Justiça suspende reforma agrária em Mato Grosso do Sul
Investigação descobriu esquema de venda de lotes e fraudes na escolha de fornecedores de produtos e serviços; em cinco anos, contratos sem fiscalização movimentaram R$ 200 milhões.
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Investigação descobriu esquema de venda de lotes e fraudes na escolha de fornecedores de produtos e serviços; em cinco anos, contratos sem fiscalização movimentaram R$ 200 milhões.
A Justiça deferiu pedido do Ministério Público Federal (MPF) em Dourados e determinou, por meio de liminar, a suspensão de todos os processos de aquisição e desapropriação de imóveis para reforma agrária em Mato Grosso do Sul.
Eles só serão retomados quando o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fizer o levantamento ocupacional de todos os lotes no sul do estado, identificando aqueles ocupados irregularmente, e iniciar a retomada desses lotes.
O levantamento deve começar imediatamente, e abranger os municípios de Anaurilândia, Japorã, Tacuru, Juti, Paranhos, Iguatemi, Ponta Porã, Naviraí, Taquarussú e Itaquiraí, sob pena de multa diária de dez mil reais.
A decisão, de 13 de janeiro, é resultado dos processos ajuizados em 2010 pelo MPF a partir da Operação Tellus, que desvendou um esquema de fraudes na reforma agrária em Mato Grosso do Sul. O esquema tinha a participação de servidores municipais e do Incra e ainda de líderes de acampamentos e movimentos sociais. 20 pessoas foram presas. A decisão afirma que as desapropriações “parecem ser totalmente desnecessárias, na medida em que há um total descontrole das pessoas que estão ocupando os lotes da reforma agrária (e eles) poderão ser destinados àqueles que estão regularmente cadastrados”.
O MPF conseguiu ainda a determinação para que o Incra adote a Lei de Licitações (Lei nº 8666/93) nos gastos com instalação dos assentados. Entre 2005 e 2010, foram liberados mais de 198 milhões de reais em financiamentos para compra de insumos básicos e construção de casas nos assentamentos de Mato Grosso do Sul. Investigação confirmou que os valores eram liberados sem qualquer fiscalização por parte do Incra, o que permitiu que a organização criminosa desviasse valores e direcionasse o fornecimento de produtos e serviços para empresas específicas, que também faziam parte do esquema.
O Incra deve ainda adotar lista única de candidatos à reforma agrária, por assentamento; criar comissões para a fiscalização da contratação de fornecimento de produtos e serviços e dar ampla divulgação dos recursos liberados e aplicados. A Justiça deu prazo de 45 dias para a implementação das medidas. A multa diária para o descumprimento da ordem judicial é de dez mil reais.
Cópias dos autos serão encaminhadas à Secretaria de Controle Externo de Mato Grosso do Sul solicitando apuração de desvio de dinheiro público e irregularidades na reforma agrária. Os autos também serão encaminhados à Controladoria Geral da União, solicitando instauração de auditoria no Incra/MS.
Investigações
A investigação do Ministério Público Federal iniciou em 2008 por quatro assentamentos – Itaquiraí, Foz do Amambai, Santo Antônio e Caurey – , que foram implementados na área da antiga Fazenda Santo Antônio, em Itaquiraí, sul do estado. A fazenda, de 16.926 hectares, foi desapropriada pelo Incra por R$ 130 milhões, e desmembrada em 1236 lotes. O procedimento correto seria o sorteio dos lotes pela relação de beneficiários, que haviam feito inscrição prévia.
O MPF constatou que não houve sorteio mas sim distribuição dirigida, em dezembro de 2008, no qual os líderes dos acampamentos, dos movimentos sociais (CUT, Fetagri, FAF e MST) e suas famílias ficavam com os melhores lotes, próximos às rodovias e junto à antiga sede da fazenda. Vistoria comprovou que, dos 1236 lotes, 497 eram ocupados por pessoas que não constavam da relação do Incra. Já 425 candidatos relacionados foram desconsiderados. O Incra apenas acatou as indicações dos movimentos sociais, homologando o resultado do “sorteio”.
Foi constatado ainda participação ativa de funcionários do Incra, à época, na venda e regularização de lotes ocupados ilegalmente, através da emissão de documentos falsos. Há indícios de que assentamentos eram criados apenas para que houvesse a possibilidade de fraudes.
O desvio da verba que seria utilizada inicialmente pelos assentados baseava-se na omissão do Incra quanto à fiscalização dos contratos de fornecimento de serviços e produtos. Os contratos eram celebrados diretamente entre as associações de assentados e as empresas, sem licitação ou através de concorrência fraudada. A participação da autarquia se restringia à liberação dos valores, sem qualquer fiscalização sobre sua aplicação. Somente em cinco anos (2005 a 2010), foram liberados R$ 198.129.576,87 em créditos para assentados em Mato Grosso do Sul. O dinheiro obtido ilicitamente era “lavado” na compra de imóveis, carros e outros bens.
O crédito concedido aos assentados pelo Incra, e não cobrado, já era apontado em 2007 pelo Tribunal de Contas da União como um problema nacional. Naquele ano, a dívida dos parceleiros em todo o país chegava a R$ 6.924.669.502,34, sem qualquer previsão normativa para a cobrança de tal dívida.
O MPF aguarda os dados de sigilo bancário para oferecimento de denúncia contra os envolvidos nas fraudes.
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