Como o México se tornou a ‘menina dos olhos’ da indústria automotiva?

País superou Brasil no ranking de produção de carros

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País superou Brasil no ranking de produção de carros

O México tornou-se objeto de desejo da indústria automobilística global. O setor, um dos motores da economia, está passando por um novo boom.

A americana Ford e a japonesa Toyota anunciaram no mês passado a construção de novas plantas no país, totalizando investimentos da ordem de US$ 4 bilhões (R$ 12 bilhões).

Levando-se em conta os últimos dois anos, são mais de US$ 20 bilhões (R$ 60 bilhões) aplicados em novas fábricas ou na expansão das já existentes.

O México, o 4º maior exportador de veículos do mundo, desbancou o Brasil no ano passado e passou a ocupar o 7º lugar no ranking de produção. Em 2014, o país fabricou quatro em cada 100 automóveis do mundo.

E, a este ritmo, estima-se que o México possa chegar à 4ª posição em menos de uma década, logo depois de China, Estados Unidos e Japão. Há seis anos, o país ocupava o 10º lugar.

A subida no ranking se deve ao aumento da produção, em parte explicado pela chegada de novas montadoras ao país. Hoje, oito fabricantes globais de veículos produzem automóveis no México. E o número deve crescer ainda mais, com o lançamento das fábricas, no ano que vem, da sul-coreana Kia e da alemã Audi.

Já em 2017, chega a nipo-americana Infiniti; no ano seguinte, é a vez da alemã Mercedes Benz. Em 2019, a alemã BMW e a japonesa Toyota inauguram suas plantas no país.

O setor, essencial e emblemático para a economia do país, representa cerca de 3% do PIB (Produto Interno Bruto, ou a soma dos bens e serviços) e emprega 1,7 milhões de pessoas, incluindo empregos diretos e indiretos.

Razões para o sucesso
Em primeiro lugar, a localização geográfica do país, às portas do mercado de automóveis dos Estados Unidos ─ o maior do mundo, com boas ligações com o Atlântico e o Pacífico, e com a Ásia, faz do México um ímã para as montadoras.

Segundo, sua vasta rede de acordos de livre comércio, que lhe dão acesso a 45 países, também tornou o país um local atraente para os investidores. O terceiro ponto, consenso entre os representantes da indústria, é o custo.

“Não só é mão de obra barata, mas também pesam a eficiência e a qualidade dos produtos mexicanos”, disse Luis Lozano, analista de indústria automotiva mexicana da consultoria PwC, à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

O apoio a nível estatal vem desempenhando um papel importante nesse sentido. A indústria automobilística “tem sido uma das mais privilegiadas em termos de política pública para aproveitar e promover o seu crescimento e desenvolvimento”, disse Armando Soto, presidente da consultoria Kaso & Associates, à BBC Mundo.

Na opinião de Soto, outro fator importante para compreender o boom do setor é a “estabilidade macroeconômica e financeira” do México.

Indústria premium
Outra surpresa é de que o México conseguiu atrair o interesse de marcas de luxo. Audi, BMW, Infiniti, Lincoln, Mercedes Benz…algumas das montadoras do setor premium decidiram transferir parte da sua produção para o país.

A alemã Audi é uma delas. A montadora está construindo no Estado de Puebla uma fábrica que deve se tornar operacional no ano que vem. Inaugurada a planta, a produção do SUV Q5 deve migrar de sua sede em Ingolstadt, no sul da Alemanha, para o leste do México.

Dali sairão para o mundo, exceto a China, 150 mil unidades do utilitário. Estima-se que cerca de 99% da produção será exportada. “Fomos os primeiros deste segmento a vir para o México porque estamos confiantes de que o país está pronto para dar o próximo passo”, disse à BBC Mundo Javier Valadez, porta-voz da Audi México.

“O México está na vanguarda no aspecto do capital humano”, acrescentou Valadez, “segundo estatísticas oficiais, mais engenheiros se formam aqui do que na Alemanha por ano”.

“Carros lixo”
Mas há um paradoxo no modelo mexicano: ele é essencialmente exportador. Oito em cada dez veículos fabricados no país são vendidos no exterior. Ainda que no primeiro trimestre 3.500 veículos tenham sido vendidos por dia, marca recorde para o país, o mercado interno ainda não “decolou”.

O Canadá, por exemplo, com um terço da população mexicana, vendeu 60% mais veículos no ano passado. Há dez anos, o país não consegue superar a barreira dos 1,2 milhão de veículos novos vendidos anualmente.

E um dos motivos são os chamados “carros chocolate”. Ou “carros lixo”, como descreveu Eduardo Solís, presidente da Associação Mexicana da Indústria Automotiva (AMIA).

“A importação desses automóveis dos Estados Unidos provocou um dano brutal em nosso mercado doméstico. Trata-se de lixo veicular, porque nos Estados Unidos esses carros não têm outro destino senão o ferro-velho, mas acabam sendo vendidos aqui”, disse Solís à BBC Mundo.

Solís se refere aos 7,5 milhões de carros importados dos Estados Unidos nos últimos nove anos que não podem mais circular naquele país por questões ambientais, mas trafegam pelas ruas do México.

Em média, a frota mexicana tem idade média de 16 anos, o dobro da dos Estados Unidos. As importações de usados durante os últimos dez anos representam 75% das vendas de veículos no mercado local.

Por trás disso, dizem especialistas, está a falta de acesso ao crédito, problema enfrentado por milhões de mexicanos. No México, 60% dos carros novos são financiados. No Brasil, por exemplo, esse percentual é maior, de 80%.

Dois terços dos veículos vendidos no mercado local têm preço que varia entre 214 mil e 256 mil pesos (cerca de R$ 43 mil a R$ 52 mil). E esse é o segmento mais acessível.

“Se você considerar o poder de compra da maioria da população, mais de 50% dos mexicanos dificilmente podem adquirir um veículo zero quilômetro se não recorrerem a um financiamento”, explica Soto.

“Mas aí vem outro problema: há muitos trabalhadores na informalidade e essa força de trabalho não pode acessar o mercado financeiro”. A japonesa Nissan parece ter uma resposta para esse problema.

A subsidiária mexicana, que detém 25% do mercado, foi reconhecida pela matriz no ano passado como a de melhor faturamento a nível mundial. Uma das explicações, argumentou à BBC Mundo Herman Morfin, porta-voz da Nissan, é que “estamos oferecendo financiamento a um segmento da população a que os bancos e outras empresas não oferecem, ou seja, estamos falando de pessoas que não têm como comprovar renda”.

Futuro
Olhando para o futuro, os desafios são muitos. “O México tem de chegar em 2020 com uma infraestrutura que lhe permita que, tal como atualmente, tenhamos a facilidade de movimento de peças, componentes, veículos terminados tanto nos portos de entrada quanto no território nacional”, disse Solis.

“Estamos falando de portos, estradas e, claro, ferrovias”, acrescentou. O México espera produzir 6 milhões de veículos em 2022, desbancando a Alemanha do quarto lugar mundial. Mas especialistas dizem que para isso não bastará apenas uma forte demanda global.

“Um grande desafio é o crescimento do mercado interno. É preciso chegar a 1,5 milhão de unidades vendidas nos próximos cinco anos”, afirmou Soto. “Se esse plano fracassar”, acrescentou o analista, “será difícil que o nível de investimento aumente e o potencial de crescimento se amplie”, concluiu.

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