Há mais ou menos um mês, entre o vai e vem dos carros que passam pelo cruzamento das avenidas Calógeras e Fernando Correa da Costa, uma nova figura passou a chamar a atenção dos campo-grandenses. De camisa, calça jeans, chapéu, bolsa e livros nas mãos, Paulo Milham partilha o próprio recomeço depois de 14 anos no tráfico de drogas e vende nos semáforos os dois romances que escreveu enquanto estava na prisão.

Paulo é natural de Andirá, cidadezinha do interior do Paraná. Foi lá que ele teve o primeiro contato com a comercialização da droga, aos 20 anos. “Comecei vendendo sete caixas de lança perfumes e lego depois fui pra cocaína. Entrei pro crime através de amigos que cresceram junto comigo, praticamente todos se envolveram com o tráfico, uns mais cedo, outros mais tarde”, conta.

No mesmo ano, Paulo se mudou com o irmão para Piedade, no interior de São Paulo, onde viu que poderia ganhar ainda mais dinheiro com a venda de drogas. “Eu buscava na Bolívia, vinha pro Mato Grosso do Sul, negociava e contratava uma pessoa para levar a cocaína até São Paulo”, explica.

E foi assim, que ele se tornou traficante e montou várias bocas de fumo pela cidade. Até que um dia, em 1996, a casa caiu e Paulo foi preso pela primeira vez. Ficou dois anos e 20 dias na Cadeia Pública de Piedade e mais um ano de liberdade condicional.

Mas não foi desta vez que ele aprendeu a lição, embora tenha perdido todo o dinheiro que ganhou no tráfico pagando honorários de advogado. Em 1999, ele se mudou para Sorocaba e aumentou ainda mais o número de pontos de venda de droga. Até que em 2002, foi preso pela segunda vez.

E foi aí que a história de Paulo começou a tomar novos rumos. Antes de ser preso, ele conheceu Jaqueline, uma moça de Andirá, religiosa e amiga da família dele. Porém, embora ela admitisse um sentimento por Paulo, a resistência com a vida que ele levava falou mais alto. Depois do tráfico, Paulo recomeça vendendo livros que escreveu na prisão

Sofrendo de amor, Paulo escreveu uma poesia em homenagem a Jaqueline enquanto estava na prisão. Os escritos dele fizeram tanto sucesso que outros presos pediam uma cópia para poderem enviar às respectivas amadas.

“E eu gostei daquilo, de ver que o que eu escrevia fazia sentido para as pessoas”, conta Paulo. E esta poesia serviu de inspiração para o primeiro livro que ele escreveu: “Tarde Demais Para Acreditar no Amor”.

Mas durante os dois anos que Paulo ficou preso, ela apenas matutou a história na cabeça, sem passar nada para o papel. Quando saiu de lá, ainda continuou mexendo com o tráfico, mas alimentava o sonho de escrever o livro.

“Na época, eu estava morando em um hotel e comprei um notebook só para poder escrever, mas antes mesmo de começar fui preso de novo”, lembra.

Pela terceira vez na cadeia, Paulo repensou a vida e viu que apesar de ganhar dinheiro “rápido e fácil”, a vida de crime não valia a pena. “Eu ganhei muito dinheiro com o tráfico de drogas, mas cedo ou tarde acabava preso e quando saia, não tinha mais nada, pois gastava tudo com advogados”, ressalta Paulo.

Depois do tráfico, Paulo recomeça vendendo livros que escreveu na prisão
Os dois livros que Paulo publicou

Com pouco recurso, mas decidido a virar escritor, Paulo começou a desenvolver a história em cadernos de brochura, a próprio punho. E em dois anos, ele escreveu quatro livros, dos quais dois foram publicados.

O recomeço

Paulo comemorou a liberdade em 2009. Voltou para Sorocaba, onde trabalhou em uma oficina de funilaria, também como auxiliar de limpeza em uma academia, motorista de caminhão em uma fazenda e auxiliar em uma loja de som e acessório. Assim foi o recomeço longe do crime.

Pouco tempo depois, conseguiu apoio de uma editora e publicou o primeiro livro, aquele romance que ele escreveu para Jaqueline, “Tarde Demais Para Acreditar no Amor”. E logo em seguida, publicou mais um, desta vez um romance erótico. “Amante Virtual” também foi inspirado em uma paixão da vida dele.

Embora a vida estive nos eixos, Paulo ainda tinha o sonho de se dedicar apenas à literatura. E de Sorocaba, ele veio para Campo Grande, atrás de novas oportunidades, que acabaram não dando certo. Hospedado na casa de uma amiga, o dinheiro foi acabando e, sem muita alternativa, ele teve a sacada de tentar vender os livros no semáforo próximo ao Terminal bandeirantes.

“Em 10 minutos, vendi seis livros. Pedi qualquer valor às pessoas e consegui juntar R$ 36”, lembra Paulo.

No outro dia, ele foi para a avenida Afonso Pena, no Centro, arriscar mais algumas vendas. “Em duas horas, vendi 10 livros pelo preço normal, R$ 30. Segui esta estratégia e no final de 10 dias, consegui vender 104 livros”, conta.

Frustração e aprendizado

Para Paulo, a conta era fácil de fechar. “Se em Campo Grande consegui vender tudo isso, imagina o quanto venderia em São Paulo? Não tive dúvidas, peguei um ônibus e fui direto pra Paulista com meus livros debaixo do braço”, diz.

Depois do tráfico, Paulo recomeça vendendo livros que escreveu na prisão
Nas ruas de São Paulo, Paulo e Jorge – de camisa branca -, entre outros amigos

Mas para a frustração de Paulo, em dois dias, ele vendeu apenas dois livros. No terceiro, veio a grande a lição que mais uma vez mudou a vida de Paulo. “Tinho um morador de rua que sempre ficava me observando ali na Paulista, o Jorge. Naquele dia, ele pediu pra ver o meu livro e me perguntou se podia vende-lo pra mim”, conta Paulo.

Autorizado, lá foi Jorge abordar os paulistanos e de cara vendeu um livro, e mais outro, e mais outro. “Aprendi muito com o Jorge. E a primeira lição que ele me deu foi que antes de oferecer o livro, preciso entrar no mundo da pessoa, depois contar a minha história e só então partir para venda”, ressalta.

Os dois firmaram uma amizade que segue até hoje, além da parceria nas vendas. Jorge não mora mais nas ruas e Paulo chegou mais próximo do sonho de viver da literatura.

Nesta semana, Paulo começa a vender seus livros no cruzamento da avenida Afonso Pena com a rua 13 de Maio, em Campo Grande. Enquanto Jorge continua por São Pulo, também empenhado nas vendas.

Quanto ao tráfico de drogas, Paulo confessa que já recebeu propostas tentadoras para serviços rápidos, mas também garante que recusou sem arrependimento. “Não quero mais isso pra minha vida. Não vale a pena, porque se eu fosse preso, arruinaria tudo o que já conquistei na literatura. E hoje o que me move é a escrita, foi ela que me salvou do crime”, pontua Paulo.

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