O fim de semana acabara de virar em 30 de abril de 2022, quando dois motociclistas dispararam contra um adolescente, com 16 anos na época, e um amigo dele, com seus 20 anos, no Loteamento Rancho Alegre, em Campo Grande. Na época, os moradores proferiam poucas palavras sobre o caso. Hoje, quase dois anos após, o silêncio ainda impera.

A tentativa de homicídio ocorreu durante a madrugada de um sábado. Horas depois, uma equipe do Jornal Midiamax esteve no cruzamento entre as Ruas Poente com a Jurebeba, ponto exato onde os amigos foram baleados.

Dois ocupantes de um carro desceram e dispararam contra os alvos, que correram para se proteger. O adolescente foi atingido no pescoço e o amigo na perna e nas partes íntimas. Eles escaparam da execução, foram socorridos por familiares e levados à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Coophavilla II.

“Nesse lugar é bom ficar de boca fechada, porque em boca fechada não entra mosquito. O negócio tá ficando feio, ainda mais para gente que tem filho”. Essa frase, dita por uma testemunha, ilustrou com precisão o medo dos moradores após o crime.

Quase dois anos de um luto silencioso se passaram, mas a dor de quem convive com a criminalidade ainda é tímida, quieta e compartilhada apenas com o “eu” interior. Quem mora há mais tempo na região já aprendeu a viver em silêncio para manter “a boa vizinhança”, e usa de estratégias para evitar o pior.

Portão atingido por disparos: em 2022 x 2024 – (Foto: Stephanie Dias, Henrique Arakaki)

“O pessoal mais antigo não tem problema. Então, talvez a gente troca de rua, não vem nessa. Vai nessa daqui, porque essa aqui é a boa”.

Mas quem tem medo, tem medo de quê?

Esse foi um dos questionamentos que nossa equipe fez a alguns populares. “Assalto e principalmente problemas com drogas, né? Essa rua aqui possui muitas bocas de fumo. Aí da esquina é uma, mas foi preso”, contou um dos moradores. “Medo, medo, eu não tenho. O que fica é o preconceito, né? Do que pode acontecer com a gente a qualquer hora”, debate.

O morador conta recordar da tentativa de execução, mas prefere não dar muitos detalhes a não ser “não vi nada, pois estava dormindo” e, segundo ele, mesmo dois anos depois, “todo mundo não quer abrir a boca pra falar, né? Tem medo das consequências”. Questionado se aceitaria dar uma entrevista em vídeo, sem nenhuma identificação, confirmou o silêncio. “Acho que agora vou ficar quieto. Bem quieto”.

Em 2022: Parede atingida pelos disparos – (Foto: Stephanie Dias, Arquivo)

Um outro comerciante do local contou que nunca teve problemas na região. “Eles passam, pedem dinheiro, pede ajuda e eu às vezes dou, então acho que isso faz com que ‘eles’ não mexam aqui no meu comércio”, explica. Também foi perguntado se cederia uma entrevista em vídeo para nossa equipe. A resposta não foi diferente da mesma. “Assim, se eles verem vocês aqui, já vão ficar de alerta. Se verem gravando, então”, disse, sem dar maiores detalhes.

A equipe de reportagem esteve pela região nesses quase dois anos após a tentativa de execução e recebeu alguns olhares curiosos de quem estava por lá. A sensação que fica é de que cada passo é detalhadamente observado de longe por quem convive diariamente com a criminalidade.

Um homem, que trabalhava na região, arriscou-se e mudou um pouco do discurso que acaba em silêncio. Ao ver a nossa equipe, demonstrou um espanto acrescido de uma conformidade. “Morreu alguém, né? Tem até sangue aqui no chão”, disse, apontando para uma mancha não identificada.

E não, não tinha morrido ninguém dessa vez que o Midiamax esteve por lá. Foi breve após ser informado sobre o real motivo da equipe estar lá. “Se estivesse trabalhando, não aconteceria essas coisas”.

Vício é doença

É importante um olhar sensível para quem convive com o vício na região. A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a dependência em drogas, ou vício, como uma doença que traz males para o organismo e para toda a sociedade.

Em Campo Grande, a SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social), por meio da Proteção Social Básica, realiza ações socioeducativas, como campanhas, palestras, filmes, debates, projetos de sensibilização, encaminhamento para o CadÚnico (Cadastro Único), dentre outras, para prevenir situações de vulnerabilidade social, como o uso de drogas. “Sua principal estratégia é a oferta territorializada de serviços socioassistenciais organizada em torno do Centro de Referência de Assistência Social”, informa em nota.

Vício em drogas é considerado doença pela OMS – (Foto: Henrique Arakaki)

Conforme divulgado, o serviço de Proteção Social Básica, nos atendimentos e acompanhamentos às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e ou risco social associadas ao consumo de álcool e outras drogas, também realiza orientações preventivas sobre uso de álcool ou outras drogas na família, encaminhamentos para acesso à documentação básica, acompanhamento dessas famílias no território e até a identificação de situações de abuso e dependência de drogas, sensibilização para tratamento e encaminhamentos à rede de saúde.

É importante reforçar que o atendimento da SAS é voltado para pessoas em situação de rua. A Secretaria atua através Superintendência de Proteção Social Especial e da Gerência de Média Complexidade com o Seas (Serviço Especializado em Abordagem Social), que é realizado por equipes especializadas que percorrem o território identificando com pessoas em situação de rua, oferecendo apoio e encaminhamento para serviços como abrigos, saúde e assistência social.

“O SEAS desempenha um papel crucial no apoio aos dependentes químicos nos bairros, oferecendo uma abordagem abrangente que inclui identificação, encaminhamento, apoio e educação”, finaliza a Secretaria.

A reportagem entrou em contato com a PM (Polícia Militar) para apurar as ações de policiamento no local, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.