ONG indígena de MS recebeu R$ 872 milhões durante governo Bolsonaro
Entidade atua em todo o território nacional, inclusive com yanomamis, assolados por casos de desnutrição
Mariane Chianezi –
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Dados do Portal da Transparência do Governo Federal mostram que nos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL), a ONG Caiuá, sediada em Dourados, a 225 km de Campo Grande, recebeu R$ 872 milhões em repasses.
Reportagem publicada pelo Jornal O Globo mostra que nos quatro anos de governo de Bolsonaro, o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena teve orçamento de R$ 6,1 bilhões e mais de R$ 5,4 bilhões gastos. Ou seja, 88% do fundo foi utilizado, de fato.
Os números elevados do que seriam os fundos destinados à saúde indígena chamaram atenção diante da tragédia humanitária vivida pelo povo Yanomami, que segundo o MPF (Ministério Público Federal), é fruto da omissão do Estado em asseguração a proteção dos indígenas.
Conforme constam nas informações obtidas no portal, a organização sediada em Mato Grosso do Sul, que leva no nome estar “a serviço do índio para a glória de Deus”, recebeu, somente em 2022, R$ 213.323.994 em repasses. Somente R$ 54 milhões foram transferidos em dezembro, último mês do governo do ex-presidente.
Os valores repassados para a ONG Caiuá seriam quase o dobro da segunda organização que mais recebeu repasses do Governo Federal, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo, com R$ 462 milhões.
De acordo com o divulgado, a organização não apenas realiza trabalho em MS, como também em outros estados. O presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, explicou ao O Globo que a ONG Caiuá faz apenas a contratação de funcionários, como médicos e enfermeiros, mas que a organização não tem entrado nas terras indígenas nos últimos quatro anos. A reportagem pontua que os salários foram pagos, mas sem a execução correta do serviço.
Os repasses para as terras yanomamis, segundo o Portal da Transparência, mostram que em 2022 o orçamento era de R$ 59 milhões, sendo R$ 51 milhões executados. O presidente da associação explicou que a maior parte desses recursos foi utilizado “para a contratação de empresas de transporte aéreo, como aviões e helicópteros, que levam médicos e funcionários à região”. Fonte da Funai ouvida pelo O Globo afirmou que muitos deles têm como donos os próprios garimpeiros que passaram a diversificar os seus negócios.
Em entrevista ao jornal O Globo, o advogado da ONG afirmou que o papel da organização é apenas contratar funcionários da área da saúde e que nem todo valor chega até a entidade, que há contingências. Ele ainda explicou que houve ‘falha na gestão do governo federal’, que não conseguiu levar médicos e enfermeiros até as aldeias necessitadas. O Jornal Midiamax procurou a ONG Caiuá, questionando sobre os trabalhos desempenhados e aguarda retorno.
MPF vê ‘tragédia humanitária’ com yanomamis
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (Ministério Público Federal) aponta que a “grave situação” de saúde e segurança alimentar vivida pelo povo Yanomami é resultado da omissão do Estado em assegurar a proteção da terra indígena, tendo o governo Jair Bolsonaro adotado “providências limitadas” sobre o tema. Em nota pública, a Procuradoria alerta para “verdadeira tragédia humanitária” e possível caracterização de genocídio, inclusive com eventual responsabilização internacional do Estado.
As ponderações do MPF foram divulgadas nesta segunda-feira (23), mesmo dia em que o ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino determinou à Polícia Federal que abra uma investigação sobre possíveis crimes de genocídio, omissão de socorro e crime ambiental. Ao fundamentar o pedido de instauração do inquérito, Dino citou “incentivo político a garimpos ilegais em terras indígenas, abandono no que tange ao oferecimento de ações e serviços de saúde, e ausência de estratégias para garantia da segurança alimentar aos Yanomami”.
O ofício à PF fala em “cenário de possível desmonte intencional contra os indígenas Yanomami ou genocídio”. “Os reiterados pedidos de ajuda contra a violência decorrente do garimpo ilegal, bem como a ausência de efetivas ações e serviços de saúde à disposição dos Yanomami frisam possível intenção de causar lesão grave à integridade ou mesmo provocar a extinção do referido grupo originário”, ressaltou Dino determinar a abertura das apurações sobre a crise na terra indígena Yanomami.
A Procuradoria destacou ações adotadas em meio ao governo Jair Bolsonaro para cobrar providências do Estado ante a expansão do garimpo ilegal e a precariedade dos serviços de saúde prestados ao povo Yanomami. O órgão citou processos movidos, em primeiro grau e na esfera cível, para garantir a instalação de Bases de Proteção Etnoambiental em pontos estratégicos da terra indígena e para elaboração de um plano emergencial de combate a crimes ambientais e retirada de invasores em meio à pandemia da covid-19.
Em novembro, o MPF oficiou o governo de transição informando sobre o “cenário calamitoso” na terra indígena Yanomami, que “configuraria verdadeira tragédia humanitária e indicaria um processo em curso que, caso não imediatamente freado, poderá caracterizar hipótese de genocídio, inclusive passível, em tese, de responsabilização internacional do Estado”.
No mesmo mês, a Polícia Federal e a Procuradoria da República em Roraima chegaram a deflagrar uma operação contra esquema de desvio de medicamentos do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami. Os investigadores suspeitavam que apenas 30% dos mais de 90 tipos de remédios contratados pelos indígenas teriam sido devidamente entregues, deixando crianças desassistidas – somente com relação ao tratamento de verminoses, o desvio teria impactado o tratamento de 10 mil crianças.
Considerando os danos causados pelo garimpo na terra indígena Yanomami, a Procuradoria ainda chamou atenção para a tramitação do projeto de lei que objetiva legalizar a exploração mineral e de recursos hídricos nas terras indígenas. O Ministério Público Federal já apontou a inconstitucionalidade do texto. Segundo a Hutukara Associação Yanomami, houve um crescimento “alarmante” do número de garimpeiros na terra indígena, estimado em mais de 20 mil.
*Com Agência Estado
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