O desembargador Nélio Stábile, autor da decisão que suspendeu ato administrativo do governo de Mato Grosso do Sul que beneficiou candidata reprovada no concurso de 2017 da Polícia Civil, questionou o cartório responsável pelas distribuição de mandados de intimação porque as medidas não foram cumpridas.

Em despacho, que data do último dia 20 de abril, o relator do recurso determinou imediata expedição e cumprimento, em até 24h, das intimações pessoais que deveriam ter sido executadas a partir da decisão, após considerar que, até aquela data, a ordem de intimação não havia sido realizada, mesmo a decisão tendo sido proferida em 31 de março de 2021.

“Dessa forma, DETERMINO a imediata expedição e cumprimento,no prazo de 24 horas, das intimações pessoais do Presidente da Comissão do Concurso e, bem assim, do Secretário Estadual de Administração e Desburocratização, do Secretário Estadual da Justiça e Segurança Pública e do Delegado-Geral de Polícia Civil, para que prestem os esclarecimentos determinados na Decisão”, pontua o desembargador.

O relator do agravo também esclareceu, no despacho, que o cumprimento da ordem independe do fato de os autos estarem ou não com vista ao Ministério Público. A decisão também determinar “que seja certificada a falta de expedição dos respectivos mandados de intimação e, ainda” e mais documentos à Corregedoria-Geral de Justiça, para ciência e providências.

Justificativa

No mesmo dia, o desembargador foi informado nos autos que “o processo apresentou um erro na remessa e aguarda atendimento de chamado para concretizar o envio”. Os mandados foram expedidos no dia seguinte. Todavia, dois dias depois, o desembargador voltou a determinar em despacho que, “tendo em vista o cumprimento apenas parcial do determinado na Decisão”, a Secretaria Judiciária certifique que os mandados de intimação não foram efetivamente expedidos na ocasião.

Stábile questionou, ainda, ”por qual razão a ordem não foi cumprida tempestivamente” e determinou “que se esclareça o motivo pelo qual o Juízo a quo não fora incontinenti oficiado (com comprovação de recebimento)” acerca da decisão do dia 31 de março.

No mesmo dia, analista judiciária do DEOJU (Departamento dos Órgãos Julgadores), Andrea Fava Santos, pontuou que “em nenhum momento houve a intenção desse Departamento em deixar de cumprir qualquer determinação” e prosseguiu a esclarecer que, primeiramente, foi observada na decisão a aplicação do efeito suspensivo na decisão de primeiro grau, “inclusive referida decisão se encontra lançada em itálico, como se a determinação dos efeitos fossem aplicados aos autos da Ação Civil Pública n.º0900577-13.2018.8.12.0001, o que foi prontamente comunicado ao magistrado”.

A analista também destacou que, posteriormente, foram observadas as providências e sistematicamente cumpridas.

“Infelizmente, não foi traduzido por esse cartório que as intimações pessoais lançadas na decisão devessem ser realizadas no processo de Agravo de Instrumento, mas sim no processo de origem, como normalmente acontece quando da modificação da decisão de primeiro grau, pois caso contrário as teríamos cumprido com a maior presteza que costumamos cumprir as determinações de Vossa Excelência”, concluiu.

Decisão

O desembargador Nélio Stábile, relator do agravo distribuído à 2ª Câmara Cível do (Tribunal de Justiça de MS), decidiu pela suspensão da decisão administrativa do governo de Mato Grosso do Sul que beneficiou candidata reprovada no concurso de 2017 da Polícia Civil. A manobra havia driblado o resultado de uma das fases do processo seletivo para garantir a matrícula da postulante ao cargo de escrivã no curso de formação.

A decisão suspensa veio a público em edital, divulgado na edição de 18 de dezembro de 2020 do DOE (Diário Oficial do Estado). A interferência administrativa, realizada pela Uems (Universidade Estadual de ), fez com que a candidata passasse à frente de ao menos outros seis candidatos que tiveram matrículas revogadas por decisão judicial no mesmo concurso.

A concorrente havia sido reprovada na fase mais polêmica do processo seletivo, a prova de digitação. Uma perícia constatou que praticamente todos os computadores usados na etapa estavam com vírus. Outros teriam teclas muito duras, o que atrapalhou os participantes. O problema provocou uma corrida à Justiça por parte dos prejudicados e o MPMS (Ministério Público Estadual) ajuizou ação civil pública.

Uma decisão liminar de março de 2020 permitiu a participação da candidata em questão nas demais fases do concurso. Porém, um mês depois, uma nova sentença, desta vez em segunda instância, determinou a suspensão de todas as liminares expedidas no bojo da seleção da Polícia Civil. Assim, sua matrícula no curso de formação policial foi anulada.

A revogação acabou revertida pelo edital de 18 de dezembro passado, após decisão do reitor da Uems, Laércio Alves de Carvalho. A manobra incluiu a candidata na lista de aprovados para o curso e levou à sua convocação para matrícula no curso de formação. Com isso, ela desistiu da ação que movia na Justiça Estadual.

A interferência da reitoria da Uems contou com o aval de SAD (Secretaria de Estado de Administração e Desburocratização), (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) e DGPC (Delegacia-Geral da Polícia Civil), signatários do edital.

Para desembargador, decisão administrativa causou ‘lesão grave' e feriu ordem judicial

Então, os candidatos prejudicados pela decisão administrativa do governo estadual recorreram à Justiça, que, em primeira instância, rejeitou a investida. Mas, em segundo grau, o desembargador Nélio Stábile acatou o pedido liminar dos candidatos. Em decisão proferida no último dia 31 de março, o magistrado viu “lesão grave e de difícil reparação” aos que foram ultrapassados na classificação.

Além disso, Stábile entendeu que a interferência administrativa provocou “flagrante desrespeito” à ordem judicial de novembro de 2019 – em acórdão relatado por ele -, que determinou o prosseguimento do concurso apenas com os candidatos aprovados da prova de digitação.

Na ocasião do edital de dezembro passado, a SAD defendeu à reportagem que não houve “atropelo” à decisão judicial, pois “o direito ao recurso administrativo está previsto no edital que rege o certame”. Sejusp, DGPC e Uems também haviam sido procurados, mas não se manifestaram.

Com a suspensão do edital, a sentença do desembargador também anulou a matrícula da candidata antes beneficiada. Consequentemente, restabeleceu a classificação anterior dos demais participantes do concurso. Stábile ainda deu dez dias de prazo para manifestação da comissão organizadora do processo seletivo. Além disso, convocou SAD, Sejusp e DGPC a, no mesmo prazo, prestarem esclarecimentos sobre a manobra para contemplar a candidata.