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Política

Como assassinato de Dorcelina Folador há 25 anos ainda se entrelaça com política em MS

Mulheres conseguiram ocupar mais espaços na política nas últimas décadas, mas representação ainda é desigual e marcada por violência de gênero
Thalya Godoy -
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Mato Grosso do Sul elegeu 13 prefeitas em 2024, mas precisa avançar em protagonismo feminino na política. (Giovana Gabrielle, Jornal Midiamax)

Era noite de sábado, em 30 de outubro de 1999, quando a prefeita de Mundo Novo, Dorcelina Folador, foi morta com seis tiros na varanda de casa, aos 36 anos de idade. Já era madrugada de 29 de setembro de 2024, quando a casa da então prefeita de Jardim, Clediane Areco Matzenbacher (PP), foi alvejada com cinco tiros. O atentado ocorreu uma semana antes das eleições municipais. 

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Dorcelina foi morta a mando do seu ex-secretário municipal de Agricultura, Jusmar Martins da Silva, que foi exonerado no início da gestão. Investigações da PCMS (Polícia Civil de Mato Grosso do Sul), até o momento, apontam que o atentado contra a prefeita de Jardim, que não foi reeleita em 2024, também foi a mando de uma pessoa próxima a ela.

Já em 2025, a casa da prefeita de Coronel Sapucaia, Niágara Kraievski (PP), também foi alvo de atentado, com 15 tiros de arma de fogo. O caso aconteceu apenas três dias após a posse da nova chefe do executivo. 

Os casos recentes e de Dorcelina estão separados por 25 anos no tempo, mas o cenário político para as mulheres no fim da década de 90 e nos dias atuais compartilham semelhanças. Ainda é, predominantemente, masculino e, em alguns casos, extremamente hostil. 

Dados da CNM (Confederação Nacional dos Municípios) apontam que mais de 60% das prefeitas e vice-prefeitas afirmam que já sofreram algum tipo de violência política de gênero durante a campanha ou mandato. Há uma morosidade para que ocorram as condenações mesmo com números expressivos de casos.

O Relatório “Monitor da Violência Política de Gênero e Raça” indicou que o Brasil teve apenas duas sentenças de condenação pelo crime de violência política de gênero três anos após a criação da Lei 14.192/21, nenhuma delas transitada em julgado, entre 2021 e 2023.

Esta é a quarta matéria de uma série de reportagens especiais produzidas pelo Midiamax para o Dia das Mulheres.

Lembrar para não esquecer

Mesmo sendo mais do que a metade do eleitorado em Mato Grosso do Sul há pelo menos 10 anos, apenas 16,45% dos 79 municípios têm uma mulher à frente da prefeitura. 

Dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que foram 41 candidatas a prefeituras em Mato Grosso do Sul em 2020, enquanto no ano passado o número caiu para 39. O volume de homens candidatos também diminuiu, mas continua cinco vezes maior em comparação com elas. Foram 263 candidatos há quatro anos e 195 em 2024.

O cenário não é completamente animador, mas Mato Grosso do Sul dobrou o número de prefeitas eleitas, passando de 6, em 2020, para 13, em 2024. Antes delas, vieram outras que abriram os caminhos na política para as mulheres em Mato Grosso do Sul. 

Nas primeiras eleições diretas após o Golpe Militar de 1964, duas mulheres foram eleitas como prefeitas em Mato Grosso do Sul, em 1982: Neuza Paulino Maia, em , e Marieta Pereira de Souza, em Angélica. 

Após abrirem caminho para que mais mulheres almejassem concorrer para ocupar um cargo na política institucional, outras políticas também conquistaram a cadeira de chefe do executivo. 

Dorcelina Folador: professora, militante e PCD

Entre elas está Dorcelina Folador, que foi uma professora PCD, artista e militante da reforma agrária. Natural de Guaporema, no Paraná, chegou a Mato Grosso do Sul em 1987. Na infância, contraiu poliomielite, o que a deixou com uma deficiência na perna esquerda. 

Foi uma das fundadoras do PT em Mundo Novo em 1987 e, quase uma década depois, foi eleita como prefeita com 46% dos votos válidos, em 1996. A posse veio no ano seguinte, em 1997, e com ela a exoneração de vários suspeitos de integrar uma máfia política. 

