Presidente do TJMS quer destravar processos e faz alerta sobre legislação ‘pró-bandido’ no país
Desembargador avalia que leis estão mais brandas em todas as áreas e faz gabinete in loco para acelerar CPE em MS
Evelin Cáceres –
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Com o compromisso de destravar a CPE (Central de Processamento Eletrônico) para dar celeridade a processos que podem ficar até 15 dias no local, o novo presidente do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), desembargador Sérgio Martins, quer despachar nesta quinta-feira (9) in loco, verificando as necessidades de reestruturação do local, em compromisso com a advocacia para destravar a Central.
Menos de uma semana após a posse, o desembargador recebeu a reportagem do Jornal Midiamax para conversar sobre a reestruturação do órgão e contou seus planos para a reforma do Fórum de Campo Grande e a construção da nova sede do Tribunal no Parque dos Poderes, além de fazer um alerta sobre o afrouxamento das leis, como a de Improbidade Administrativa, que acabam levando o judiciário a decidir em ‘atos pró-bandido’ após mudanças dos legisladores.
O magistrado trata como questão de falta de bom senso o ativismo na área, que coloca à luz da sociedade ‘juízes justiceiros’, “levando a prisões de mais de mil pessoas em um estádio de futebol”, além de se comprometer a reapresentar o projeto que reformula os emolumentos, popularmente conhecidos como taxas cartorárias, no Estado.
Oriundo do Quinto Constitucional, o desembargador foi professor universitário, atuou na advocacia e celebrou com o pai, que também foi presidente do Tribunal, a posse no órgão, homenageando a todos os ex-presidentes, ao fazer referência aos discursos de todos já empossados no cargo. Desafio executado com a tranquilidade de quem pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, imortalizado desde o ano passado.
Qual a visão hoje que vossa excelência tem sobre o judiciário brasileiro? O que acha que é possível fazer para melhorar?
– No Brasil, o poder judiciário sempre foi muito questionado com relação à morosidade da entrega do serviço, algum distanciamento dele com a população. São problemas históricos, com muito trabalho e chefia de várias pessoas modificou muito pouco. Nós podemos contribuir, mas não temos como solucionar.
Mas Mato Grosso do Sul, por ser um estado novo, com 44 anos, quando foi implantado poder judiciário aqui foi dada uma ideia de que seria também como um modelo. O judiciário conseguiu ser, embora haja reclamações, mais célere, que consegue entregar celeridade na prestação jurisdicional – tivemos premiações como a do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que premiou o TJMS com selo ouro.
Hoje nós precisamos dar reformulação e fazer avançar muito a CPE (Central de Processamento Eletrônico), onde os atos que são praticados pelos cartórios individualmente, como baixar certidão do processo e atos intermediários que não são a sentença, também tomam tempo. Eles que impulsionam para que o juiz possa liquidar. Esses atos são repetitivos – se cada cartório ficar fazendo seu ato as coisas não andam, atravancam. Essa central faz os atos de todos os cartórios do estado de uma vez só, e tem em torno de 600 servidores.
Nesta quinta-feira vou despachar de lá, em uma espécie de administração itinerante. Vou começar indo lá e depois em outros lugares verificar o que pode ser mudando. E contribuir com a minha presença, mostrar que estamos preocupados com isso. Os advogados cobram muito que determinado ato demora 15 dias para sair de lá. Está demorando porque de repente se jogou tudo lá de uma vez. Não adianta só colocar servidor, tem que organizar. Então temos um juiz designado e uma nova diretora para organizar e dei prazo de seis meses para destravar. Com isso os processos vão destravar mais rápido e andar.
Um novo desembargador vai coordenar o núcleo de conciliação e mediação, trabalhando integrado a CPE. Vou dar incremento a ele para que possa evitar que as partes ingressem em juízo. Quando diminuiu o número de processo que entra em juízo, automaticamente evita que abarrote os gabinetes de juízes e desembargadores. Vamos fazer essa reestrutura para ser mais atuante, mais presente e realizando mais mediações e conciliações.
Vamos acelerar a prestação jurisdicional com muita presteza. Essa é a nossa função. O objetivo da justiça só existe par isso. Não teria razão de ser, não teria sentido se não fosse esse: o de pacificar a sociedade através de ações imediatas.
Fórum e sede do TJMS no Parque dos Poderes
– Também tenho projetos de edificações e construções, interligadas com esse objetivo. O cerne do judiciário é fazer com que a justiça seja rápida. A reforma do Fórum tem dez anos e ele foi pensado para funcionar por esse período, mas é o mesmo há 22 anos. Não está feio, está razoável, mas mudou a sistemática. Antes, os cartórios eram imensos para atender a população no balcão, com cerca de 10 analistas judiciários. Hoje eles foram designados para o Cijus, para a CPE ou em teletrabalho.
