Índios e ruralistas seguem a viver incertezas em Caarapó

Oito meses após o mortal ataque armado contra índios da Aldeia Te' Ýikuê, em Caarapó, a 273 quilômetros de Campo Grande, a situação fundiária daquela localidade continua envolta a incertezas. Processos ajuizados na Justiça Federal de por fazendeiros da região que tentam barrar processos de demarcação da Funai (Fundação Nacional do Índio) têm resultado em decisões que deixam propriedades rurais próximas umas das outras livre ou não dos estudos antropológicos que podem resultar em desapropriação.

O centro da polêmica é uma assinatura do ex-presidente da Funai, João Pedro, feita na manhã de do dia 12 de maio de 2016 em Brasília, Distrito Federal, aprovando o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I. Trata-se de 55.590 hectares incidentes em parte dos municípios de Caarapó, Laguna Carapã e Amambai, que segundo a Fundaçaõ “é tradicionalmente ocupada pelo povo Guarani Kaiowá”.

ATAQUE MORTAL

Foi para cobrar a posse de parte dessa extensão territorial que índios da Aldeia Te' Ýikuê ocuparam a fazenda Ivú em junho do ano passado. No dia 14 daquele mês, um grupo de ruralistas fortemente armado os atacou, conforme a denúncia apresentada pelo MPF (Ministério Público Federal) que chegou a resultar na prisão de quatro fazendeiros pela morte do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 23 anos, baleado naquele ataque.

Sobreviveram ao violento ataque que começou por volta das 10 horas Catalina Rodrigues, Libesio Marques Daniel, de 43 anos, Valdívio Garcia, de 26 anos, Jesus de Souza, de 29 anos, Norivaldo Mendes, de 37 anos e um adolescente de 12 anos. O inquérito da PF (Polícia Federal) mostrou que as vítimas foram atingidas por disparos de arma de fogo, tiros que atingiram principalmente tórax e abdômen.

Esse caso inflamou ainda mais os ânimos na região. A Força Nacional de Segurança chegou a ser enviada para Caarapó, mas não impediu que outras propriedades além da fazenda Ivú fossem ocupadas. Aos ruralistas, restou procurar a Justiça para tentar barrar os procedimentos demarcatórios encampados pela Funai.

DEMARCAÇÃO CONTINUA

Deusmar Rodrigues dos Santos e Madalena Batista dos Santos, proprietários dos sítios São José e Santa Helena, ingressaram na 2ª Vara Federal de Dourados contra o procedimento de demarcação da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I coordenado pelo antropólogo Levi Marques Pereira, designado pela Funai, que concluiu fazerem parte da área indígena essas duas propriedades.

Em trecho do processo ao qual o Jornal Midiamax teve acesso, os proprietários rurais alegaram “que o laudo antropológico apresentado pelo grupo técnico é inconsistente e que a Funai tem conduzido o processo demarcatório de terras indígenas de modo parcial, ‘movida por vertentes ideológicas indigenistas que transbordam os limites institucionais de defesa do índio conferido pela constituição', em desarmonia com o princípio da legalidade, ampla defesa e contraditório, inclusive se negando franquear aos representantes dos autores o acesso aos autos do procedimento administrativo”.

No entanto, no dia 13 passado o juiz responsável pela demanda indeferiu a tutela de urgência pleiteada pela parte autora. “Ao contrário do que defende a parte autora, entendo que o procedimento de identificação e demarcação deve prosseguir, observado o devido processo legal, a fim de que, reconhecida ou não a área como terra indígena, se possa divisar no horizonte solução para os conflitos agrários na região, cessando o estado de incerteza jurídica que aflige tanto os povos indígenas quanto os particulares em nome de quem os imóveis rurais estão registrados no cartório de registro imobiliário”, pontuou o magistrado em seu despacho.

FUNAI BARRADA

Resultado diferente teve Antônio Carlos Gimenes Bertipaglia, que ingressou com ação na 1ª Vara Federal de Dourados também contra a Funai “objetivando, em sede de tutela provisória, a suspensão do processo administrativo nº 08620.038398/2014-75, instaurado pela FUNAI para demarcação de terras indígenas”. O magistrado responsável pelo caso deferiu a antecipação de tutela pleiteada pelo proprietário da fazenda no dia 17 de fevereiro.

Ele alegou ser pequeno produtor, proprietário de 111 hectares da Fazenda Santo Antônio, inserida em área objeto de estudos demarcatórios de terras indígenas encampados pela Funai. “Salienta que a propriedade foi adquirida por intermédio de título definitivo, quando foram estritamente as exigências legais vigentes à época. Informa que nunca houve relato de ocupação indígena no local e que a terra é cultivada e utilizada por não-índios há, pelo menos, 65 anos”, consta em trecho do processo.