Desburocratização da ciência e inovação esbarra em instituições e estados

Cientistas afirmam que ainda há obstáculos para que o país consiga usufruir das mudanças promovidas pelo CT&I (Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação), sancionado em 2016 e regulamentado neste ano. A meta era facilitar, por exemplo, a contratação de serviços, por meio de dispensa de licitação, a ampliação das possibilidades de convênio entre instituições públicas […]

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Cientistas afirmam que ainda há obstáculos para que o país consiga usufruir das mudanças promovidas pelo CT&I (Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação), sancionado em 2016 e regulamentado neste ano.
A meta era facilitar, por exemplo, a contratação de serviços, por meio de dispensa de licitação, a ampliação das possibilidades de convênio entre instituições públicas e empresas, a simplificação da gestão de projetos de CT&I, a desburocratização dos processos de importação, entre outros.
O problema é que ainda não houve a adaptação das universidades e das instituições públicas e também dos estados da federação. O tema foi discutido nesta terça (24), em uma mesa redonda da reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, maior evento científico do país, que acontece em Maceió, no campus da UFAL (Universidade Federal de Alagoas).
“Eu esperava que não se criasse uma corrida de barreiras -você salta a primeira e vem outra cada vez mais alta.”, disse Helena Nader, professora da Unifesp e presidente de honra da SBPC, sobre as dificuldades que aparecem dentro de universidades e institutos de pesquisa.
“O que eu estou vendo em muitas instituições [públicas] é o seguinte: quem conseguir em seis meses fazer uma parceria [com uma empresa], é um felizardo. Só que nenhuma relação com o setor produtivo aguenta ou pode esperar seis meses. Nós convencemos o Congresso, o Judiciário e o Executivo [sobre a necessidade de agilizar processos] e não estamos convencendo dentro de nossas próprias casas.”
Gianna Sagazio, diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria, disse que o marco pode ajudar o Brasil a melhorar seu desempenho na inovação, ou seja, na elaboração de novos produtos a partir do conhecimento científico e tecnológico.
Atualmente o país ocupa a 64ª posição entre 126 países, apesar do posto de oitava economia do mundo. No quesito, o Brasil perde para Costa Rica (54º), México (56º) e Bolívia (63º), por exemplo.
Com os incentivos à inovação para benefício tanto da indústria quanto de instituições públicas -que podem, de acordo com as regras vigentes, inclusive fundar uma empresa em conjunto- espera-se que em algum momento o Brasil se aproxime das primeiras colocações no ranking de inovação, considerando o potencial econômico e bom corpo técnico-científico, mas pecando principalmente em áreas como as atuações governamentais e a burocracia institucional.
Para Alvaro Prata, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e de Desenvolvimento do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações), o paradoxo no país chega a ser tão grande que “é possível que tenhamos um especialista em doenças tropicais e, ao redor dele, as pessoas estejam morrendo de malária e com a doença de Chagas”.
Para ele, as lógicas do servidor público, de só fazer o que a lei permitir, e das empresas, de só não fazer o que é explicitamente proibido, ainda não estão harmonizadas e ainda falta que as instituições estabeleçam quais são as visões que têm sobre o novo marco legal, e deixem claro qual os caminhos internos que os processos de formação de convênio ou de contratação em regime especial devem percorrer.
Francilene Garcia, secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Paraíba e presidente do Consecti, que representa as secretarias estaduais de CT&I, explica que um dos gargalos é a atualização das constituições estaduais, para que os pontos modificados pelo marco legal sejam postos em prática, por exemplo com relação à isenção de impostos e facilitação de importação para produtos ligados à pesquisa.
Um risco, porém é o de que, em meio às mudanças, as fontes de financiamento para as fundações estaduais de amparo à pesquisa (Faps) deixem de ser garantidas -isso quando existe alguma previsibilidade orçamentária.
A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) não sentiu tanto o baque da crise que afetou o país nos últimos tempos graças à fração reservada do ICMS à entidade pela Constituição Estadual e ao planejamento de longo prazo na utilização dos recursos.
As mudanças podem se dar tanto por decretos quanto por lei ordinária. Uma outra mudança necessária, explica Garcia, que também é professora da UFPB, é a mudança da percepção de que os recursos destinados à ciência sejam gastos -deveriam ser considerados investimento.
O pacote de mudanças do marco legal envolveu uma emenda constitucional (85, em 2015), uma lei (13.243, de 2016) que alterou nove outras e, por fim, a regulamentação (decreto 9.283, de fevereiro 2018).

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