Os cartórios físicos praticamente não têm mais função, de dez foram para dois analistas e os chefes de cartórios para atos urgentes. Não tem sentido ficarem dois, três funcionários. E é até estranho porque você entra no Fórum e não vê quase ninguém, apesar desses espaços grandes. Precisamos reestruturar para caber o judiciário ali dentro. E a gente até deixa de precisar de alguns aluguéis com isso. Vamos aumentar as salas de audiência, reformar o sistema de ar condicionado que é muito antigo, fibras ópticas para dar velocidade na internet, que já ajuda na celeridade.
Contar cuidou bem do tribunal, fez boas adaptações na sede, embora já esteja pequena. Mas a construção da nova sede foi proposta e é um processo longo. Vou dar início ao processo, mas não consigo inaugurar. Deve demorar uns dez anos.
Temos até desembargador que na parte dos gabinetes não tem mais espaço. No plenário os desembargadores já estão encostando na divisória, não cabe mais cadeiras. Isso terá que ser resolvido com o novo prédio. A ideia sempre foi unificar tudo no Parque dos Poderes. Teria também que haver um terreno para construir o próprio Fórum, tentar dar vida útil a esse espaço novo para que uma administração posterior ache um local e construa um novo prédio. Ali (na Rua da Paz) todos sabemos que era uma espécie de cadeia pública. É suficiente, mas a gente precisa pensar no futuro, estado crescendo de tal forma, a economia, isso explode no judiciário. Mais demanda, mais processo, empresa de ribas nova de celulose não dá mais conta de atender a demanda. Dentro da estrutura que temos teremos que criar mais uma vara
Como senhor vê o acesso ao judiciário por meio da eleição, como acontece em alguns países? Acredita que o sistema do Brasil é melhor, por meio de concurso?
O sistema do Brasil é muito melhor, com a meritocracia. Não que os representantes do quinto não sejam escolhidos por mérito, mas é em um sistema diferente. A eleição é uma prática do que a gente chama de sistema anglo-saxão diferente, são o common law e civil law, que têm como base a legislação francesa. O recrutamento através de concurso e o outro com base na legislação inglesa, que abrange Estados Unidos e Canadá. Não é sempre, de alguma forma há recrutamento. Se verificarmos nos Estados Unidos, que tem bastante eleição para juízes, os membros até da Suprema Corte sempre são juízes oriundos de algum estado e é levado para a Corte. Neste aspecto, aqui não é bom. Qualquer um em qualquer lugar no Brasil é escolhido para o Supremo. Às vezes é escolhido um juiz. Lá (Estados Unidos) obrigatoriamente é um juiz, mas lógico que com um pensamento um pouco mais afinado com o dele (presidente americano).
Aqui basta ter um pensamento afinado com o dele (presidente), não precisa ser juiz. Temos o Luiz Fux, a Rosa Weber de juízes, mas a maioria não é. E eu acho bom nesse caso, mesmo eu sendo do quinto, que no Supremo sejam de carreira. Qualquer eleição desperta paixão e se você coloca a magistratura no meio de uma disputa eleitoral, que envolva sentimentos muito explosivos, o resultado… talvez dê certo por lá porque a cultura é muito diferente, eles têm uma forma de comportamento que consegue superar, talvez, essas paixões.
Como o presidente avalia o papel do chamado ‘lavajatismo’ no conhecido ativismo judiciário? Atrapalha o entendimento da sociedade sobre a aplicação das leis?
– Essas questões vinham ocorrendo antes mesmo da Operação Lava Jato, é um movimento que nem é brasileiro, é mundial. Nós tivemos o famoso caso do juiz espanhol Baltasar Garzón, que começou a atuar até extrapolando, como uma espécie de justiceiro e até fez sucesso, tinha todo mundo torcendo por ele. Estava realmente combatendo. Depois na Itália a Operação Mãos Limpas. Eu, por exemplo, fui um entusiasta da Lava Jato, mas chega um momento que você começa a levar isso ao extremo e acaba não dando certo. Uma situação que hoje talvez estejamos vivenciando o outro lado. Tem que coibir o que acontece no país, como os distúrbios, por exemplo. Mas se você fizer algo que como está sendo feito, de colocar pessoas em um campo de concentração, um estádio de futebol com mil e umas pessoas, é algo que é desproporcional, como na Lava Jato – não é uma questão nem de crítica pessoal, mas de bom senso. É uma questão antiga no Direito.
