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Cotidiano

Sonho de corumbaense, 1ª creche de Dourados teve ajuda até de Ney Matogrosso

Creche André Luiz atende quase 300 crianças gratuitamente em tempo integral
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Creche André Luiz atende quase 300 crianças gratuitamente em tempo integral

Uma história de vida marcada pela doação ao próximo. É como pode ser descrita a obra de Josephina Fernandes Capilé, uma valente senhora de 80 anos responsável pela criação da primeira creche de , a 225 quilômetros e . No decorrer desse projeto, uma ajuda inesperada surgiu: já no auge da fama ao final da década de 1970, Ney Matogrosso fez um show em São Paulo para arrecadar fundos destinados à obra.

Para os pais das quase 300 crianças atendidas gratuitamente e em tempo integral – das 7h às 17h – na entidade atualmente, talvez essa rica história passe despercebida. Mas a Creche André Luiz é parte de relevância incontestável do desenvolvimento da segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul e fruto de um trabalho incansável.

Inaugurada no dia 27 de dezembro de 1980, a Creche André Luiz foi um presente dado ao município uma semana após o aniversário de 45 de emancipação político-administrativa. A entidade é fruto do empenho da população da época, sobretudo do casal Flamarion e Josephina Capilé, que tiveram ainda a inesperada contribuição de Ney Matogrosso.

SOPÃO DOS CAPILÉ

Desde que chegou a Dourados, em 1974, vinda da terra natal, Corumbá, a 425 quilômetros da Capital, Josephina sentia-se incomodada com a miséria que via entre muitas famílias vizinhas. Com ajuda do marido Flamarion Capilé (in memorian) e da filha Katié, à época com 14 anos, e de amigos da família, organizou o que ficou conhecido como “sopão dos Capilé”.

Na pequena casa de madeira em que viviam, na Rua Quintino Bocaiúva, próxima da antiga rodoviária, o sopão começou a ser servido de forma improvisada. Havia nessa residência um grande corredor no terreno onde as enormes panelas eram colocadas sobre os tijolos e aquecidas para o cozimento da sopa. Mesas compridas com bancos de tamanho proporcional eram onde as pessoas podiam se acomodar para saborear o alimento.

“No começo eram tijolos no chão. Eram panelões imensos. Papai mexia a sopa, era cheirosa e o pessoal ia chegando. Tinha mesas compridas na varanda. A gente ia servindo. Tinha gente que dava para ver que era bem necessitado mesmo”, recorda Katié, que testemunhou essa história vivendo-a intensamente com os pais.

Esse sopão atraia centenas. A miséria na periferia de Dourados ao final da década de 1970 era mais comum do que se possa imaginar. No período em que ajudava a matar a fome dessas pessoas, Josephina percebeu a carência sobretudo das crianças. Ainda estava vivo nela o sonho que carregava desde muito cedo em Corumbá, onde chegou a lecionar por 10 anos na Seleta, de dedicar-se ao atendimento dos pequeninos.

VISITA INESPERADA

Num chuvoso sábado de casa cheia, em dezembro de 1979, a pequena e movimentada residência dos Capilé chamou a atenção de Adiles do Amaral Torres, de família tradicional da cidade e proprietária do Jornal O Progresso. Impressionada com a intensa movimentação, ficou curiosa e decidiu entrar para conversar com os responsáveis.

Ao saber do que se tratava, Adiles prometeu doar aos Capilé um dos terrenos que sua família possuía na Vila Amaral. A intenção era possibilitar um espaço maior para o sopão. Mas Josephina viu ali a grande oportunidade para realizar o antigo sonho de criar uma creche; em janeiro de 1980, foi cobrar a promessa, prontamente atendida.

“Eu vim até aqui, era tudo um deserto, e comecei a olhar. Tinha vários terrenos. Eu olhei o 19, mas não gostei. Continuei observando e decidi optar pelo 18”, relembra dona Josephina, sentada na sala de onde vê tudo que acontece na creche por meio de um amplo sistema de monitoramento por vídeo. Apesar desse recurso, ela não fica parada; prefere estar sempre perto das crianças de que cuida.

