Demitido por cobrar cirurgia pelo SUS é alvo de 2 processos por erro médico

Em um deles, aposentado diz que ficou sem rim em cirurgia de apêndice

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Em um deles, aposentado diz que ficou sem rim em cirurgia de apêndice

Uma sucessão de denúncias cerca o médico Jaime Hioshinori Oshiro, que foi demitido após uma sindicância na Santa Casa de Campo Grande apontar que ele cobrava por cirurgias pagas pelo SUS (Sistema Único de Saúde). O médico é processado por dois ex-pacientes, que alegam erro nas cirurgias e pedem juntos, mais de R$ 240 mil em indenizações. Em um deles, um aposentado diz ter ficado sem o rim esquerdo em uma cirurgia de retirada de apêndice.

Desacostumado a ir ao médico desde jovem, o aposentado Renato Burema, de 70 anos, relata que tomou sua primeira vacina quando trabalhou no Exército. “Em 2003, estava almoçando quando senti uma forte dor na barriga. Fui ao posto e falaram que eu estava com apendicite, que precisava operar urgentemente”.

O aposentado ainda voltou para casa para deixar a bicicleta que usava. Na Santa Casa, o médico Jaime Oshiro, que estava de plantão, realizou a cirurgia. “Ele não fez nenhum tipo de exame antes da cirurgia, não conversou comigo e minha esposa também não pode me acompanhar”. Depois da cirurgia, precisou ficar internado por 16 dias, segundo ele por causa de um hematoma que surgiu na altura do rim esquerdo. “Disseram que a cirurgia para retirar o apêndice era de uns 7 centímetros. “Mas abriram de cima até embaixo. “Apendicite não precisa desse corte aqui”, conta, apontado para a barriga. Na própria unidade, durante a internação, um ultrassom foi realizado e os médicos perceberam pontos recentes no lugar onde ficaria o rim. “Na hora, eu nem liguei”.

Passados dez anos, o aposentado fez exame com o mesmo médico que o encaminhou para a cirurgia, que avisou que ele não tinha o rim esquerdo. “Também não liguei, mas o meu filho disse que eu precisava procurar a Justiça. Se ele me tirou um rim, precisamos saber o motivo”.

No processo, parado desde setembro de 2015, a advogada apresenta exames que comprovam que o aposentado tinha os dois rins quando entrou no hospital e um posterior, onde não é possível visualizar o órgão esquerdo. Um pedido de perícia foi feito para que fique comprovada a inexistência do órgão e sobre a cicatriz do procedimento, mas até o momento não há resposta judicial.

Em sua contestação, o médico afirma que o exame usado, de ultrasson, não é o ideal para apontar a inexistência do órgão e diz, ainda, que, mesmo que esteja ausente, não há como saber se foi durante cirurgia ou se é um problema que o aposentado já apresentava.

A equipe de reportagem do Jornal Midiamax procurou um profissional para comentar o resultado do ultrassom e o médico o classificou como incomum. “Teria que fazer uma investigação, sim”, limitou-se a opinar.

Bexica rasgada

No outro caso, um taxista de 52 anos alega ter esperado 16 meses para ser submetido a uma cirurgia para corrigir uma hérnia inguinal. A advogada alega que ele tinha cirurgia marcada para julho de 2013 com Jaime Oshiro, mas que foi operado por outro médico, sem saber.

Durante o procedimento, conforme consta dos autos, o médico ligou para Jaime, informando que a bexiga acabou sendo rasgada. Jaime teria aparecido na cirurgia e finalizado o procedimento, informando ao taxista sobre a intercorrência mas dito que estava tudo bem. Os dois profissionais foram processados. O outro médico é Edison Clemente Lacerda, que não mora mais em Mato Grosso do Sul, segundo consta na ação.

Após o procedimento, o taxista diz ter ficado com dificuldades para urinar, alega erro médico e pede R$ 100 mil por danos morais. Na defesa apresentada à Justiça, ele afirma que a dificuldade de urinar, e o problema apresentado durante a cirurgia são situações comuns nesse tipo de procedimento.

Os dois casos seguem sem nenhuma decisão na Justiça.

 

CRM

O CRM (Conselho Regional de Medicina) não negou que haja procedimento ético contra o médico, mas informou que não pode adiantar nada sobre o assunto. Segundo a assessoria de imprensa, os casos não podem ser divulgados até que haja alguma condenação ou não do médico.

Demissão

Jaime Oshiro foi demitido da Santa Casa de Campo Grande no dia 7 de janeiro, sob suspeita de cobrar de uma paciente uma cirurgia que seria feita pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Ele recorreu à Justiça do Trabalho e, em primeiro grau, conseguiu a reintegração ao emprego, no qual está há 30 anos, mas em segundo grau a demissão foi confirmada e o médico está afastado.  A reportagem do Jornal Midiamax conversou rapidamente com ele, que pediu para que fosse procurado o seu advogado, Milton Costa. O advogado foi procurado deste ontem, mas não retornou as ligações.

Segundo o relato da sindicância aberta pela Santa Casa, que resultou na demissão de Jaime, a quantia envolvida foi de R$ 1,5 mil pela cirurgia e R$ 800,00 pelo atendimento no consultório do médico, que fica na região da Santa Casa. O médico fala em R$ 300 pela consulta.

Conforme relato dos profissionais presentes ao centro cirúrgico, quando a situação foi descoberta, o médico pediu para conversar com a paciente e chegou a anotar no prontuário que ela receberia alta por “apresentar melhora considerável”, situação contestada por outro profissional ouvido. No relato da paciente, ao SAC da Santa Casa e à comissão de sindicância, Jaime Oshiro conversou com ela para dizer que não faria mais a cirurgia e que “havia dado B.O”. Teria dito, ainda, que “sempre trabalhou assim”, sem ter problema e, teria pedido para que ela mentisse sobre o pagamento, dizendo ter entregue em outro lugar e não no consultório.

Há, inclusive, relato de um médico afirmando que ouviu de colegas que o profissional havia ‘brigado’ com a paciente, depois de pedir para ficar a sós com ela na sala de cirurgia. A sindicância também tem a afirmação de que já se ouviu boatos sobre fatos parecidos, mas sem provas.

A investigação aponta que o médico devolveu os R$ 1,5 mil, e, quando ouvido na sindicância, alegou ter recebido como forma de doação. Disse a mesma coisa à Justiça do Trabalho. Em todos os seus testemunhos, porém, a trabalhadora rural e a filha que a acompanhava disseram ter pago o valor pelo procedimento de urgência.

Antes de ser demitido, o médico foi suspenso por 15 dias. O advogado que o defendeu alegou não haver provas de cobrança pelo procedimento e que a suspensão por 15 dias já era punição suficiente. Também elogiou o profissional, dizendo que em mais de 25 anos, não há qualquer irregularidade em sua conduta. Também foi citado o arrependimento dele, comprovado com a devolução do dinheiro, e o fato de estar prestes a se aposentar. A Santa Casa, porém, optou por encerrar o contrato do médico.

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