Um mês após morte de Sophia, familiares fazem protesto nos Altos da Afonso Pena
Pai e padrasto de Sofia pedem para que caso não caia no esquecimento
Ranziel Oliveira, Danielle Errobidarte –
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Enquanto estava sentada em uma barraquinha de água de coco, em frente ao Aquário do Pantanal, uma mulher que se identificou apenas como Sarah, de 42 anos, reconheceu Jean Carlos Ocampo, pai de Sofia – morta e estuprada pela mãe e o padrasto há um mês, no dia 26 de janeiro – e pediu para dar um abraço nele. Familiares fazem um protesto na tarde deste domingo (26) em frente ao Aquário do Pantanal, onde Jean planejava levar a filha.
“Nós queríamos trazer ela aqui [no Aquário], mas não deu tempo. É por isso que estamos aqui hoje, completa um mês que ela foi assassinada. Estou anestesiado, a base de remédio, mas hoje será uma manifestação pacífica. É difícil, a cada dia que passa a saudade aumenta mais”, desabafa.
Jean e o marido, Higor de Andrade, de 28 anos, tinham uma tatuagem em homenagem à Sofia. Após sua morte, eles acrescentaram asas de anjo e auréola. “Sabemos que conforme novos casos vão surgindo, os outros caem no esquecimento, e nós não queremos deixar isso acontecer. Estamos transformando nosso luto em luta”, afirma Higor.
Higor ainda disse acreditar na omissão de parte dos órgãos públicos na assistência de Sofia. “A nossa filha chegou vomitando, com a perna quebrada no posto, com todos os indícios de maus tratos. Quem foi omisso tem que ser responsabilizado”, pede.
Enquanto isso, Sarah olhava de longe a manifestação e, mesmo que não tenha sido essa sua intenção ao ir até os Altos da Afonso Pena nesta tarde, ela aproveitou para se solidarizar com a família. “Pelo que eu fiquei sabendo eles [o pai e o padrasto] fizeram muita coisa e a Justiça não agiu, talvez por serem homossexuais foram discriminados. Já trabalhei no Fórum de Dourados e sei como a Justiça funciona em algumas situações. Me comovi porque tenho uma filha de 9 anos, que também chama Sofia”, relata.
A tia de Higor, Maria de Fátima da Silva, de 58 anos, disse ter acompanhado a luta do sobrinho pela guarda de Sofia. “Não foram na casa deles para ver que as condições eram melhores que na casa da mãe. Eles tinham tudo pronto para receber a menina. Se fosse o contrário, eu tenho certeza que a polícia estaria na porta”, opina Maria em relação às autoridades que acompanharam o caso.
O protesto segue com cartazes, balões pretos e gritos de ordem. Segundo explicado por Jean, cada um colocará um laço preto no pulso e devem gritar “justiça por Sofia!”.
Relembre o caso
Sophia, uma menininha de apenas dois anos de idade, deu entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Coronel Antonino em 26 de janeiro com sinais de estupro. Segundo investigações, a criança já estava morta a pelo menos quatro horas quando a mãe levou a bebê ao local. A criança chegou à UPA com sinais de rigidez, com hematomas por todo o corpo e sangramento pela boca. Em exames feitos pelas médicas, também foram constatados sinais de estupro.
30 atendimentos médicos
A criança já tinha em seu histórico médico o registro de 30 atendimentos feitos e, em um deles, a menina havia fraturado a tíbia. A mãe respondia por maus-tratos.
Assim, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) confirmou relatos de vômito, febre e também ossos quebrados nos atendimentos feitos à menina. Porém, nada foi relatado às autoridades.
O pai da criança, um enfermeiro que trabalha na Capital, relatou que já tinha registrado dois boletins de ocorrência contra a mãe da menina. Os registros dos boletins de ocorrência foram no dia 31 de dezembro de 2021 e 22 de novembro de 2022, na DEPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente).
Conselho Tutelar fez uma única visita
Ainda conforme apurado pelo Jornal Midiamax, o Conselho Tutelar da região norte de Campo Grande recebeu a denúncia de maus-tratos em janeiro. Assim, em maio foi feita uma visita à família.
