Mais de 10 anos após ser realizada, convocada pela Prefeitura de Corguinho, a 72 quilômetros de Campo Grande, para a construção de uma creche terminou em acusação de na condenação do então prefeito Téo Massi e de dois empresários. Penas de reclusão de 3 anos acabaram substituídas por prestação de serviço comunitário.

A denúncia julgada pela 5ª Vara Federal foi resultado de inspeção da CGU (Controladoria-Geral da União) na papelada decorrente de licitação para a construção de uma creche com recursos do (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Além de Téo, na verdade, Teophilo Barboza Massi, responderam à denúncia os empresários Julio Cesar Stiirmer e Paulo Marcio Amorim Barbosa.

Para o MPF (Ministério Público Federal), houve fraude ao caráter competitivo da licitação 27/2010, para construção da creche. Os fatos envolvem a falta de concorrência no certame, já que 2 das 3 concorrentes acabaram desclassificadas. A vencedora foi a empresa de Stiirmer, segundo narra a sentença publicada nesta quarta-feira (13) no Diário de Justiça Nacional.

A Prefeitura de , na gestão de Massi, lançou a licitação 6/2010 para construção de unidade de ensino infantil do Programa Pró-Infância, no valor estimado de R$ 1.313.265,75, a ser bancada, em maior parte pelo FNDE. Três empresas apresentaram documentação para o certame: Cação & Stiirmer Ltda., AJL Construções Ltda. e Construtora Paulo Barbosa Ltda.

As duas últimas foram consideradas inabilitadas. A vencedora apresentou proposta de R$ 1.305.906,18, resultado homologado pelo então prefeito Massi. Contudo, ao analisar a denúncia do MPF, o juiz Dalton Kita Conrado enumerou problemas.

A CGU havia apontado sobrepreço estimado em R$ 60.616,46 em alguns itens do orçamento. Além disso, indícios puseram o caráter competitivo da licitação em xeque.

Fraude e primos em empresas, comissão de licitação e prefeitura

A começar, foram identificados vínculos de parentesco entre servidores da Prefeitura de Corguinho e a Cação & Stiirmer. Uma sócia-proprietária, Jalusa Barbosa Cação Stiirmer, era funcionária da Secretaria Municipal de Educação. E o funcionário municipal Valério Correia Salgado prestou serviço à empresa, apresentando-se como responsável pela obra.

Não bastasse isso, o prefeito Teophilo Massi, Paulo Barbosa (da construtora desclassificada de mesmo nome), Jalusa e Julio Stiirmer (administrador da empreiteira vencedora) são primos entre si.

Um notebook apreendido na Construtora Paulo Barbosa continha minutas eletrônicas de documentos da Cação & Stiirmer que foram apresentados na licitação.

Segundo depoimento de um integrante da comissão de licitação na época, poucas empresas de fora de Corguinho se interessavam nas licitações locais — isso, segundo outro servidor, porque o município era conhecido pelo histórico de atrasos em pagamentos. A vencedora tem sede no município e a de Paulo Barbosa é de Campo Grande.

Jalusa, em seu depoimento, disse desconhecer o grau de parentesco. Já o representante da Construtora Paulo Barbosa, José Luiz Saad, destacou participar de licitações desde 1982, nunca tendo problemas, e que a empresa venceu 5 licitações para obras de creches do FNDE, tendo prejuízo em todas por atrasos nos recursos.

Concorrente preencheu documentação para empresário

Julio Stiirmer, em interrogatório, negou as acusações de fraude a ele atribuídas. Contudo, por não ter experiência e não saber lidar com a ferramenta usada no preenchimento da papelada, pediu a Paulo Barbosa para elaborar a planilha, serviço pelo qual teria pago. Conforme descrito no processo, ele teria ficado surpreso ao encontrar Barbosa no dia da abertura de propostas, por não saber que ele tinha interesse no contrato.

Paço Municipal de Corguinho: fraude investigada em licitação de creche. (Google Maps, @2019)

Quanto às relações de parentesco, atribuiu ao fato de Corguinho ser uma cidade pequena. O então prefeito seria primo de sua esposa, mas afirma não ter havido interferência no certame. E ainda alegou ter registrado prejuízo com a obra, por não ter recebido integralmente pelos serviços.

