Mesmo com déficit de 42 mil casas, residencial do Minha Casa Minha Vida vira pasto para gado
Enquanto 42 mil pessoas aguardam pela oportunidade da casa própria em Campo Grande, um residencial praticamente pronto, com 260 casas, virou pasto para o gado no Jardim Centro-Oeste. Abandonado há anos, o residencial Rui Pimentel é a principal obra do Minha Casa Minha Vida parada no estado.
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Enquanto 42 mil pessoas aguardam pela oportunidade da casa própria em Campo Grande, um residencial praticamente pronto virou pasto para o gado no Jardim Centro-Oeste. Abandonado há anos, o residencial Rui Pimentel é a principal obra do Minha Casa Minha Vida parada no estado.
De acordo com o Ministério das Cidades, Mato Grosso do Sul tem 289 unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida com obras paradas. Só no residencial Rui Pimentel são 260 casas. Os dados apontam obras destinadas a famílias em vulnerabilidade social, que participam da faixa 1 do programa. A faixa 1 abrange famílias com renda mensal de até R$ 1.800 e permite o financiamento da casa em até 120 meses, com parcelar de R$ 80 a R$ 270.
O residencial tinha previsão para entrega em 2015, mas as obras foram abandonadas há quatro anos mesmo 90% concluídas. O MPE-MS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul) chegou a instaurar um inquérito civil para investigar irregularidades na entrega do local e o Governo anunciou licitação para o asfalto no local no começo deste ano.
O asfalto já está pronto, mas até então o único sinal de vida no Rui Pimentel é de vacas e cavalos que se alimentam do capim que cresceu ao redor das casas. O residencial até chegou a ser ocupado, mas agora uma empresa de segurança mantém 16 trabalhadores para vigiar as casas e impedir invasores. Segundo um dos seguranças, a empresa de vigilância foi contratada há cerca de quatro meses e é mantida pela Caixa Econômica Federal.
Em nota, a Caixa não comentou sobre os seguranças, mas disse que as obras estão paradas apenas desde fevereiro devido a dificuldades financeiras da construtora contratada em concluir o residencial. “Ressaltamos que mesmo após a adoção de ações visando a conclusão do empreendimento sem necessidade de aporte de recursos (plano emergencial), a construtora original paralisou a execução das obras, o que ocasionou a rescisão do contrato de produção do empreendimento”, disse.
A Caixa também informa que está em andamento o processo para seleção de nova construtora para conclusão e legalização dos empreendimentos. Após a contratação de nova construtora a previsão é de que as obras sejam concluídas em quatro meses.
O sonho da casa própria
Alguns metros de mata separam o sonho da casa própria de um agrupamento de moradores que forma uma nova favela no bairro. Os moradores estão no local desde janeiro do ano passado e são vizinhos da ocupação do terreno da Homex, que teve casas demolidas no começo da semana.
Segundo os ocupantes, o terreno é da Prefeitura de Campo Grande. Durante a semana, os moradores receberam a visita de funcionários da Emha (Agência Municipal de Educação), mas a ação não é suficiente para renovar as esperanças de quem espera há tanto tempo. “Há 12 anos eu tenho cadastro na Emha, confesso que nos últimos meses nem renovei, é tanto tempo que a gente vai ficando sem esperança de conseguir um dia, aí eu tive ideia de vir morar aqui na mata mesmo”, explica Paola Duarte Ferreira, de 35 anos.
A favela do Jardim Centro-Oeste se formou em meio ao cerrado e Paola foi uma das primeiras moradoras. Após ficar sem emprego e não ter mais como pagar o aluguel, ela veio morar na ocupação. “Aqui era mato, eu procurei uma área mais descampada e montei meu barraco. Fiquei debaixo de relento e tudo”, relembra.
A história dos moradores da favela é muito similar: não têm emprego ou ganham muito pouco para sustentar os filhos e ainda pagar o aluguel. Depois de pular de casa em casa e de bairro em bairro, Caroline Dias, de 33 anos, ouviu falar da ocupação e resolveu se juntar. “Faz 12 anos que estou na fila da Agehab (Agência Estadual de Habitação Popular de Mato Grosso do Sul), mas mantenho a esperança e a fé que vou conseguir uma casinha para mim. Trabalho com serviços gerais, não dava para pagar [aluguel] e vim para cá, por enquanto fico por aqui, não é confortável, mas é uma vida tranquila”.
Caroline não é a única. Na fila da Agehab, só em Campo Grande há 26 mil pessoas inscritas no cadastro, mais 28 mil no interior do estado. Diferente do Ministério das Cidades, a Agehab afirma que o programa Minha Casa Minha Vida também tem obras paradas no interior, com 300 unidades habitacionais em Ponta Porã, 40 em Anaurilândia, 10 em Angélica e 10 em Bataguassu.
Quanto ao residencial Rui Pimentel, a Agehab anuncia que aguarda a aprovação do Ministério das Cidades para a retomada das obras. Para os moradores da favela, chega a ser um pecado ter um condomínio abandonado quando tantas pessoas precisam de moradia.
“Eu queria só uma pecinha para viver o resto da minha vida”, comenta a aposentada Maria Leda Duarte, de 60 anos, que vive sozinha em um dos barracos. Diagnosticada com Psoríase e com uma doença nos ossos, Maria teve que abandonar o ofício de auxiliar de cozinha e o salário mínimo recebido pela aposentadoria não foi mais suficiente para pagar o aluguel.
Paola, uma das ‘fundadoras’ da comunidade, também não teve condições de pagar aluguel depois de ser demitida e veio parar na favela. O barraco dela chama a atenção pelo cuidado e limpeza, e até esconde as dificuldades que a desempregada passa. “Imagina se eles dessem uma dessas casas abandonadas para gente? Ia ser um sonho! Eu fui demitida depois que me assumi [transexual], quando adotei meu nome social, eu fazia cursinhos e tudo, mas ninguém queria me contratar. Vim parar aqui, os vizinhos me ajudam, doam roupas e comidas, eu crio umas galinhas também, mas é muito duro. Eu não posso ter filhos nessa minha condição, eu sei que vou morrer sozinha, mas eu queria pelo menos um lugar meu para passar o resto da vida”, lamenta.
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