‘Não tenho a opção de desistir’, diz sírio há um mês no Brasil

Jamal raciona a cesta básica, enquanto Mourad reconstrói a vida com receitas da família

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Jamal raciona a cesta básica, enquanto Mourad reconstrói a vida com receitas da família

Após três aulas de Língua Portuguesa, o decorador sírio Jamal, de 57 anos, ainda não se sente à vontade para arriscar uma palavra no novo idioma. Jamal sequer sabia que no Brasil se falava português até desembarcar em Guarulhos, há um mês, com a mulher, a enfermeira Faise, de 50 anos, e os sete filhos. A família ficou perdida no aeroporto por horas até que um taxista os levou a um hotel que cobrou US$500 por uma diária.

O mesmo taxista os devolveu ao aeroporto diante da negativa da família, e Jamal só saiu de lá depois de encontrar, por acaso, com um egípcio que falava árabe. Eles foram parar em um hotel barato no Brás. Em um quarto de dez metros quadrados, os nove passaram metade do seu tempo no Brasil. Atualmente ocupam uma sala, paga com dinheiro de doação. A comida, de cestas básicas que ganharam, é racionada.

“Tem horas que não entender nada do que se fala e não ter como ganhar o pão dá desespero”, afirma.

Ele sustenta um sorriso no rosto, e se diz esperançoso “porque não tem a opção de desistir”. Seu maior desejo é que os filhos voltem a estudar. As duas mais velhas concluíram o ensino médio, embora não tenham documentos para comprovar porque fugiram às pressas, em meio a bombardeios.

“Ainda tenho a chave de casa”, diz, sem saber se o lugar onde morou ainda existe.

Já o contador Khaldon Mourad, de 31 anos, tirou da mistura de castanhas e massa folhada a chance de reconstruir a vida. Quando a guerra estourou, há quase cinco anos, Mourad imaginava que seria resolvida rapidamente. Não foi. Há quase um ano e meio, percebeu que sua sobrevivência e a de sua família dependiam de uma saída drástica.

“Deixei para trás meu escritório, com seis funcionários, minha casa. Passei pelo Líbano e fui para a Jordânia. A única embaixada aberta era a do Brasil. Daqui eu sabia apenas algo sobre futebol”, diz Mourad.

Ele aceitou empregos na indústria têxtil. Durante a Copa, vendeu camisetas do Brasil na rua. Até que se lembrou das receitas de doces e esfihas da família e começou a produzir. Aos poucos, montou uma estreita loja, em Pinheiros. O modesto estabelecimento virou ponto concorrido do bairro. O espaço foi batizado de Damascus. Com o dinheiro dos doces, Mourad custeou a vinda de 17 parentes, entre irmãos, sobrinhos e os pais. Há quatro meses, pôde trazer a noiva e se casar no Brasil. Ele não vislumbra perspectiva de voltar à Síria. Mas constata a realidade sem demonstrar pesar.

“Agora sou brasileiro”, diz.

 

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