O contrato milionário do Consórcio Guaicurus segue preservado em Campo Grande. Isso porque adiaram novamente o julgamento do processo que pode anular a concessão milionária das empresas de ônibus. Falta justificada de um dos desembargadores adiou a sessão de julgamento prevista para esta quinta-feira (4).

Pedido de vista da desembargadora Jaceguara Dantas da Silva causou o adiamento do julgamento em 20 de junho. Assim, a matéria teria andamento na sessão desta quinta-feira (4).

Contudo, houve novo adiamento após falta do desembargador Vilson Bertelli. Portanto, o julgamento pode acontecer na próxima sessão, datada para 18 de julho.

Contrato mantido

Na sessão de 20 de junho, o relator, desembargador Alexandre Raslan, negou os recursos e manteve a sentença que não anulou o contrato das empresas de transporte coletivo.

Em 17 de julho de 2023, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa julgou improcedente os pedidos do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) contra o Consórcio Guaicurus.

O processo em segundo grau corre na 5ª Câmara Cível de Campo Grande. A 30ª Promotoria da Comarca de Campo Grande colocou em xeque o contrato bilionário do Consórcio Guaicurus. A ação civil pública aponta indícios claros de corrupção e incapacidade das empresas de ônibus em prestar um serviço condizente com o contrato.

‘Consórcio não satisfaz a população’

Então, o promotor Fábio Ianni Goldfinger apontou cenário ‘nitidamente caótico’. Assim, destacou que, mesmo vencedor do processo licitatório de 2012, o Consórcio ainda “não conseguiu satisfazer a população”.

Além disso, afirmou que o processo licitatório tem indícios de corrupção desde antes do lançamento oficial.

“O Consórcio Guaicurus apenas sagrou-se vencedor da Concorrência nº 082/2012 pois sua vitória já tinha sido previamente ajustada (ou comprada, visto que efetuou pagamentos ao escritório de Sacha Reck e Guilherme Gonçalves para que estes, em contato com o Município de Campo Grande, providenciasse seu êxito na licitação fraudulenta)”, apontou na manifestação do MPMS.

Durante defesa da anulação do contrato, o promotor ainda destacou “diversos problemas de atrasos e fazendo com que os cidadãos tenham que se socorrer de carros particulares para conseguirem chegar aos seus destinos”. Conforme a licitação, o Consórcio deve faturar cerca de R$ 3,4 bilhões durante os 20 anos firmados no contrato.

MPMS dispensou depoimento de delator e defesa do Consórcio comemorou

Ainda na fase de audiência, o MPMS dispensou depoimento do delator que deu informações cruciais para que o processo fosse instaurado, o advogado Sacha Breckenfeld Reck.

Apesar de, no Distrito Federal, o advogado ser condenado por fraude no processo de concessão do transporte público, por aqui, o delator de esquema que implica o contrato firmado na gestão de Nelsinho Trad (PSD) foi dispensado como testemunha de acusação.

Considerado peça-chave para ‘entregar’ esquema de direcionamento da licitação, a atitude do MPMS causou estranheza. Então, a defesa do Consórcio Guaicurus comemorou, pois encarou a dispensa como um obstáculo a menos para ganhar a causa.

Por que Sacha Reck é peça-chave?

Advogado Sacha Reck, delator de esquema de fraudes em licitações de transporte coletivo em vários estados do país (Reprodução)

Em delação premiada firmada com o MPPR, o advogado que assessorou empresários do ônibus revelou como a licitação teria sido direcionada para o Consórcio Guaicurus. Foi a partir daí que o MPF (Ministério Público Federal) comunicou ao MPMS sobre o conteúdo da delação. Então, iniciaram os procedimentos para ingressar com a ação.

Aos promotores do Paraná, Reck revelou que houve exigência que partiu da então gestão municipal de Campo Grande para que mais de uma empresa participasse do certame. A missão ficou a cargo do advogado, que revelou ter intermediado para que uma empresa do Paraná participasse como ‘figurante’.

