Conforme denúncia feita ao Jornal Midiamax por funcionários do Consórcio e servidores das próprias agências municipais , os donos das empresas de ônibus que faturam aproximadamente R$ 12 milhões por ano explorando a concessão pública em Campo Grande possuem mais de 3 mil multas de trânsito ‘enroladas’ que nunca foram cobradas nos últimos anos.

Ao investigar os indícios denunciados, o promotor Humberto Lapa Ferri, da 31ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social considerou ineficiente a fiscalização pública feita sobre o serviço prestado pelo Consórcio Guaicurus em Campo Grande e ainda pediu que a empresa seja inclusa na Dívida Ativa do município pelo não pagamento de 3.122 multas, que já estão com o prazo de vencimento expirado.

Apesar de confirmar os indícios de que a Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) e a Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos) façam ‘corpo mole’ no processamento de multas e favoreçam o Consórcio Guaicurus, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) optou por emitir uma recomendação aos órgãos municipais.

A recomendação foi publicada na edição desta quinta-feira (5) do Diário Oficial do MPMS, mas foi assinada em 2 de setembro.

Prefeitura deixou de receder R$ 2 milhões

São alvo do ‘puxão de orelhas’ a Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) e à Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos), órgãos que deveriam justamente ser responsáveis pela fiscalização do cumprimento do contrato de concessão ganhado pelo Consórcio Guaicurus nos últimos dias da gestão de Nelsinho Trad (PSD) como prefeito, em 2012.

Em acordo de delação com o Ministério Público do Paraná, um empresário que atuou como consultor dos empresários revelou que a licitação foi fraudada para favorecer o Consórcio Guaicurus.

Desde que ganharam, os empresários contam, segundo servidores municipais, com total proteção dos órgãos de fiscalização. Nem os vereadores querem partir para abertura de uma CPI dos Ônibus, alegando que é cedo. Neste cenário, nem as multas de trânsito foram cobradas do Consórcio Guaicurus, causando prejuízo aos cofres municipais, que deixaram de arrecadar.

Os problemas que deram origem ao documento foram apurados em dois inquéritos civis, de número 06.2017.00002300-4 e 06.2018.00003275-1. O primeiro apurou omissões ocorridas em 2017 e 2018, enquanto o segundo se refere a 2013 e 2014.

Entre 2013 e 2016, o MP apurou que foram aplicadas 3.122 notificações, que somam um valor aproximado de R$ 2 milhões. Nada foi pago, segundo revelou o próprio diretor-presidente da Agetran, Janine de Lima Bruno.

Em sua argumentação, o promotor aponta “inegável ineficiência quanto ao processamento de multas decorrentes de autos de infração emitidos contra a concessionária de transporte público”, além de criticar o “percurso administrativo” que resultou na não aplicação das multas e “ausência de arrecadação dos valores”.

Inércia na Agetran favoreceu Consórcio Guaicurus

Lapa Ferri ainda destaca que os diretores-presidentes da Agetran permaneceram inertes diante da situação durante os últimos seis anos e seguiu a crítica ao procedimento administrativo tomado pela agência no processamento das multas, usando inclusive um “organograma das multas” existente em Campo Grande.

Consórcio Guaicurus se beneficia com situação
Organograma mostra ‘cenário das multas’ (Reprodução)

‘Pegadinha’ nas multas pode livrar multados

Outro problema encontrado é que os autos de infração devem ser feitos em três vias, conforme a Lei nº 4584/2007. Cada uma delas deve contar a assinatura do fiscal, do infrator, representante ou ainda por testemunhas. Porém, isso não ocorre na cidade.

“Os fiscais não pegam a assinatura do preposto ou de duas testemunhas como manda a lei, ocorrendo preliminarmente em vícios formais do auto de infração por violação dos artigos 38 e 44, inciso IV da referida Lei”, frisa o documento, afirmando que assim a junta responsável pelos recursos não encontra amparo legal para manter as multas.

Consórcio na dívida ativa

Entre as medidas pedidas para solucionar os problemas, foi pedido pelo MPMS que seja determinado pela Agetran o correto preenchimento dos autos de infração e apresentação bimestral das propostas sobre a adoção de medidas destinadas ao “aperfeiçoamento da sistemática de julgamento de recursos”.

Agetran 'enrolou' mais de 3 mil multas de trânsito e MPMS quer Consórcio Guaicurus na dívida ativa
Consórcio Guaicurus é responsável pelo transporte coletivo em Campo Grande. (Cleber Gellio, Arquivo Midiamax)

Medidas relativas a confecção do talonário que deve ser preenchido pelos fiscais de transporte e trânsito também estão inclusos nesse relatório. Lapa Ferri também pede que a Agetran proponha uma legislação que acelere a tramitação dos autos de infração de trânsito contra as empresas do transporte público urbano.

Quanto a inclusão do Consórcio Guaicurus na Dívida Ativa do município, para que ele não ocorra, será preciso ser apresentado uma justificativa para tal, além do já apresentado nos dois inquéritos. O prazo para essa e outras medidas serem tomadas é de 30 dias. Caso elas não ocorram, o caso pode ir para a esfera judicial.

Nem vereadores, nem controladoria, nem TCE-MS viram

Além da Agetran e Agereg, também devem ser notificados sobre a recomendação a prefeitura, a Controladoria-Geral do Município, a Câmara de Vereadores e a presidência do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul). Apesar de reiteradas denúncias envolvendo ilegalidades no cumprimento do contrato de concessão, a postura deles tem sido sempre de parcimônia.

O Jornal Midiamax trouxe recentemente à público vários problemas causados pela má prestação de serviço do Consórcio Guaicurus. Posteriormente, também foi revelado pela reportagem a delação premiada do advogado Sacha Reck, que participou da licitação que definiu a Guaicurus como a responsável pelo transporte público da Capital.

Reck revelou ao MP do Paraná irregularidades em vários certames, incluindo o de Campo Grande, realizado em 2012, no fim da gestão do então prefeito Nelsinho Trad (PSD). Logo em seguida, o MPMS, com o mesmo Humberto Lapa Ferri à frente, abriu investigação para saber mais detalhes sobre a situação na esfera criminal.

Diante da situação, foi impetrada uma ação na Justiça pedindo uma devassa nos contratos e contas da concessionária. Contudo, ela tenta barrar a ação. Também houve proposição para abrir duas CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara Municipal para averiguar a situação, mas ambas não obtiveram o apoio necessários dos vereadores.