MPMS confirma corrupção desde a licitação e volta a pedir fim do contrato do ônibus em Campo Grande

Segundo promotor, escolha do Consórcio Guaicurus foi ‘comprada’ em 2012 e levou transporte coletivo ao caos na Capital de MS

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(Foto: Henrique Arakaki/Midiamax)

Para a 30ª Promotoria da Comarca de Campo Grande, o contrato bilionário do Consórcio Guaicurus deve ser anulado. Em parecer solicitado pela Justiça, o promotor Fábio Ianni Goldfinger apontou cenário ‘nitidamente caótico’ e destacou que, mesmo vencedor do processo licitatório de 2012, o Consórcio ainda “não conseguiu satisfazer a população” e que, ainda, o processo licitatório tem indícios de corrupção desde antes de ter sido lançado.

“O Consórcio Guaicurus apenas sagrou-se vencedor da Concorrência nº 082/2012 pois sua vitória já tinha sido previamente ajustada (ou comprada, visto que efetuou pagamentos ao escritório de Sacha Reck e Guilherme Gonçalves para que estes, em contato com o Município de Campo Grande, providenciasse seu êxito na licitação fraudulenta)”, apontou na manifestação do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) no processo que corre em 1º grau na Justiça.

O promotor disse que o município afirma que a licitação ocorreu dentro das normas legais, mas aponta a colaboração premiada de Marcelo Maran. “Com o esquema previamente ajustado, a LOGITRANS era contratada, justamente, para fixar condições no edital que direcionassem o certame para a vitória das empresas patrocinadas por Sacha Reck”, disse Marcelo.

Ainda foi apontada na colaboração premiada “que o escritório recebeu 12 parcelas de R$ 18.000,00 desta empresa [Consórcio Guaicurus], recebido através da pessoa jurídica com a primeira em 24/01/2011”. Assim, o promotor defendeu que a “licitação já ‘nasceu’ nula, haja vista que desde a formulação de seu edital houve manipulação para que uma empresa já pré-determinada, sangrasse vencedora, no caso do município de Campo Grande/MS, a empresa escolhida foi o ‘Consórcio Guaicurus’”.

Durante defesa da anulação do contrato, o promotor ainda destacou “diversos problemas de atrasos e fazendo com que os cidadãos tenham que se socorrer de carros particulares para conseguirem chegar aos seus destinos”. Conforme a licitação, o Consórcio deve faturar cerca de R$ 3,4 bilhões durante os 20 anos de contrato firmados.

Restrição à competitividade

Ouvido em 28 de junho durante julgamento, Daniel Carlos Silveira — na época Superintendente da Controladoria Regional da União em MS — foi questionado pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, sobre resultados de uma nota técnica que avaliou a licitação.

Daniel afirmou que “tinha problemas de direcionamento ou restrição à competitividade, na época”. Novamente o juiz questionou em que consistiam os problemas, e ele respondeu que achava que eram de “restrição à competitividade”.

Ouvido no mesmo dia, Geraldo Antonio Silva de Oliveira — Auditor Federal de Finanças e Controle, que assinou a nota técnica formulada pela CGU — foi indagado sobre as notas técnicas. Geraldo disse que “critérios de julgamento que deveriam ser objetivos e nesse trabalho foi levantado que eles se apresentavam subjetivos”.

Além disso, disse que existia uma atribuição de pontuação, ou seja, eram dados pontos para empresas que cumprissem uma promessa futura. Ele explicou que o compromisso poderia ser cumprido ou não pela empresa vencedora.

Disse ainda ao juiz que não há entendimento legal que permita as promessas futuras. “A gente está falando de uma licitação, e se depois de x dias, depois de declarado o resultado, celebrado o contrato, aquele compromisso não é cumprido, o que faz a administração pública? Qual a providência? Por isso o critério tem que ser objetivo”, apontou a fragilidade durante a oitiva.

Modelo da licitação

Geraldo disse que o modelo de licitação utilizado não foi o ideal “porque a lei de concessões ela estabelece alguns critérios e a técnica e preço seria mais aplicado a obras públicas”. Para concessão, “teria uma tarifa fixa, então acabou que a análise apontou que não seria o mais adequado”, pontuou.

