Moléculas de água provocam mudanças recorrentes na circulação atmosférica

A cada 20 a 30 anos, enormes tempestades tomam a atmosfera de Saturno, formando um cinturão de nuvens que chega a dar a volta no planeta. Iluminadas por milhares de relâmpagos, as frentes destes sistemas – apelidadas de “grandes manchas brancas”, em referência à Grande Mancha Vermelha de Júpiter – podem ter o tamanho da Terra, e nos últimos 140 anos de observações com telescópios, os astrônomos contabilizaram seis delas. Quando a última destas supertempestades emergiu em dezembro de 2010, no entanto, a sonda Cassini, em órbita de Saturno desde 2004, estava lá para registrar o processo de perto, e agora uma dupla de cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) acredita ter encontrado a explicação para sua misteriosa recorrência.

Partindo da observação de que as tempestades de Saturno geralmente têm início quando o Hemisfério Norte do planeta encontra-se mais inclinado na direção do Sol, Andrew Ingersoll, professor de Ciências Planetárias no Caltech, e seu aluno Cheng Li simularam sua formação e descobriram que o “peso” das moléculas de água têm um importante papel nesta dinâmica. Segundo eles, como a água é mais “pesada” que o hidrogênio e hélio que compõem a maior parte da atmosfera de Saturno, ao “chover” estas frentes deixam o ar no interior das nuvens menos denso do que a atmosfera abaixo delas, temporariamente interrompendo o movimento de convecção, em que o ar quente e úmido sobe, empurrando para baixo o ar mais frio e denso acima dele.

– Durante décadas após uma destas tempestades, o ar quente nas profundezas da atmosfera de Saturno fica muito úmido, e muito denso, para subir, e o ar acima dele tem que esfriar antes que sua densidade fique maior que a do ar abaixo – conta Li. – Este processo de resfriamento leva cerca de 30 anos, e aí temos uma nova tempestade.

No estudo, publicado na edição desta semana da revista “Nature Geoscience”, os pesquisadores também propõem que a ausência de sistemas de tempestades únicos com estas dimensões em Júpiter pode ser explicada pela proporção menor de vapor d’água na atmosfera deste planeta quando comparada com a de Saturno. Segundo os cientistas, numa atmosfera comporta basicamente de hidrogênio e hélio, o ar saturado, isto é, com o máximo de umidade que pode carregar a uma determinada temperatura, atinge uma densidade mínima à medida que esfria, ou seja, primeiro fica menos denso com a precipitação da água e depois mais denso ao resfriar ainda mais.

– Atingir este mínimo é a chave para interromper a convecção, mas é preciso ter vapor d’água suficiente para que isto aconteça – resume Li.

De fato, observações com telescópios em terra e no espaço, além de dados de sondas espaciais com a Cassini, indicam que o interior da atmosfera de Saturno é mais úmido do que o de Júpiter e é por isso que ele, o maior planeta do Sistema Solar, apresenta tempestades menores, mas mais contantes, que o gigante gasoso dos anéis.

– Estudos anteriores usando espectroscopia mostraram que o interior de Saturno é enriquecido com metano e outros compostos voláteis, duas ou três vezes mais do que em Júpiter – lembra Ingersoll. – A partir disso, é fácil esperar que Saturno também seja rico em oxigênio, outro composto volátil que compõe boa parte de toda molécula de H2O.

Ainda de acordo com os pesquisadores, medir a proporção destes compostos voláteis (elementos ou substâncias químicas que mudam do estado sólido para o líquido ou gasoso a temperaturas relativamente baixas) na atmosfera de Saturno e Júpiter pode fornecer mais pistas sobre a formação dos dois planetas gigantes gasosos do Sistema Solar, que se acredita terem surgido antes de todos os outros, e as próprias origens de nosso sistema planetário.