E o contrário são aquelas pessoas que têm visão no judiciário de que tem que não pode ficar esperando o legislador decidir e elaborar determinadas leis. Acham que o judiciário tem o dever de resolver problemas que o legislador não resolveu. Mas o legislador não resolveu porque não encontrou o consenso. Se você pegar a questão do aborto, muito recorrente, ele não consegue encontrar o consenso. A base é a sociedade, tem essa ou outra opinião. Na sociedade não tem como dizer, ‘ó, é isso’. Então, se não há consenso, não pode o judiciário chegar e definir.
Alargaram o conceito de possibilidades de aborto. Não vai ser mais só o que está previsto na lei. Como no caso dos anencéfalos. Legalmente não é possível esse aborto, mesmo detectado por essa razão. Não há uma previsão legal, mas sim jurisprudência. Isso é um caso de ativismo, o judiciário avançando em uma área onde o legislador não encontrou um consenso. Se tivesse, vamos incluir, tudo bem. Mas o judiciário começa a dar sinais, principalmente o Supremo, que quer atender essas pautas e aí, sim, para mim é ativismo e isso não é bom. Porque você começa a criar essas divisões no tecido social muito fortes que acabam desandando nessas posições extremadas.
A nova Lei de Improbidade diz que só é possível classificar como ímprobo quando fica comprovado que houve intenção expressa de causar dano. Essa nova configuração da lei atrapalha a tomada de decisões no judiciário?
– Atrapalha o combate a corrupção, e atrapalha muito. Mas se você pegar os meus julgamentos antes das mudanças, já havia muita gente que nem havendo a previsão legal explorava, no sentido técnico, essa divisão bem tênue entre dolo e culpa. Então alguns magistrados iam lá no mérito para saber se a pessoa teve ou não intenção de praticar o ato. Eu nos meus julgamentos, eu superava isso, havendo o fato era dolo e havia improbidade.
Eu acho que a lei vai dentro da tendência geral brasileira em afrouxamento das punições, em tudo, não só na corrupção, em tudo. A gente está vendo na legislação penal, na criminal, qualquer coisa é pró-bandido. Qualquer legislação solta, é a coisa mais fácil do mundo, apesar do discurso de haja excesso de presos no Brasil. Mas na verdade é uma das legislações mais frouxas, não só na no combate a corrupção. E não adianta ter legislação dura e não ser efetiva, aplicável.
Mas quando ele aplica, não é ativismo. É quando o Congresso chegou a um consenso. A gente pode até indagar… será que não fizeram em prol deles mesmos? Mas o fato é que são representantes do povo, foram votados. Aí compete ao julgador aplicar a lei, não é você que vai julgar contra. Tem magistrado que julga contra a lei, diz que é inconstitucional. Porque eles não se conformam. Tem. Mas aí vem para o tribunal, o tribunal reforma. Se não, vai para o tribunal superior e reforma. Essa é a vantagem do nosso sistema judicial, que infelizmente está se perdendo. O que oxigena, ajuda, é a possibilidade dessa dissidência acontecer lá embaixo. Mas aí vem duas, três, que pode até gerar uma mudança de jurisprudência. Agora se você engessa todo mundo, todo mundo tem que aplicar a súmula vinculante, não pode decidir diferente, vai ficar a mesma coisa e não mudar nunca.
Vossa excelência chegou a figurar em sites nacionais como defensor das ideias do presidente Jair Bolsonaro, mas já fez parte do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), que foi até taxado de esquerda patropi. Houve uma mudança de posicionamento da juventude para os dias atuais?
– Essa história é muito longa. Na minha juventude, 16, 20 anos, tive uma militância de esquerda grande. Há um desconhecimento sobre o MR-8. Ele foi, na década de 70, anterior a minha, quando houveram militantes radicais com luta armada, o próprio Fernando Gabeira, participaram de luta armada, ele foi um movimento. No meu período, nos anos 80, era um outro movimento que se aliou ao governador Quércia e o apoiou para presidente da república. Quando se fala em MR-8 já pensam ‘ah, o sujeito foi guerrilheiro’, e não é bem assim. O MR-8 que eu passei a integrar e militar foi o de 77 para 89. Não é algo assim que possa causar estranheza, que eu possa ter virado de um lado para o outro. Fiz muitos amigos e esses movimentos foram se dividindo. Meu professor de marxismo era o Franklin Martins, que foi ministro da Dilma Rousseff e que é PT. Alguns foram para o PT, eu sempre fiquei no MDB.
E chegou em 89 e eu me desiludi com a queda do Muro de Berlim. Ali caiu a ficha de muita gente, a a gente percebia que aquele movimento não ia dar em nada. Mas continuei no MDB, apoiei Ulisses Guimarães para presidente, que inclusive foi chamado de MDB autêntico.