Delator indica que exigência em edital partiu da prefeitura de Campo Grande

Na delação, que foi o estopim para a ação que pode anular o contrato com o Consórcio Guaicurus em Campo Grande, Sacha Reck indica que a exigência para incluir uma segunda empresa ‘figurante’ no certame partiu da prefeitura de Campo Grande.

“Surgiu a situação que nos foi passada de que a prefeitura queria que tivessem duas empresas, no mínimo. Não sei quem da prefeitura, mas que não dava para ser só o Consórcio participando da licitação”.

O advogado afirma, ainda, que teria avisado que “isso dá problema”.

Apesar de não identificar de quem partiu a ordem para incluir uma segunda empresa para dar impressão de que o edital estaria sendo realizado sem irregularidades, Sacha diz: “Não, sei, veio a determinação que tinha que ser, se era o prefeito [Nelsinho Trad], não sei… pedido totalmente despropositado e sem lógica, mas cabeça de político, os caras têm na cabeça deles que um consórcio só é monopólio e três não, depende, pensam que participar três empresas, quatro ou cinco é atestado de regularidade e não é isso”, complementa.

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Ônibus coletivos em Campo Grande (Henrique Arakaki, Arquivo Midiamax)

Irregularidades apontadas pelo MPMS na concessão do transporte

No processo, o MPMS elencou uma série de irregularidades identificadas durante a investigação e que, na visão da 30ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, são suficientes para anulação do contrato.

  • apresentação de garantia de proposta das empresas concorrentes antes da sessão pública de abertura dos envelopes com as propostas;
  • determinação do município de que empresa vencedora pagasse R$ 5,5 milhões ao município em 180 dias;
  • ausência de justificativa técnica da empresa vencedora sobre exigências de frota e serviço;
  • modelo da licitação no formato melhor técnica e preço que reduziu a competitividade do certame;
  • ausência de parecer técnico que justificasse a composição do valor da outorga estabelecido em 70% “técnica” e 30% “preço”;
  • irregularidade do município em cobrar R$ 3 mil das empresas concorrentes para retirar cópia de documentação física referente ao edital de concorrência.

Todas as irregularidades apresentadas pelo MPMS são, ao longo dos anos, rebatidas tanto pela prefeitura de Campo Grande quanto pelo Consórcio Guaicurus. Atualmente, o processo possui 17,1 mil páginas.

“Após a audiência, o MP terá o prazo de 30 dias para apresentar as alegações finais, assim como as outras partes, para, em seguida, ser proferida a sentença”, afirmou o Ministério. A assessoria do juiz que conduziu as oitivas afirmou que o processo segue para alegações finais. 

Firmado em 2012

O processo licitatório se encerrou em outubro de 2012 com a declaração das empresas Viação Cidade Morena, São Francisco, Jaguar Transportes Urbanos e Viação Campo Grande — que formaram o Consórcio Guaicurus — como vencedoras. O grupo apresentou proposta de R$ 20 milhões. O encerramento da licitação se deu pouco mais de dois meses antes do fim do mandato de Nelsinho Trad, atual senador, como prefeito de Campo Grande. Justamente uma das testemunhas do Consórcio, que deu ao grupo de empresas o direito de faturar até R$ 3,4 bilhões explorando o transporte da cidade durante 20 anos.

O contrato da concessão, assinado em 25 de outubro de 2012, tem como partes o então prefeito Nelson Trad, o diretor da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Rudel Trindade, o então diretor da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos), Marcelo Luiz Bonfim do Amaral, e Nelson Guenshi Asato, empresário representante das quatro empresas de transporte que formam o Consórcio.

A ação civil pública apresentada pelo MP tem como réu apenas a figura jurídica da prefeitura de Campo Grande, ou seja, mesmo prefeito à época, o então prefeito Nelson Trad Filho escapou de ser réu.