Investigação quer saber por que Mamed Rahim vendeu empreiteira milionária ‘por mixaria’
Empresa foi vendida por valor 39 vezes menor que o de contratos vigentes com a Prefeitura de Campo Grande
Renata Portela, Evelin Cáceres –
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O empreiteiro Mamed Dib Rahim vendeu a Engenex Construções e Serviços por R$ 950 mil para Edcarlos Jesus da Silva e Paulo Henrique da Silva Maciel. O negócio chama a atenção nas investigações da Operação Cascalhos de Areia porque, somente com a Prefeitura de Campo Grande, a empreiteira tem mais de R$ 37 milhões em contratos.
O flagrante está documentado na Junta Comercial de Mato Grosso do Sul e serve de exemplo para a expressão ‘matar a galinha dos ovos de ouro’.
Por isso, pode ajudar os investigadores a desvendar a rede de laranjas supostamente montada para desviar dinheiro de obras públicas escolhidas porque são difíceis de conferir, como cascalhamento de vias não pavimentadas ou aluguel de equipamentos.
Assim, segundo denúncias que levaram até a Operação Cascalhos de Areia, os três empresários seriam, na verdade, ‘laranjas’ dos verdadeiros donos ou operadores do esquema de corrupção. Todos foram alvos de mandados de busca e apreensão no dia 15 de junho. A empresa Engenex também foi alvo.
Em abril de 2021, a Engenex Construções e Serviços deixou de ser Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, para se tornar uma Sociedade Limitada. Isso, porque Mamed a vendeu para Edcarlos e Paulo Henrique, segundo documentos obtidos pelo Jornal Midiamax na Junta Comercial.
Apesar dos contratos milionários, que desde o início em 2018 superavam os R$ 5 milhões, a Engenex constava no papel como Empresa de Pequeno Porte. Ou seja, empresa que teria faturamento bruto anual de até R$ 3,6 milhões.
No entanto, em abril de 2021, Edcarlos Jesus e Paulo Henrique passaram a ser os sócios da empresa, com a transferência de 950 mil cotas. Edcarlos passou a ser responsável por 855 mil cotas, enquanto Paulo Henrique teria 95 mil cotas.
Contratos milionários
Em 2018, enquanto era de Mamed Rahim, a Engenex ganhou dois contratos com a Prefeitura de Campo Grande na gestão de Marquinhos Trad (PSD).
O primeiro contrato da Engenex, hoje com valor de R$ 14.542.150,59, tem Ariel Dittmar Raghiant atuando como ‘responsável técnico’, na região do Imbirussu, bem como no segundo contrato, com valor de R$ 22.631.181,87, na região do Lagoa. Ambos têm como objetivo a conservação das vias.
Ainda conforme o Portal da Transparência da Prefeitura de Campo Grande, os contratos foram assinados pelo então secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos, Rudi Fiorese.
Rudi, que atualmente atua na Secretaria de Obras do Governo de Mato Grosso do Sul, justamente lidando com contratos de obras públicas, também teve o celular apreendido na operação.
MDR Distribuidora e Serviços
Além a Engenex, agora de outros sócios, Mamed consta como proprietário da M D Rahim, ou MDR Distribuidora e Serviços. A empresa era do pai de Mamed, em sociedade com o irmão da esposa de Mamed, Fabíola Marquetti Sanches Rahim.
Segundo informações da Receita Federal, Mamed chegou a manter um lava-jato que depois transformou em uma garagem de veículos em Campo Grande. Na época, teve como sócios a esposa, Fabíola Marquetti Sanches Rahim e outras duas empresárias. O CNPJ foi extinto por encerramento com liquidação voluntária em 2008.
De lá para cá, Fabíola Marquetti abandonou o empreendedorismo e entrou na carreira pública. Ela atuou como procuradora do Governo de Mato Grosso do Sul durante a gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB).
Na atual gestão, de Eduardo Riedel (PSDB), a procuradora é corregedora-geral da PGE (Procuradoria-Geral do Estado), após ter deixado a PGE no fim do governo anterior para disputar a lista sêxtupla do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), em 2022.
Os laços entre as famílias de Mamed e de Ariel não param nos CNPJs e nas operações em que acabaram implicados juntos. Tramita na 15ª Vara Cível de Campo Grande um processo da MDR, contra uma construtora. Na ação, uma irmã de Ariel Dittmar Raghiant, que é advogada, atua na defesa da empresa.
Operação Penúria: suspeita de cesta básica superfaturada na pandemia
Não é a primeira vez que um CNPJ ligado a Mamed Dib Rahim acaba implicado em investigações por suspeita de corrupção.
Assim como a Engenex, a MDR também já foi alvo de investigação e operação do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
Na época, a denúncia de superfaturamento das cestas básicas levou a empresa de Mamed a ser investigada. Foi investigado suposto esquema de superfaturamento de R$ 2,3 milhões na venda de cesta básica durante a pandemia da covid-19 para o Governo do Estado.
Superfaturamento de kits escolares
Edcarlos Jesus da Silva também configura como proprietário da MS Brasil Comércio e Serviços Ltda. Em 2020, ele foi denunciado com a empresa, por suspeita de superfaturamento em contrato com a Prefeitura de Paranhos.