Após o juiz questionar qual seria o modelo mais adequado, Geraldo admite que: “O adequado seria o menor preço de tarifa ou a maior proposta de valor de outorga”.

A promotora de Justiça Bianka Machado Arruda Mendes representou o MPMS no julgamento iniciado em junho e questionou se havia direcionamento na licitação para empresas que já tinham estrutura, assim como o Consórcio Guaicurus.

“Os critérios acabaram por beneficiar as empresas que detinham contrato anterior, que já tinham uma estrutura na cidade, já tinham talvez estrutura de recursos humanos, então houve essa facilidade ou de obtenção máxima de pontos”, disse Geraldo.

Outro fator que favorece o Consórcio foi apontado por Luiz Henrique Gomes da Silva de Rezende — Auditor Federal de Finanças e Controle que atuou como chefe de serviço. “Lembro do aproveitamento da mão de obra, que era um dos critérios da nota técnica, o que salvo engano existiria uma facilidade maior do Consórcio que já operava o serviço porque ele já teria grande parte da sua força de trabalho com vínculo empregatício”.

Luiz também disse que “O Auditor-Geral fez a análise do edital e apontou isso como uma suposta impropriedade que seria contrária tanto à lei n. 8.666”. Durante a oitiva de Luiz, o promotor ainda questionou sobre o critério de que a empresa deveria atuar no ramo há 10 anos para pontuar no processo licitatório.

“Salvo engano o auditor geral colocou no trabalho que não houve essa justificativa, o porquê dessa necessidade de dez anos”, disse.

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(Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Irregularidades apontadas pelo promotor

Houve ainda a necessidade de que as empresas participantes tivessem que pagar R$ 3 mil para obter o edital. “Quando uma licitação é viciada, significa dizer que os interesses da sociedade foram violados”, apontou o promotor.

O promotor ainda ressaltou que “há irregularidades na licitação posto que esta foi moldada para que só uma empresa coubesse naquele certame, atendendo a todos os requisitos impostos, mormente porque tiveram exigências que apenas o Consórcio Guaicurus atenderia, de qualquer forma”.

Durante a oitiva de Marcelo Luiz Bonfim do Amaral — diretor da Agereg (Agência de Regulação de Campo Grande) —, foi citado o aplicativo do Consórcio para informar o momento em que os ônibus passam no ponto. No entanto, o Ministério aponta que o “aplicativo é mal avaliado na plataforma, sendo atribuído a ele nota 3,9, com diversos comentários negativos, e funcionando apenas para o sistema operacional Android”.

O diretor da época também citou o preço cobrado pelo passe de ônibus. O Ministério, por sua vez, disse que “o valor aumentou consideravelmente, sendo criticado pelos cidadãos campo-grandenses, os quais obtiveram como resposta do Consórcio Guaicurus que tal valor se justifica em razão das ‘dificuldades financeiras’ enfrentadas pelo grupo”.

No decorrer do processo, o Município de Campo Grande disse que “tão importante quanto a modicidade das tarifas é que seja prestado um bom serviço à população, justificando a escolha administrativa”. Contudo, o MPMS indica que “a própria população campo-grandense diariamente se vê desamparada pelo Consórcio Guaicurus e pelo Município de Campo Grande, para a piora da situação, sofre com o aumento desarrazoado das passagens”.

Parecer favorável a anulação

Ainda foi apontado no parecer que os documentos entregues em envelopes fechados aparentam obedecer todas as formalidades exigidas. No entanto, o promotor indicou que “procedimento licitatório, desde o edital, propostas de preços, etc., já havia sido construído documentalmente para dificultar o descortinamento do direcionamento do certame”.

Ou seja, haveria intenção de dificultar a descoberta das irregularidades escondidas no processo. Assim, o promotor salienta que “o procedimento licitatório pode ser revogado em qualquer uma dessas etapas ou anulado até mesmo após o regular encerramento de certame homologado”.

Por fim, por meio do promotor, o MPMS “requer a procedência da presente da demanda” do processo que pode anular o contrato com o Consórcio Guaicurus.

