Após despejo, índios refazem acampamentos às margens de rodovia

Guaranis-Kaiowá ocupavam fazenda em Dourados

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

Guaranis-Kaiowá ocupavam fazenda em Dourados

As nove famílias guarani-kaiowá despejadas na manhã desta quarta-feira (6) da Fazenda Serrana, em Dourados, a 228 quilômetros de Campo Grande, voltaram a montar seus barracos. Dessa vez, o acampamento improvisado fica na outra margem da BR-463, em frente à propriedade da qual foram retiradas pela Polícia Federal.

Reivindicado pelos índios como Tekoha Apyka’i, o território tradicional incide em parte da propriedade rural cujo dono, Cassio Guilherme Bonilha Tecchio, arrenda para a Usina São Fernando, do empresário e pecuarista José Carlos Bumlai, preso em 2015 na 21ª fase da Operação Lava Jato.

OCUPAÇÃO ANTIGA

Às margens do Córrego Curral de Arame, o acampamento indígena chegou a ser retratado pelo jornal inglês The Guardian. Em maio deste ano, a publicação intitulada “Índios Guaranis brasileiros estão suicidando por conta da perda das terras de seus ancestrais” deu destaque aos improvisados barracos dessa comunidade considerava de extrema vulnerabilidade.

Relatos de antropólogos apontam a presença de índios nessa região em 1999, sob a liderança de Ilário Cario de Souza. Ele narrava tentativas de ocupação da área ocorridas após a expulsão definitiva dos índios na década de 1980. Impedidos de retomarem o território, chegaram a se dispersar pelas reservas de Dourados e de Caarapó.

Mas em 2002 o acampamento já estava de pé novamente. Naquele ano, contudo, o líder indígena morreu atropelado, um crime até hoje não esclarecido pelas autoridades; coube a sua esposa, Dona Damiana, assumir o comando do grupo após idas e vindas ao território reivindicado. Dali em diante, os guaranis-kaiowá denunciaram seguidas expulsões violentas, até que em 2008 fixaram moradia no local.

PROCESSO JUDICIAL

Foi em 2009 que o caso parou na 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados. Apesar de seguidas ordens de reintegração de posse, entre idas e vindas em 2013 os índios ocuparam o trecho que hoje foi alvo do despejo executado pela PF com apoio da Polícia Rodoviária Federal e de duas equipes da Força Tática do 3º BPM (Batalhão de Polícia Militar) de Dourados.

Nesse meio tempo, uma decisão judicial chegou a determinar que a União comprasse 30 hectares da Fazenda Serrana para acomodar os indígenas. Mas o juiz Fábio Kaiut Nunes extinguiu esse processo e reafirmou a ordem de reintegração de posse que PF e PM negavam-se a cumprir. O magistrado solicitou ao Ministério da Justiça o envio de tropas da Força Nacional de Segurança, mas sem respostas, reforçou no dia 14 deste mês a determinação às forças policiais locais.

DESOBEDIÊNCIA

Sem esconder o descontentamento com a Polícia Federal, o juiz estabeleceu prazo improrrogável de 15 para que a reintegração acontecesse, “sob pena de apuração da prática de crime de prevaricação por parte dos agentes públicos federais incumbidos de tal mister”. O magistrado criticou os federais por desobediência, pontuando que a determinação para despejar os índios havia sido expedida há 14 meses.

Nesta manhã, enquanto as equipes policiais monitoravam o acampamento indígena, um trator destruía os barracos. Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), entidade ligada à Igreja Católica que apoia a causa indígena, “os pertences dos indígenas foram retirados e colocados em caminhões, e todos os barracos foram destruídos com um trator do tipo pá carregadeira”.

NOVO ACAMPAMENTO

“Os caminhões levariam os pertences dos indígenas a qualquer lugar que eles quisessem. O lugar escolhido foi a beira da estrada em frente ao tekoha, onde por mais de uma década viveram os Kaiowa e, agora, debaixo de chuva forte, a 10 graus de temperatura, os indígenas voltam a erguer novos barracos”, detalhou o Conselho.

Antes de ocuparem a fazenda da qual foram despejados hoje, esses indígenas já haviam morado em barracos às margens da rodovia federal que liga Dourados a Ponta Porã. Desse período, ainda lamentam a morte de oito irmãos atropleados. Agora, voltam a viver essa situação de vulnerabilidade.

O coordenador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Dourados, Vander Aparecido Nishijima, disse à reportagem do Jornal Midiamax que estava em Campo Grande no momento do despejo. Alheio ao acontecimento, indicou dois servidores para falar sobre o caso, mas nenhum deles foi encontrado até o fechamento desta matéria.

Na Polícia Federal, o delegado apontado como responsável pela reintegração de posse não foi encontrado.

Conteúdos relacionados

futsal ufms
enem
pacientes