Setembro Amarelo: ‘confinamento cultural’ reflete altas taxas de suicídio

Jovens são as principais vítimas

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Jovens são as principais vítimas

Suicídio, um assunto que ninguém deseja falar. Índios, parte de brasileiros que ninguém quer enxergar. Ao juntar os dois temas, entende-se porque a taxa de suicídio entre os indígenas, principalmente no Mato Grosso do Sul, é tão alta, especialmente entre os jovens. Notícias não informam os motivos, contudo estudiosos apontam que a principal causa é o confinamento nas reservas que são tão próximas às cidades.

Segundo dados divulgados pelo Mapa da Violência 2014, os índios representam apenas 2,9% da população do estado, mas são responsáveis por 19,9% dos suicídios, o que é quase 7 vezes maior que o esperado da parcela da população indígena. Entre os jovens, o cenário é ainda mais assustador. A faixa etária de 15 a 29 anos representa 26% da população indígena, mas 60,9%, dos suicídios acontece entre esta faixa etária, ou seja, mais que o dobro do que seria esperado.

Em uma rápida busca na Internet por notícias reportando suicídios a amostragem confirma os dados do Mapa da Violência 2014. O retrato é de um jovem rapaz de 18 a vinte e poucos anos, dependente químico, que dá fim à própria vida por enforcamento.  A impressão é de que ninguém sabe porquê, poucos acompanham o acontecimento e todos se calam rapidamente.

Se suicídio é tabu entre o homem branco, entre os índios é ainda mais. O professor antropólogo Levi Marques Pereira explica que “os mestres tradicionais kaiowá e guarani consideram o assunto perigoso, dele não se deve falar livremente. O tabu está ligado ao temido efeito de contágio inerente a esse tipo de morte, o que pode levar outras pessoas a tomarem a mesma decisão. Nesse sentido, só os versados na tradição poderiam chegar perto da pessoa morta por suicídio para agilizar seu enterro, que deve ser feito imediatamente, sem velório e fora da vista das crianças. Uma série de procedimentos rituais acompanham o ato fúnebre, todos os objetos do morto devem ser deixados no lugar do enterro, os caminhos obstruídos e o lugar não deve ser mais visitado”.

Dado este panorama, talvez nunca tornem-se conhecidos os motivos específicos, mas  macro-causas são ditadas por estudiosos. De acordo com professor Levi “a vida na reserva, marcada por tensões e conflitos resultados do ajuntamento compulsório de comunidades distintas, superposta num espaço exíguo, produz um ambiente de mal-estar social, elemento propulsor da prática”.

O advogado Luiz Henrique Eloy, ele próprio um índio Terena, tem contato com lideranças indígenas. Ele acompanha as causas de demarcação de terras e processos criminais que tem como vítimas lideranças indígenas. O contato do advogado com os índios traz o clamor deste povo. “Entre aquelas lideranças ouve-se falar da desestabilização social entre o povo. As reservas foram criadas muito próximas às cidades favorecendo o contato interétnico, assim as questões das cidades foram levadas para dentro das aldeias”, conta o advogado.

O leque aberto pela questão das reservas é confirmada pelo antropólogo. “A política do reservamento dos índios cumpriu a função de liberar as terras ocupadas pelos indígenas. O recolhimento dos indígenas nas reservas foi realizado com artifício do convencimento de que na reserva teriam uma vida melhor, com assistência do Estado. Em inúmeros casos se recorreu ao recurso da remoção forçada, perpetrada por agentes públicos, ou por particulares, quando os indígenas se recusavam a sair das terras”, explica ele.

O professor Levi conta que ao longo do tempo foram levados 15 mil indígenas de três etnias para a reserva de Dourados – um espaço de menos de 3,6 mil hectares. Segundo ele, este confinamento causa um mal-estar social que eleva os problemas sociais a uma situação insuportável, com altos índices de violência, desnutrição infantil, consumo abusivo de bebidas alcoólicas, dentre outros.

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