudo previamente acertado, a fraude foi consumada. O funcionário responsável pelo laudo pediu que o veículo fosse posto no chão, e o caminhão fosse retirado do pátio para não levantar suspeitas. Rapidamente, a fraude fora concretizada.

Em menos 40 minutos, o ‘serviço' foi feito e o laudo validado pelo Detran-MS.

Poucos minutos depois, o carro foi novamente colocado no guincho e deixou a vistoriadora na carroceria do caminhão.

Toda a ação foi filmada por equipe do Jornal Midiamax. Nem o dono do veículo, tampouco os funcionários da vistoriadora sabiam que a situação estava sendo registrada pela reportagem.

Novo inquérito e investigação sobre comissionados

Cerca de um mês antes do arquivamento, o MP-MS abriu uma nova investigação sobre as vistorias de identificação veicular no Estado.

O conteúdo das investigações segue sigiloso. Desta vez, o inquérito corre na 29ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Campo Grande. Mas, as suspeitas sobre irregularidades no serviço de inspeção e , com denúncias que implicam até transferência de veículos com sinais de adulteração do sinal identificador, não são novidade no MP-MS.

O Detran-MS já foi questionado também sobre o emprego de funcionários comissionados nas vistorias feitas pela autarquia. O órgão ministerial chegou a recomendar o Departamento a contratar efetivos para realização dos procedimentos.

Segundo o MP-MS, o uso de comissionados nas vistorias fere a Lei Estadual n. 3.841, que organiza as carreiras do Detran-MS. A Lei determina que as vistorias sejam realizadas por assistentes de vistoria e identificação veicular.