A falta de experiência de Julio ganhou uma explicação no interrogatório de Paulo Barbosa: o empresário teria “montado uma empresa ou tinha assumido a administração” da que pertencia ao sogro e não tinha experiência no ramo — enquanto Barbosa atua há anos em obras públicas, o outro trabalhava apenas com pontes de madeira. Daí o pedido para elaborar a planilha, pela qual foi remunerado.

Paulo Barbosa ainda declarou crer que Julio desconhecia que ele concorreria no certame, achando que poderia ganhar. Ele admitiu ser primo de Jalusa, mulher de Júlio César, não relatando o parentesco antes porque “não lhe foi perguntado”. Ele ainda disse desconhecer o preço apresentado por Julio Cesar porque o mesmo poderia ser alterado na planilha.

Téo Massi, por sua vez, disse desconhecer direcionamento ou conluio no certame. Ele confirmou que Julio é casado com sua prima e que Barbosa é seu primo — a Cação & Stiirmer prestava serviços antes de ele assumir a prefeitura, em 2009. Os três, dentro do processo, negaram a existência de irregularidades.

Autoria e materialidade comprovados

Em suas conclusões, o juiz Dalton Conrado disse considerar haver autoria e materialidade da fraude denunciada. Ele destacou que a alegação de relação contratual entre Julio César e Paulo Barbosa não se comprovaria, pois não há nenhum tipo de registro da formalização do negócio — como contrato, recibo ou comprovante de pagamento.

Por outro lado, destacou-se o fato da Construtora Paulo Barbosa participar da licitação, “soando estranho, quiçá inverídico, que o seu titular se dispusesse a ajudar um concorrente, até porque, já sabendo dos valores praticados por Julio Cesar, seria fácil adaptar os seus para ganhar o certame e manter a máxima margem de lucro possível”.

Fórum Federal de Campo Grande
Fórum Federal de Campo Grande. (Arquivo Midiamax)

A possibilidade de a planilha ser alterada foi considerada uma alegação “ainda mais incrível”, já que o documento apresentado pela Cação & Stiirmer foi o mesmo encontrado no notebook, sem alteração de valores. Além disso, o depoimento de Téo Massi apontou que Julio Cesar atuava no município há muito tempo, não havendo evidências de que não conseguiria preencher a planilha.

O juiz destacou que as planilhas já vinham pré-preenchidas do FNDE, ou com valores estimados indicados; e que o notebook apreendido tinha até as etiquetas dos envelopes da documentação técnica e proposta comercial — não saber confeccionar tais materiais foi algo que, para o juiz, “beira ao fantástico”.

Para o magistrado, ambos atuaram em conluio na fraude do caráter competitivo da licitação — algo corroborado com a desclassificação da Construtora Paulo Barbosa por falha de documentação técnica, diante da experiência da empresa em licitações (a única falha anotada seria a falta de um balanço registrado).

Em relação ao então prefeito, Conrado considerou que ele não só tinha ciência da fraude como participou da mesma — citando o parentesco com Paulo Barbosa, cuja empresa foi desclassificada “de forma pouco usual” pela experiência e que teria entrado na licitação apenas para dar ares de competitividade, sendo a Cação & Stiirmer a beneficiada porque Julio Cesar era o único sem relação direta de parentesco com os demais.

Caberia ao prefeito finalizar o processo e entregar a licitação, não sendo “crível” que ele nada soubesse sobre a fraude identificada por conta do parentesco.

Reclusão substituída por serviço comunitário e multa

A sentença condena Téo Massi a 3 anos de reclusão em regime aberto, pena pecuniária de 185 dias-multa (cada um equivalente a um sexto do salário mínimo vigente). A pena de Julio César foi estimada em 2 anos e 6 meses de reclusão em regime aberto e 97 dias-multa; e a de Paulo Barbosa em 2 anos e 8 meses em regime aberto e 126 dias-multa.

Nos três casos, porém, substituiu-se a pena privativa de liberdade de cada em prestação de serviços comunitários, na razão de 1 hora por dia de condenação em entidade a ser definida. Cada um ainda deve pagar prestação pecuniária de 10 salários mínimos atuais.

Também foi definida indenização solidária dos acusados dos valores apontados pela CGU como sobrepreço (R$ 60.616), valorado para 20 de abril de 2010 (data da apresentação das propostas). Cabe recurso.