Na ação civil pública movida pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), foi apontado que os vereadores da cidade, em 2018, perceberam a suposta fraude. As licitações diziam respeito a compra de livros e kits escolares.
Assim, Edcarlos foi contratado para entregar kits escolares com materiais como lápis de cor, giz de cera, cola, entre outros. No entanto, foram identificados produtos com valores 15% e até 51% acima do valor de mercado.
Na ação consta denúncia de prejuízo superior a R$ 100 mil ao município. Edcarlos foi denunciado por enriquecimento ilícito, dos crimes de improbidade administrativa, bem como a empresa.
Ainda não há decisão sobre o recebimento da ação. Atualmente, a MS Brasil Comércio e Serviços tem três contratos com a Prefeitura de Campo Grande. O primeiro foi firmado em 2017, também na gestão de Marquinhos Trad.
Esse contrato segue em vigor e trata da contratação de serviço para locação de máquinas pesadas, caminhões, veículos leves e equipamentos. Atualmente, o valor total é de R$ 108.079.795,25.
Outros dois contratos para locação de máquinas foram feitos com a empresa em fevereiro e junho de 2022. Ambos têm valor semelhante, de R$ 4.649.039,52. Todos os contratos foram feitos por meio da Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos).
O Midiamax consultou dados do Portal da Transparência do Governo do Estado e verificou que os primeiros contratos com a M D Rahim foram assinados em 2017. Naquele ano, a empresa levou R$ 1.467.060,65.
Já em 2018 foi firmado contrato com a Sedhast (Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho), para aquisição de cestas básicas, para atender a população indígena do Estado de Mato Grosso do Sul.
O mesmo contrato foi renovado e segue vigente até este ano de 2023. Desde então, são mais de R$ 59 milhões em contratos com a M D Rahim Comércio e Serviços. Há outros clientes públicos em Mato Grosso do Sul. Em 2019, a empresa também firmou contrato com a Prefeitura de Ponta Porã.
Na época, o contrato foi assinado pelo então prefeito e Mamed Dib Rahim. O contrato para aquisição de 3 mil cestas básicas foi feito em valor total de R$ 314.850,00, com valor unitário de R$ 104,95.
O Midiamax esteve nos endereços de Edcarlos e Paulo Henrique, imóveis na Vila Santo Eugênio e Vila Sobrinho, mas não encontrou os empresários. Também tentou contato com a defesa de Mamed, mas não obteve resposta até o momento. O espaço segue aberto para manifestação.
Laranjas de Patrola
A primeira fase da Operação Cascalhos de Areia já reuniu indícios que apontam para suposta rede de empreiteiras nas mãos de laranjas e supostamente usadas por uma quadrilha para desviar dinheiro da Prefeitura de Campo Grande, com contratos firmados durante a gestão de Marquinhos Trad (PSD).
Os indícios colocam André Luis dos Santos, o Patrola, no foco da investigação. Ele é apontado como verdadeiro operador das empresas investigadas. Além disso, segundo denúncia anônima que deu início às apurações, supostamente seria sócio do ex-prefeito Marquinhos Trad (PSD) no ‘esquema’.
O político do PSD nega.
No entanto, as informações apuradas mostram que o empreiteiro teria acesso facilitado pela administração municipal a licitações, e usaria a rede de empreiteiras nas mãos de laranjas para desviar milhões dos cofres municipais com obras que nunca teriam sido realizadas e seriam difíceis de ‘conferir’.
Os contratos visados pela suposta quadrilha são de cascalhamento em vias não pavimentadas e de aluguel de máquinas. Não é a primeira vez que o setor de construção civil de Campo Grande se torna pivô de escândalo de corrupção, como no caso da Operação Lama Asfáltica.
Empreiteiras de Campo Grande: ‘dança de laranjas’ e farra
Segundo fontes ouvidas pelo Jornal Midiamax, André Luis dos Santos seria o operador do esquema de ‘laranjas’ para comprar as empresas e, assim, vencer todas as licitações de cascalhamento na Capital, em possível conluio com o então prefeito de Campo Grande, Marcos Marcelo Trad.
André, inclusive, teria ganhado o apelido de ‘Patrola’ justamente por usar basicamente uma patrola para ‘disfarçar’ os serviços contratados na hora da medição, que é sempre realizada por um fiscal do órgão público.
Porém, segundo fontes ligadas aos órgãos de controle externo que acompanham os contratos, há elementos colhidos na busca e apreensão que já devem comprovar a suspeita e implicar o ex-prefeito no esquema de corrupção.
A suspeita da investigação se deu a partir de indícios que comprovariam a transição dos contratos entre empreiteiros, para pessoas que não são do ramo, sempre a preços muito baixos.
Patrola e Marquinhos teriam revoltado servidores
De acordo com a denúncia, Patrola venceria licitações de cascalhamento de vias não asfaltadas, “para evitar fiscalização na execução dos trabalhos”, já que seria mais difícil de medir o serviço que sequer havia sido realizado.
