A recusa por parte de canais abertos não significa o fim das séries que você gosta

Por anos, a comédia Community respirou por aparelhos. Sua baixa audiência, somada ao gênio forte do criador Dan Harmon, anunciavam cancelamento muito antes do canal aberto NBC (dos EUA) finalizá-la de fato, em maio do ano passado. Em cinco temporadas, a série acompanhou um grupo multiétnico de amigos lidando com uma faculdade pouco qualificada. Ousados, os episódios abusavam cuidadosamente de paródias, sátiras, pastiches e piadas autorreferenciais. (Falando em autorreferencial, não desista do texto se o seriado não interessa a você — a premissa principal, do quarto parágrafo em diante, vale a pena.) 

Harmon até chegou a ser demitido da emissora – o Pigmaleão trancado para fora de sua Galatea. A série prosseguiu por uma temporada sem ele, até que uma reconsideração humilde da NBC o recontratou para o quinto e último ano do programa. Quando o cancelamento se confirmou, a contraditória sensação de surpresa previsível tomou conta dos fãs, notoriamente reconhecidos como uma meia dúzia bastante devota. O funeral digital chegou a durar quase dois meses, mas Community esteve de fato enterrada.

E então veio o milagre. Como em A Vida de Brian, do Monty Python, em que o protagonista, caindo de uma torre, é salvo por extraterrestres absolutamente desconexos do enredo, Communitytambém acabou resgatada por um alienígena. Nas mãos do Yahoo! – esse mesmo –, a série foi renovada por mais uma temporada, passando a ser transmitida na internet por meio do serviço destreaming Yahoo Screen. Em maio, os personagens da faculdade Greendale retornaram.

A ressurreição não é inédita. Arrested Development, outra comédia cultuada, foi cancelado pela Fox e restaurado anos depois pelo Netflix. O mesmo aconteceu com Unbreakable Kimmy Schmidt. A série de Tina Fey protagonizada por Ellie Kemper foi recusada pela NBC e bancada, em março deste ano, pelo mesmo serviço de streaming, que já anunciou sua segunda temporada. Mas a onda de seriados mortos-vivos chama atenção, agora, pelo envolvimento do Yahoo, que até então só havia investido em uma série própria, a comédia Burning Love, em 2012. Além de Community, mais dois seriados foram produzidos e disponibilizados nas últimas semanas, as também comédias Sin City Saints e Other Space.

Filão

A transição do televisor para o streaming representa uma interessante possibilidade de mudança para a indústria audiovisual. AOL, Amazon, Hulu e até a Playstation já estão de olho no filão e devem seguir o que fez a Yahoo! com Community. Ok, a esse ponto você sabe que milhões de pessoas ganham dinheiro com vídeos caseiros, mas uma coisa é seu primo engraçado conseguir visualizações lucrativas no YouTube, outra é um investimento milionário consolidado em uma emissora profissionalizada se transferir para um serviço ainda não especializado na internet.

Ao deixar a tevê aberta, Community pode alargar seus episódios de 23 para 30 minutos – não há intervalos, afinal. Disponibilizada online, deixou de depender das mudanças de programação. Também abandonou eventuais preocupações com censura. Mais importante, talvez, seja a dilatação de limites entre possíveis produtoras: se o Yahoo entrou nessa, por que não qualquer empresa com visibilidade na grande rede? Não significa que toda e qualquer série migrará para a internet. Só é ótimo ter essa opção.