Em um vídeo postado no YouTube em que faz um balanço da administração em 1999, Dorcelina Folador faz críticas às gestões anteriores e promessas sobre um “governo popular e participativo”. Na época, a administração já havia implantado uma “Bolsa Escola” em que os alunos com pais desempregados recebiam um auxílio financeiro.

Na primeira etapa, 100 famílias e cerca de 220 alunos de 7 a 14 anos teriam sido contemplados. Professora, Dorcelina teria a educação como uma das prioridades. O Governo Federal só implantou o mesmo programa em todo Brasil dois anos depois, em 2001, no fim da gestão de FHC (Fernando Henrique Cardoso).

“Construir a cidadania do nosso povo com projetos cidadãos e progressistas, tanto na área urbana e rural. Os painés prestando contas na ruas demonstram a seriedade do governo. É o seu imposto sendo aplicado em melhorias”, declarou no vídeo.

As primeiras prefeitas

prefeituras
Prefeitas eleitas em 2024 em MS. (Reprodução, TSE)

A história de Dorcelina Folador não morreu naquele fim de outubro de 1999, antes da chegada dos anos 2000. Virou nome de rua, escola e ainda se entrelaça com a vida de mulheres que atuam na política em Mato Grosso do Sul nos dias atuais.

Algumas compartilham semelhanças, como sendo a primeira mulher eleita como prefeita da cidade pelo voto popular. Do outro lado, também vieram da militância de alguma área, como a educação. Contudo, a maioria tem consciência sobre o cenário de violência de gênero a que estão expostas.

Uma fala machista, uma comparação descabida de um colega, um comentário sobre aparência e, nos casos mais violentos, até atentados marcam a carreira delas. Eventualmente, a maioria delas narra que a política foi “acontecendo” na vida, às vezes pelo incentivo do marido, ou por vontade própria de “fazer mudanças”.

Além da jornada em frente à prefeitura, na conversa com o povo, entre reuniões e planos de trabalho, elas conciliam uma rotina dupla com a vida pessoal entre casa, marido, filhos e familiares.

Quem são as 13 novas prefeitas em Mato Grosso do Sul?
  • Água Clara: Gerolina ()
  • Aral Moreira: Dra. Elaine (MDB)
  • : Wanderleia Caravina (PSDB)
  • Bodoquena: Girleide (MDB)
  • Brasilândia: Marcia Amaral (PSDB)
  • Caarapó: Professora Lurdes (PL)
  • Campo Grande: Adriane Lopes (PP)
  • Coronel Sapucaia: Niágara Kraievski (PP)
  • Douradina: Nair Branti (PSD)
  • Eldorado: Fabiana (PP)
  • Jateí: Cileide Cabral (PSDB)
  • Mundo Novo: Rosária (PSDB)
  • Sonora: Clarice (MDB)

O que dizem as novas prefeitas?

O Midiamax entrou em contato com as 13 prefeitas de Mato Grosso do Sul, seja por mensagem ou e-mail, e fez algumas perguntas a cada uma. Como foi a trajetória na política e se, em algum momento, pensou em desistir? E como avalia a responsabilidade e representatividade do cargo que ocupa?

Confira a resposta pessoal de cada uma das prefeitas:

Wanderleia Caravina (PSDB) – Bataguassu: 

“Minha vida política se iniciou com a eleição de meu marido como prefeito de Bataguassu, quando ao lado dele, como primeira dama, onde sem exercer cargo público, passei a auxiliá-lo na administração municipal, em especial na área de assistência social.

Agora a vida política efetivamente se iniciou com minha eleição a prefeita do município, que entendo ser uma missão que assumi com o objetivo de mais uma vez trabalhar em favor da população de Bataguassu.

A responsabilidade do cargo de prefeita é muito grande, principalmente diante da grande expectativa da população de Bataguassu por melhoria da qualidade de vida.

Entendo que, no nosso caso, por ser a primeira mulher a exercer esse cargo no município, essa responsabilidade é ainda maior, já que a mulher naturalmente sempre precisa provar a todo tempo sua capacidade de executar ações, que até pouco tempo era exclusiva dos homens. 