A denúncia aponta ainda que o fiscal apenas tirava uma foto de uma única pá carregadeira no local, como ‘prova’ da medição do serviço. Com o dinheiro das licitações vencidas por Patrola, Marquinhos compraria imóveis, que seriam gerenciados pela esposa do empreiteiro, em Campo Grande.
O servidor aponta na denúncia que esquema semelhante é realizado em Corumbá, na licitação de maquinários alugados e limpeza de ruas, e o valor da licitação ganha foi utilizado para a compra de uma fazenda em Corguinho.
Por fim, o servidor desabafa. “Estamos cansados de nos submeter a esse sujeito na Prefeitura Municipal, pois nos obrigam a fraudar licitação, já que a ordem vem de cima”.
A partir dessa investigação, os promotores Adriano Lobo e Humberto Lapa Ferri, da 29ª e 31ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de Campo Grande, começaram a analisar os contratos de aluguel de maquinários e cascalhamento na Prefeitura, que culminou na operação deflagrada.
Acionado pela reportagem, Marquinhos Trad afirmou não ter nenhum tipo de negócio com André Luís dos Santos, o Patrola, mas admitiu que o conhece ‘como amigo’.
Marquinhos: ‘denúncia fala da execução, não da licitação’
Marquinhos Trad foi novamente procurado pela reportagem do Jornal Midiamax nesta terça-feira (20) para comentar se conhece Mamed e as movimentações suspeitas no quadro societário de empreiteiras que contratou quando era prefeito de Campo Grande.
As ligações, todas documentadas, não foram atendidas. O Jornal mantém espaço aberto para todos os citados.
Anteriormente, questionado se acompanhava a execução dos contratos de cascalhamento em bairros sem asfalto enquanto prefeito, Marquinhos desacreditou a denúncia e citou contratos do Governo de MS.
“Tudo pregão eletrônico. Não existe. Se você ler de fato a denúncia anônima de 8 linhas eles falam da execução, não da licitação. Além disso, faz o levantamento dos valores de contrato que ele tem ou teve durante meus 5 anos e o que ele tem no Governo do Estado. Por que vocês não fazem isso?”, desconversou Trad.
No entanto, ao contrário do que afirmou o ex-prefeito, o Jornal Midiamax divulga continuadamente informações sobre contratos públicos em Mato Grosso do Sul. O Jornal é pioneiro na cobertura profissional de atos oficiais e é um dos primeiros jornais brasileiros a criar uma editoria específica para o tema: Transparência.
Km de estradas é mais caro no Pantanal para empreiteira de Patrola
Assim, desde o primeiro dia da operação, o Jornal registra que, além dos R$ 24.705.391,35 em contratos com a administração municipal para serviços de cascalhamento na região do Prosa, Patrola mantém atualmente R$ 195,8 milhões em obras públicas na região do Pantanal.
A reportagem apontou inclusive que os valores pagos a outros fornecedores por quilômetro quadrado no interior do Estado são menores. Há menos de dois anos, um empreiteiro recebeu R$ 27,2 milhões para cascalhar 59,2 quilômetros de uma rodovia pantaneira.
Ou seja, a empresa fechou a licitação por R$ 459,6 mil o quilômetro de cascalhamento. Já a ALS Construtora recebeu da Agesul R$ 1,3 milhão por quilômetro, R$ 922,4 mil a mais por quilômetro de cascalho que o outro empreiteiro, para realizar exatamente o mesmo serviço em trecho semelhante da mesma rodovia.
Empreiteiro dos políticos
Segundo fontes que acompanham a atuação de órgãos de controle externo e combate à corrupção em Mato Grosso do Sul, ‘Patrola’ seria uma espécie de ‘coringa’ para políticos regionais.
Desta forma, as suspeitas são de que juntos implementariam supostos esquemas de desvio de verbas públicas em contratos de obras públicas com difícil aferição.
Como seria considerado ‘de confiança’, o empreiteiro assumiria a parte arriscada de colocar o CPF e o CNPJ à disposição, contando com mais aliados como ‘laranjas’.
Em troca, supostamente manteria verdadeiro propinoduto em Mato Grosso do Sul com devolução de parte dos lucros inflados para os ‘companheiros’.
Portanto, contratos estrategicamente visados por esquemas de corrupção, como locação de equipamentos, obras mais facilmente ‘disfarçáveis’, como cascalhamentos, manutenção de vias não pavimentadas, seriam os prediletos do esquema.
Com o avanço do sistema, supostamente para diversas prefeituras e órgãos públicos, ‘Patrola’ teria se tornado o “empreiteiro dos políticos”. No entanto, o estilo descuidado e fanfarrão do empresário teria colocado todos na mira de denúncias.
Há relatos de festanças regadas a churrascadas e outros tipos de prazeres que teriam se tornado verdadeiro palco para exposição de esquemas com detalhamento de como funcionariam e quem beneficiariam. Tudo sempre, segundo as testemunhas, intercalado com muita bravata.
André Luiz foi procurado pela reportagem do Jornal Midiamax em três ocasiões e não atendeu às ligações até a publicação da matéria. Todos os contatos foram devidamente documentados e o espaço segue aberto para manifestação.
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