Dependência química, nove filhos tirados do ventre para adoção e um relacionamento conturbado. Essa é a realidade da mulher de 34 anos que ganhou repercussão nas redes sociais, nesta sexta-feira (7), ao ser filmada deitada em unidade de saúde de com o feto nos braços após sofrer um aborto espontâneo.

Morando com o namorado e a sogra há cerca de 11 anos, a mulher tem a rotina limitada em acordar cedo, perambular pelas praças da Capital e usar pasta-base com o companheiro até o fim do dia. Os dois, ambos dependentes químicos, se conheceram no Cetremi (Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante) e logo decidiram “se juntar”.

Na época com quatro filhos do primeiro casamento, Maria* já tinha passado pela triste experiência de ter as crianças levadas pelo Conselho Tutelar para um abrigo. O sofrimento não foi o suficiente e ela engravidou mais 5 vezes do atual namorado. A história se repetiu e todos os bebês foram novamente entregues à outras famílias.

Vivendo à margem da sociedade e em vulnerabilidade social, a vida de Maria retrata o quanto ainda o poder público tem por fazer pelos esquecidos. A usuária que perdeu um filho e teve o caso compartilhado por várias pessoas disse ao Jornal Midiamax que tentou ajuda e chegou a ser internada cinco vezes, mas a resistência do marido ao tratamento também tira suas forças.

“Fiquei na casa de recuperação cinco vezes, mas ele não quer ser internado e eu tenho medo que ele arrume briga com outros caras na rua se estiver sozinho.”

A violência é outra sombra que acompanha a dependente ao longo dos anos. O casal, no ápice do vício, chega a usar entorpecentes durante 18 horas por dia. Quando o nível tóxico fica no limite, é a hora em que os dois brigam e se agridem. “O viciado fica muito agressivo. Eu bato no meu marido quando a gente usa drogas. A pessoa fica impaciente e qualquer coisa irrita”, relata Maria.

A história da mulher dá voz a centenas de outros dependentes químicos e moradores de rua que, apesar de reconhecerem que precisam de ajuda, não conseguem atravessar o abismo da abstinência. “A pessoa precisa de ajuda porque sozinha não consegue sair. Quando fui internada, os médicos falavam para eu nunca parar de lutar e que iria sair dessa, mas a dependência é mais forte.”

O casal não tem emprego, mas o homem trabalhou como serviços gerais em diversas chácaras e tem boas referências, garante a esposa. Mas a família, considerada normal, esbarrou novamente na recaída e voltou para a Capital onde vive atualmente.

Há cerca de 3 meses, Maria teve o curso de vida desviado para uma nova gestação. Ainda se recuperando da décima gravidez – que resultou em um aborto espontâneo, a usuária decidiu que o bebê serviria para dar forças no combate ao vício.

Mais um aborto

Na última quarta-feira (6), a gestante procurou a CRS (Centro Regional de Saúde) do Nova Bahia sentindo dores abdominais. Ao passar pelo ultrassom, o pai conta que o médico não conseguiu ouvir os batimentos cardíacos do feto, mas alertou ser normal devido ao pouco tempo de gravidez.

“O médico disse que era normal não ouvir o coração porque ainda estava no começo. Eles passaram um remédio e mandaram a gente para a casa”, conta o pai.

Como a dor persistiu até o outro dia, o casal procurou o HU (Hospital Universitário) e a mulher teria sido diagnosticada com infecção urinária. Em uma nova ultrassonografia, o homem garante que, desta vez, o médico ouviu o coração do bebê. “O coração do meu filho estava batendo mais forte que o meu, eu vi”.

O pesadelo iniciou quando, segundo o casal, a mãe foi tomar os comprimidos indicados para a infecção e começou a sangrar. Momento em que o feto teria escorregado do útero e ficado preso nas vestes íntimas da mãe. “Ela começou a sangrar depois dos 2 remédios e o bebê foi parar na calcinha dela”, relata o pai.

Os dois correram para a CRS Nova Bahia e, ainda de acordo com o pai, ficaram cerca de 3 horas até uma enfermeira colocar o soro para aliviar a dor. A gestante relatou com exclusividade à reportagem do Jornal MidiaMax as horas de terror que passou em cima da maca gelada da Unidade Médica.

“Tirei o feto da minha roupa e uma senhora me deu uma camiseta. Enrolei o bebê no pano e coloquei do meu lado na maca. Quando a enfermeira chegou, ela disse que eu tinha que ficar com o feto comigo porque ele tinha que ser levado para o HU. Ela também disse que não tinha ambulância pra me levar e eu teria que ir de ônibus. Daquele jeito mesmo, com o feto na mão e a placenta dentro de mim.”

No relato dramático, ela continua afirmando que ficou a noite toda no soro e somente na manhã desta sexta-feira (7) foi que recebeu a visita de um médico. Durante esse período, outra paciente ficou mobilizada com a dor da gestante e fez o vídeo que viralizou nas redes sociais.

“O médico disse que não tinha ainda ambulância e era pra eu ir sozinha pro hospital. Meu marido não tinha dinheiro. Para não morrer com infecção dos restos do feto dentro de mim, eu pedi para tirarem o soro e vim de ônibus com ele.”

Chegando por volta das 13 horas no HU, a paciente foi submetida a uma nova ultrassonografia e encaminhada para a curetagem. O sentimento, segundo ela, é de total impotência perante aos governantes.

“Eu queria meu filho nos braços, já que não tinha, eles poderiam pelo menos ter me limpado, pedido pro Samu me trazer. Peguei ônibus com todos os restos dentro do meu útero. Não sei porque fizeram isso comigo.”

O que diz a Sesau

A (Secretaria Municipal de Saúde) publicou uma nota relatando que a gestante procurou atendimento na CRS Nova Bahia, na quarta-feira (5), e no exame físico feito pelo médico ela apresentou sinais de “colo do útero apagado”, quando há dilatação aumentada do útero para o parto, no entanto foi atestado também ausência de batimentos cardiofetais, ou seja, o coração do feto estava parado.

Por volta de 18h ela foi encaminhada para o Hospital Universitário onde passou por exames. Em casos onde há comprovação de ausência de vida, alguns profissionais defendem que o feto seja liberado de forma espontânea, sem a necessidade de intervenção cirurgia. Porém, até o momento, a Sesau não teve acesso ao prontuário de atendimento do hospital que já foi solicitado.

O Jornal MidiaMax teve acesso ao Exame Obstétrico da mulher onde há o registro de colo do útero amolecido com presença de coágulos de sangue. O documento, no entanto, não traz o diagnóstico do HU – onde o pai afirma que o coração do bebê foi ouvido.

Por meio de assessoria de imprensa, a Sesau informou que já solicitou o laudo médico, mas as informações a cerca do aborto estão oficializadas e as medidas cabíveis serão tomadas.

*A reportagem usou o nome fictício para garantir a integridade da mulher.