MÃOS À OBRA

Na época da doação do terreno, Dourados era administrada por José Elias Moreira, que foi prefeito do município de 1977 a 1982. O então gestor municipal foi procurado por Josephina, que propôs a construção da creche com apoio do poder público. Mas o chefe do Executivo municipal alegou falta de recursos.

Determinada, ela, o marido e a filha passaram a dedicar os fins de semana ao trabalho. “Começou a maratona de promoções e mais promoções”, relata Katié. Os Capilé vendiam feijoada onde funcionava a sede do Clube Social, ao lado do Banco do Brasil, na Rua Joaquim Teixeira Alves, e também o buffet em leilões rurais na região. Tudo o que arrecadavam ia para a obra.

Houve ainda muitas doações de materiais de construção. Até o Corpo de Bombeiros foi requisitado para ajudar a colocar as telhas e não recusou. O objetivo era inaugurar tudo no dia 20 de dezembro, no aniversário de comemoração aos 45 anos de emancipação político-administrativa do município. Mas a chuva que dificultava o assentamento do piso atrasou tudo em uma semana.

NEY MATOGROSSO

Antes do término das obras, no entanto, quando faltava praticamente só o acabamento e o mobiliário, uma conversa entre amigos resultou na ideia de pedir ajuda a Ney Matogrosso, naquela época já em carreira solo e consagrado pelo sucesso de anos antes no grupo Secos e Molhados. “Quando ele soube que era para construção de uma creche, propôs realizar um show com renda destinada a este fim”, recorda dona Josephina. O artista nunca comentou esses auxílios.

Dona Josephina tem uma versão própria para esse acontecimento. “Todo mundo perguntava se era porque ele gostava muito de criança e ele respondia que era porque conversou com o casal e achou que tudo aquilo era muito sério”.

Como em Dourados não havia casa de show disposta a abrir mão de parte da renda, o show ocorreu no Sesc Bauru. “O Ney Matogrosso me ligou e disse para eu ir a Bauru, em São Paulo, porque já tinha escolhido o local da apresentação e ia fazer o show no Sesc de lá para arrecadar fundos para a construção da creche”, menciona dona Josephina. Ao final da apresentação, o artista quis saber quantas crianças a creche atenderia. “Eu disse que seriam de 70 a 80 crianças, mas ele falou que a primeira creche de Dourados não poderia atender só isso. Ele me perguntou se havia terrenos ao lado do local onde a creche seria construída e quando eu respondi que sim ele tirou dinheiro do próprio bolso, me deu e me orientou a comprá-los”, rememora.

SONHO REALIZADO

De volta a Dourados e com o dinheiro doado por Ney Matogrosso já na conta bancária que ela havia indicado, Josephina visitou Adiles do Amaral para tratar da compra de um terreno vizinho ao que havia ganhado. Esse recurso possibilitou também a construção de mais salas e em fevereiro de 1981 começaram a ser atendidas 167 crianças carentes, filhas de pais que comprovassem ter baixa renda e trabalhar.

Quase 36 anos depois, pais que deixam os filhos de segunda a sexta na Rua Wlademiro do Amaral, número 225, na Vila Amaral, podem até não conhecer essa história, mas vivem com a segurança de que ali essas crianças serão sempre bem cuidadas. Desde a inauguração, dona Josephina recebe os pequeninos no portão pouco antes das 7h e faz um carinho especial em todos que passarão o dia naquele espaço que tanto lutou para construir.

“Para você atender filhos dos outros, crianças que você pega pequenininha para cuidar, você tem que ter responsabilidade, tem que gostar, dar carinho para aquela criança, tem que atender bem. Até o modo de pagar a criança para sentar eu exijo que seja com delicadeza. Não pegar de qualquer jeito. Para deitar a criança, ou pegar uma chupeta tem que ter jeito. É uma criança, você tem que dar na boquinha, ou então dar na mãozinha. Sou chata, sou enjoada. Primeiro que acho que sou meio antiga. Porque pessoal pensa que creche, por exemplo, é um depósito de criança. Acho que tudo tem que ter hora. Para estudar, para comer, para dormir, para brincar. Uma criança não vem numa creche só para ficar o dia inteiro sozinha brincando, tem que ter muita atenção com essa criança, ela tem que ir para uma sala de aula. Minhas crianças fazem oração todo dia cedo, chegam em casa vão ensinar os pais”, descreve orgulhosa dona Josephina.

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