O mesmo promotor foi responsável pelo parecer, também favorável, de processo que corre no 2º grau. Fábio Ianni Goldfinger se posicionou contra o pedido do Consórcio para adiar a ação civil para após os 20 anos de contrato, ou seja, somente após 2032.

O promotor destacou que a decisão foi “proferida com base nas mais abalizadas notificações jurídicas aplicáveis à processualística cível e segundo a melhor hermenêutica de nosso ordenamento jurídico, valendo por seus próprios e irrefutáveis fundamentos”.

Ele cita diversas decisões de ministros, dentre elas uma relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, em julgamento de 2019. Para o promotor, as ilegalidades de um ato jurídico podem ser “judicialmente questionadas enquanto vigente o contrato”.

MPMS dispensou testemunhas

Delatores que foram protagonistas na instauração do processo de investigação do contrato do Consórcio Guaicurus foram dispensados de audiência com o juiz responsável pelo processo, pois o MPMS — requerente da ação — afirmou que outras testemunhas ouvidas bastaram para esclarecer os fatos.

Assim, a defesa dos empresários dos ônibus comemorou e destacou que estão ‘confiantes’ na manutenção do contrato após a ausência dos delatores. A concessão estima faturamento de R$ 3,4 bilhões às empresas de ônibus durante seus 20 anos de vigência.

Ao Jornal Midiamax, o MPMS afirmou que “na audiência foram ouvidas testemunhas que contribuíram para os esclarecimentos necessários sobre os fatos afirmados na inicial”. A promotora de Justiça Bianka Machado Arruda Mendes representou o MPMS na audiência.

Sasha Reck (advogado que delatou ao MP do Paraná direcionamento de licitação ao Consórcio Guaicurus em Campo Grande) e Marcelo Maran (delator que também prestou informações sobre irregularidades na concessão) foram dispensados pela promotoria. Os dois eram as principais testemunhas de acusação contra o Consórcio e o depoimento na audiência poderia ser crucial para sustentar a anulação do contrato bilionário com os empresários dos ônibus em Campo Grande.

Apesar de o inquérito ser baseado nas denúncias dos delatores, o MPMS considerou que apenas os depoimentos de Daniel Carlos Silveira (superintendente da Controladoria Geral da União em MS), Geraldo Antonio Silva de Oliveira (auditor federal de Finanças e Controle) e Luiz Henrique Gomes da Silva Rezende (auditor federal de Finanças e Controle) seriam suficientes para sustentar a acusação, fundamentada inicialmente nas declarações dos delatores.

Defesa ficou confiante

A defesa do Consórcio Guaicurus, André Borges, saiu da audiência confiante, alegando que os dois advogados que delataram haver esquema de direcionamento de licitação ‘sumiram’. “A audiência no meu entendimento foi ótima, um fato relevante sobre as delações, os dois que fizeram delações sobre essa licitação, não foram ouvidos”, disse.

Borges destacou que como os delatores não participaram da audiência, “não serão ouvidos e as delações deles não têm nenhum valor, porque o que vale não é o que fala na frente do promotor ou do delegado, o que vale é o que fala na frente do juiz”. Confiante com o processo, a defesa do Consórcio considera a dispensa dos delatores como ‘contraditório’.

Assim, afirmou que, pela ausência dos delatores, com as provas colhidas na audiência e análise do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) e MPMS, o contrato seguirá ativo. “A convicção do Consórcio Guaicurus é que o processo vai ser arquivado”, ressaltou confiante.

Dentre as testemunhas de defesa do Consórcio, duas foram ouvidas e duas foram dispensadas. Participaram das oitivas de defesa dos empresários do ônibus Marcelo Luiz Bonfim do Amaral (diretor-presidente da Agereg à época da licitação) e Bertholdo Figueiró Filho (presidente da comissão de licitação à época).

O diretor do Consórcio Guaicurus, João Rezende Filho, e o senador Nelsinho Trad — prefeito de Campo Grande entre os anos de 2005 e 2012, ou seja, em todo o período em que a licitação de concessão foi elaborada, lançada e vencida pelo Consórcio Guaicurus — foram dispensados pela defesa. Conforme Borges, as testemunhas não teriam “informações novas para acrescentar”.

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