Entendo que exercer esse cargo, traz uma carga de representatividade muito grande em especial em relação às mulheres, que na maioria das vezes não tem oportunidade de assumir funções de comando quer seja na administração pública ou privada.” 

Professora Lurdes (PL) – Caarapó

“Entrei na política por vontade de fazer muitas mudanças na vida das pessoas e por realmente entender que tudo depende muito da política. Juntamente com um grupo de amigos com a mesma vontade minha me fizeram acreditar que poderia pleitear um cargo no executivo para termos êxito. 

Estou muito focada e preocupada com toda a demanda e a responsabilidade de fazer acontecer. Mas tenho certeza que vamos fazer uma administração humana e justa para todos. Nunca fui da política, mas aceitei o desafio, enfrento dificuldades, sim, preconceito por ser mulher. 

Já vi falas em rede social dizendo ‘A mulher é fraca e devagar’. A cobrança é muito maior, mas a nossa vontade de fazer acontece da maneira correta supera qualquer comentário  maldoso. Tenho esposo filhos e agora em maio serei avó.

Uma alegria muito grande, me sinto realizada com minha família. Tenho apoio deles, me sinto muito honrada em ser a primeira mulher eleita para o executivo de Caarapó. Ao mesmo tempo, uma responsabilidade imensa de fazer um mandato com muitas entregas  para a população. Tenho certeza que Deus tem um propósito muito bom para Caarapó, ele está somente me usando para isso acontecer. Estou pronta, meu Senhor.” 

Girleide (MDB) – Bodoquena

“Comecei minha vida trabalhando e ministrando cursos de artesanato, fui secretária de assistência social, chefe de gabinete e também trabalhei na Câmara Municipal. Disputei minha primeira eleição há 8 anos e não obtivemos sucesso.

Mas de lá para cá, as pessoas sempre me procuravam para não deixar a política e acreditavam que eu era capaz de contribuir com o município. Então fomos construindo esse projeto para chegar hoje sendo a primeira mulher eleita prefeita de Bodoquena, com uma votação muito expressiva.

A política foi acontecendo na minha vida, eu nunca pedi para Deus que queria ser prefeita, sempre pedi para que fosse feita a vontade Dele. Eu acredito que por meio da política podemos melhorar a vida das pessoas, cuidar de gente e ter uma gestão humanizada, buscando olhar a dor da população e deixar um legado de que é possível construir a boa política.

Eu acredito que nós mulheres vamos crescer ainda mais na representatividade política. A prova de que a mulher é tão especial é a maternidade, o gerar uma vida. Imagina só esse amor todo, carinho, afeto e responsabilidade na política, essa sensibilidade feminina faz a diferença.

Ser prefeita é uma responsabilidade e tanto, me lembro de cada olhar, de cada criança, idoso que brilhava o olho acreditando que podemos representar muito bem a população. Isso me lembro todos os dias quando sento na cadeira em meu gabinete.” 

Gerolina (PSDB) – Água Clara

“Ao chegar em Água Clara no ano de 1997 em busca de sonhos e esperanças, percebi que somente através do conhecimento poderia mudar minha vida, pois até então era uma simples lavradora que trabalhava na lavoura de abacaxis no interior Estado São Paulo. 

Assim, comecei a trabalhar como faxineira no Fórum local e estudei Pedagogia na UFMS Três Lagoas, ato contínuo passei no concurso público onde atuei como professora, coordenadora e diretora de escola municipal. Exerci também a função de Secretária Municipal de Educação.

Em 2016, fui eleita a vereadora mais bem votada e em 2020 fui eleita prefeita, sendo a primeira mulher administrar a cidade, reeleita em 2024 com 74,8 % dos votos. 

Nunca foi nada, fácil enfrentei preconceito na Câmara Municipal como vereadora, eis que o grupo político até então dominante não aceitava minha atuação política e tentaram por diversas formas atrapalhar meu trabalho. Sempre acreditei que a perseverança e dedicação supera qualquer dificuldade ou obstáculo.

O que sempre me motivou a continuar na vida política é a passibilidade de transformar a vida das pessoas e contribuir para o bem comum! E acima de tudo afirmar que uma mulher mesmo tendo origem bem humilde, é possível ser e exercer o que ela quiser ser.”