No entanto, o Conselho Tutelar não teria detectado os sinais de agressão contra a criança. Para a equipe, ela aparentava estar bem alimentada.
Já quando os conselheiros tentaram novamente fazer outra visita, a família havia se mudado de residência. A alegação é de que o Conselho perdeu contato com a família e, a partir daí, nenhuma outra visita foi feita.
Também em maio, vizinhos denunciaram a mãe da criança por maus-tratos contra um cachorro, que acabou morrendo. Por isso, logo em seguida a família se mudou.
Relato da mãe de Sophia
Em depoimento, a mulher de 24 anos disse que tinha medo de denunciar o companheiro. Ela ainda alegou que percebia sinais de abuso na criança quando ela voltava da casa do pai, de quem está separada, mas não relatou ter feito denúncia.
Para a polícia, a mulher disse que a filha começou a passar mal na noite de quarta-feira (25), com dores no estômago e vômito. No entanto, só deu remédio para a criança. Apenas no dia seguinte Sophia foi levada à UPA com fortes dores no corpo e dificuldade para respirar.
Agressões constantes
Também segundo a mulher, os hematomas encontrados na criança teriam sido causados pelo padrasto na última semana. Ela confirmou que o homem tinha hábito de agredir as crianças.
Ainda segundo ela, essas agressões seriam ‘corretivos’. Já sobre os sinais de abuso, a mulher alegou que percebia outras vezes o órgão genital da menina avermelhado quando ela voltava da casa do pai. Porém, novamente, nenhuma denúncia foi feita.
Pai de Sophia tentou guarda
O pai da menina Sophia, enfermeiro que trabalha na Capital, tentou por muito tempo a guarda da filha, mas nunca conseguiu. Ele contou que buscava a filha para visitas e ela sempre tinha hematomas pelo corpo, razão pela qual denunciou a mãe por maus-tratos e tentou levar Sophia para casa, mas sem sucesso.
A avó materna da criança disse ao Jornal Midiamax que nunca tinha presenciado agressões por parte da filha contra a neta, mas que quando começou a desconfiar queria que a menina morasse com o ex-genro.
Denúncia arquivada pelo MPMS
Denúncia de maus-tratos contra Sophia chegou até o conhecimento do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), mas o órgão arquivou caso um ano antes do crime acontecer. Assim, a denúncia sequer chegou ao Judiciário. Mãe e padrasto da vítima se livraram um ano atrás com um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), utilizado para crimes de menor potencial ofensivo.
Conforme informado pela assessoria do MPMS ao Jornal Midiamax, o TCO foi registrado em janeiro de 2022, na 10ª Vara do Juizado Especial Central. Na visão do promotor de Justiça que atua no Juizado Especial e ficou responsável por analisar a denúncia e decidir se iria encaminhá-la para o Judiciário tomar providências, não houve necessidade de dar andamento no caso e optou por arquivá-la.
Isso porque, conforme informado pelo MPMS, durante o inquérito da Polícia Civil, a avó e a mãe da criança negaram os maus-tratos. Ainda, o pai da menina, que foi quem comunicou o crime de maus-tratos, disse, em audiência preliminar, que os maus-tratos não voltaram a se repetir.
Porém, no entendimento da delegada Anne Karine, titular da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), o inquérito estava com material suficiente para incriminar a mãe pelo crime de maus-tratos, que pode render pena de até 4 anos de reclusão. Assim, a delegada encaminhou dois inquéritos: um em dezembro de 2021 e outro em novembro de 2022.
O primeiro inquérito foi arquivado pelo MPMS. “Em razão da atipicidade material do fato o Ministério Público, requereu o arquivamento do feito. Por consequência, a Juíza Eliane de Freitas Vicente acolheu a manifestação do representante do Ministério Público”, informa o MPMS.
Enquanto o segundo, em novembro de 2022, chegou a ser registrado junto à 11ª Vara do Juizado Especial, mas não teria sequer sido distribuído ao MPMS, conforme nota oficial do órgão.
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