Para refugiados da guerra síria, emprego é sonho de vida sem medo
São cerca de 30 refugiados vivendo em Campo Grande
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São cerca de 30 refugiados vivendo em Campo Grande
Othaman Assaf, 36 anos, é um cantor sírio. Em seu país, vivia confortavelmente com a esposa e os dois filhos, um menino de 9 anos e uma menina de 7. Tinha casa própria e renda fixa. Tinha! Hoje, é mais um dos milhares de refugiados sírios espalhados pelo mundo e um dos cerca de 30 que, nos últimos meses, elegeram Campo Grande como a terra do recomeço, ou melhor, da sobrevivência. Sem muitas possibilidades e sonhos, os refugiados na Capital sonham basicamente com um emprego e a chance de viver sem medo.
Do ofício como músico, Othaman sente saudades do status e do prazer que sentia em viver da arte. Dos dias livres, as melhores lembranças são da comida preparada pela esposa e dos carinhos da filha menor, cujo rosto carrega como protetor de tela do celular, o único bem que possui em sua nova vida.
Há pouco mais de seis meses a família deixou a Síria. Desde 2011, o país se tornou um campo aberto de confronto direto e violento entre partidos e interesses distintos. Lá, quem paga a conta é população forçada a fugir em busca da sobrevivência em outras terras. Pela proximidade, a União Europeia é tida como o sonho da maioria. Sem dinheiro e opções mais seguras, eles se espremem em navios clandestinos e entradas ilegais, principalmente pela costa da Grécia.
As condições das embarcações são as piores possíveis e muitos acidentes acontecem diariamente. Na quarta-feira (2), após um naufrágio em uma praia turca, o menino Aylan, de três anos, foi encontrado morto de bruços na areia. A imagem da criança morta rodou o mundo e chamou a atenção para a crise migratória.
Othaman e os seus poderiam ser um deles. Por muitos anos resistiram aos ataques de bomba e ameaças de punição caso não se envolvessem na disputa pela liderança do país, desde a queda do ditador Bashar al-Assad.Mas diante da ameaça de morte, caso não deixasse a carreira de cantor, Othaman foi forçado a deixar a Síria.
Deixaram para trás o que restava da casa, o dinheiro, os parentes e a pátria. Nas novas instalações, uma barraca de lona sem água ou luz, na Jordânia, os quatro passaram a viver de doações. Uma vida que nem nos piores pesadelos havia passado pela cabeça da família. Era preciso recomeçar.
Foi em um telefonema que um “mau amigo” convidou Othaman para vir “tentar” melhores dias em Campo Grande. Para quem não tinha nada, a proposta pareceu um oásis. E veio. Há três meses chegou à cidade. O então amigo, só lhe permitiu usar o sofá de sua casa por cinco dias.Depois, era hora de deixar a casa com uma mão na frente e outra atrás e, principalmente, sem entender ou falar o português.
“Não tinha como trabalhar. Não sabia nada e não conseguia entender ninguém”, nos conta Othaman em um de seus raros dias de alegria desde que deixou sua casa. Toda felicidade tem um motivo: emprego. De cantor à vendedor de shawarma na Avenida Rui Barbosa, número 2.486. A vida mudou rapidamente e não há tempo para lamentar. “Estou feliz hoje pelo trabalho”, nos diz com a ajuda do libanês Hassan Elsahely que serviu de interprete para a nossa conversa ou a tentativa de estabelecer uma. Os dois são sócios na venda do lanche de origem árabe.
Os primeiros dias em Campo Grande foram muito difíceis. Sem ter onde morar, Othaman dormia na mesquita até que conseguiu alugar um quarto por R$500 no centro de Campo Grande. Mas toda dificuldade é ultrapassada quando o pensamento voa longe e encontra a família ainda em situação de perigo na Jordânia. “Eu não tive dinheiro para trazer minha família. Mas sonho em trazer todos eles”, explicou com o emprego de algumas palavras em português. “Estou tentando aprender, mas é muito difícil”.
Abdel el Nasser, é um dos diretores da Mesquita de Campo Grande e é por ele que passam os refugiados que chegam à Capital. Ele nos conta que cinco famílias chegaram a cidade nos últimos meses. Todos eles fugindo do conflito na Síria. Os relatos, explica, são sempre de muita dor e sofrimento. “Eles chegam aqui muito fragilizados. Sem emprego, sem documentos ou casa, eles precisam da ajuda de alguns amigos para começarem a luta pela sobrevivência”, diz o libanês que vive há 15 no Brasil.
Para ele, o país é bom. Ao contrário do que acontece na União Europeia, que tem proibido a entrada dos refugiados em seus países, o Brasil não cria dificuldades para legalizar a situação dos fugitivos da guerra. “Nós não temos o que reclamar do Brasil. Acolhe a todos muito bem, o problema é encontrar emprego por conta da língua e da crise que o país vive”, conta.
Sua esposa, Norma Noha Gandu, lembra que todos eles chegam a cidade com muita força de vontade e esperança de recomeçar. “Alguns trabalham como vendedor de água, as mulheres fazem bolos, limpam casas. Eles não se cansam de trabalhar e tem muita força e esperança de uma sobrevivência em paz”.
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