Clarice (MDB) – Sonora

“É um desafio enorme, mas saber conciliar ser mãe, esposa, avó, administradora e empresária, prefeita e cuidar dos amigos são detalhes que uma mulher faz de tudo para não perder a essência e lembrar de Deus todos os momentos. 

Sou detalhista e me cobro o tempo todo, principalmente com a família, sempre lembro de abençoar meus filhos. Tenho pessoas maravilhosas junto comigo na administração e isso faz a diferença, todos envolvidos na boa gestão

Desistir é algo que não tem no meu vocabulário e sim conquista. As mulheres estão conquistando esse espaço político e mostrando a força feminina, estou muito orgulhosa e feliz de ver o respeito que os parlamentares tem demonstrado com a mulher, não somos concorrentes e sim parceiras, o objetivo de todos são melhorias para os municípios.” 

Cileide Cabral (PSDB) – Jateí

“Minha carreira política começou aos 14 anos quando ingressei na carreira profissional, fiz o meu trabalho na Prefeitura, mandato de vereadora, secretária de Saúde, vice-prefeita e hoje prefeita. 

Dificuldade sempre encontra, nunca pensei em desistir porque sempre trabalhei para as políticas de atendimento para transformar a vida das pessoas. A responsabilidade dentro da Gestão Municipal é grande, acredito na minha determinação, compromisso de continuar fazendo aquilo que o cidadão espera, que o município se destaca no crescimento econômico e como aplicando os recursos de forma transparente.” 

Fabiana (PP) – Eldorado

“Minha carreira política teve início na época em que atuava como professora, em meados de 2012, e na qual os próprios alunos e comunidade escolar me incentivaram a ser candidata a vereadora, em razão da minha facilidade de lidar com o público. 

A partir daí, com o apoio dos jovens, aceitei o convite e sai a campo para ouvir a população e entender melhor a função de vereadora. Depois disso, tomei gosto pela vida política…ouvir o outro, entender sua necessidade, lutar pelos direitos, buscar melhorias! 

Durante esta trajetória não pensei em desistir, pois sou uma mulher decidida, determinada, corajosa e busco de todo meu coração atender a população, de modo que minha motivação está justamente nisso, sou uma apaixonada pela política e pelas inúmeras possibilidades de ajudar na construção de um mundo melhor.

Qualquer cargo político exige da pessoa eleita comprometimento e trabalho duro e na posição em que estou considero que os desafios são gigantes. Entretanto, minha trajetória política como vereadora e vice-prefeita trouxeram vasta experiência para o cargo atual de prefeita. 

Tenho uma grande preocupação em incluir outras mulheres em posições estratégicas, colocando-as não só na posição de líderes, mas em todos os segmentos a fim de alcançarmos a igualdade de gênero.

Acredito que a maior responsabilidade esteja justamente em saber comandar os diversos talentos de nossos servidores, unindo homens e mulheres na construção de uma cidade melhor. É saber avaliar as necessidades da população e com um olhar clínico, criterioso e gentil encontrar as melhores soluções para nosso povo. 

As mulheres já conquistaram um grande espaço político, mas ainda há muito a se conquistar e pretendo estar entre as mulheres que fizeram a diferença no nosso Estado e País, incentivando e apoiando outras mulheres que assim como eu não se acovardam diante das dificuldades.”

Nair Branti (PSD) – Douradina

“[Iniciei minha carreira na política] na época da secretária de promoção social entre 1993 a 1996 devido ao trabalho que realizei na frente da pasta. Em 2000, seria meu esposo o candidato a prefeito do nosso município, já havia até escolhido a chapa dos pré-candidatos!

Devido ele ter passado uma cirurgia de ponto safena e não pode retornar, foi aí que a equipe indicou meu nome para substituí-lo. Em 2000, disputei e me elegi como primeiro mandato de 2001 a 2004, depois fui para reeleição de 2005 a 2008 como candidata única.

Me sinto grata e abençoada por Deus, pois é uma responsabilidade gigantesca. Também fico feliz por representar o meu município de um povo humilde, honesto e batalhador! Deus é bom o tempo todo, o tempo todo Deus é bom. Gratidão.”

Leia as outras matérias da série de reportagens do Midiamax para o Dia da Mulher:

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