Chegou nas eleições, o Bolsonaro era uma pessoa que nem era levada a sério. Naquele momento achei que uma boa opção fosse o João Amoedo. Não posso fazer política, mas como cidadão posso votar. Ele não foi para o segundo turno e aí se instalou o que a gente chama aqui no Brasil de que ‘você tem que fazer uma opção’ e eu optei pelo Bolsonaro. Aí veio a questão da reeleição, de novo a mesma questão, e eu achei que ele merecia uma nova administração. Foi isso que aconteceu.
Algumas pessoas aproveitam para querer tirar ilações, mas eu não me preocupo com isso. Como eu tive uma militância política, eu não me preocupo. Pode falar que eu sou bolsonarista, esquerdista. Teve época que eu era considerado radical, por usar uma barba, mas eu não sou uma pessoa que fica presa a rótulos. Modéstia a parte sou uma pessoa relativamente preparada, tenho mestrado. Tenho formação de filosofia, marxismo, leninismo, estudai bastante. Li muito lixo, mas tenho uma formação que me permite não estar nesses rótulos. ‘Ah, você é olavista’. Pegar você e reduzir, eu que estudei os clássicos, vou ficar resumido a ser olavista? É um autor interessante de ler, mas é um autor de livro de bolso. Que você lê em um voo. É falta de noção mesmo, mas se quiser falar, pode falar. Não me incomoda.
E por falar em literatura, vossa excelência acredita que esse contato o ajudou com a magistratura? Até porque o senhor é imortal da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
– Meu pai é juiz de carreira, fez concurso e desde novinho acompanhava ele, mais por curiosidade. Embora eu nunca tenha optado por fazer o concurso, achava antes a carreira muito dura, para começar uma carreira como ele. Eu na época morava no Rio de Janeiro, queria advogar, dar aula, gostava de política. Quando surgiu a oportunidade de vir para o Tribunal, eu costumava dizer que aquela experiência que eu achava pesada, do meu pai, que poderia até ser um castigo para alguns.
Eu uso a expressão ‘foram me jogar no fogo e me jogaram na água’. Isso porque eu entrei nadando. As coisas fluíram muito naturalmente. Mesmo sendo um bom cargo, tem gente que mesmo fazendo concurso, passando, vive a magistratura de maneira que se reflete até nas decisões. Vive com certa angústia. E eu, como fruto da experiência da vida, vi tudo saindo com alegria, com fluidez. Mesmo nas coisas difíceis. Talvez seja por isso. Não faço decisão em versos, não sei se vocês já viram. Mas a fluidez que aconteceu vem da minha história. Evidentemente em conjunto com a literatura, que sempre gostei. Antes eu escrevia mais e publicava. Tenho que me policiar, se eu for publicar tudo o que eu quero… talvez depois de aposentado.
Taxas cartorárias
A reformulação das taxas cartorárias será reapresentada na Assembleia? Por que o presidente acha que houve resistência e elas ainda não foram provadas?
– Tem vários pontos controvertidos. A Anoreg (Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso do Sul) foi a favor, recebi deles todo o apoio. A resistência veio basicamente da Fiems (Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul) e aí fizeram uma espécie de pressão, cobrança e a Assembleia Legislativa não avançou na aprovação do projeto. E tem vários meandros aí. O projeto de lei nós elaboramos quando eu era corregedor, era de emolumentos, que as pessoas tratam como taxas cartorárias. São custas pagas quando se praticam atos extrajudiciais nos cartórios. Esse reajuste não acontece desde 2007, elas estão congeladas. Nós fizemos um levantamento viajando todas as comarcas vendo as instalações. Alguns eram uma birosquinha, que atendem o registro de nascimento, casamento, de utilidade pública e que são atos que são gratuitos. Se mantém, de vez em quando fazendo uma escritura. São uma, duas, por mês e um ou outro ato. Os da vida civil o poder público paga.
Então não é possível, e é preciso ter bom senso, de aplicar um corte linear de 30%. Foram cerca de 9 meses, nos reunimos com os representantes da sociedade, inclusive a Fiems, e conversamos, fizemos audiência e chegamois a um projeto de consenso, com, diminuição média de 20%, com os poderes todos abrindo mão de uma parcela. Isso foi aprovado no órgão especial do Tribunal, foi para a assembleia e veio essa conversa de 30%.
Nosso compromisso é reapresentar esse projeto e outro, das custas judiciais, para aprofundar os estudos acerca do impacto da proposta. Vamos reavaliar os projetos, mas nosso compromisso é encaminhá-los a Assembleia.
Confira a entrevista completa com o presidente do TJMS:
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