A dona da creche em Naviraí, a 359 quilômetros de Campo Grande, teve o pedido de liberdade negado pela Justiça de Mato Grosso do Sul. A mulher foi presa após a descoberta que ela dopava os bebês ministrando medicamentos para provocar sonolência.

A dona da creche está presa desde o dia 11 de julho. A decisão saiu em Diário da Justiça e o processo segue em sigilo. De acordo com a decisão, todos os requisitos para a manutenção da prisão preventiva estão presentes. 

“É cabível a manutenção da prisão”, diz o magistrado que afirma que não há como substituir a prisão por medidas cautelares. A investigação conduzida pela DAM (Delegacia de Atendimento à Mulher) apurou denúncias de maus-tratos, tortura e omissão cometidos pelas investigadas, contra, pelo menos, 20 crianças de zero a sete anos.

A proprietária da creche foi indiciada pela Polícia Civil por tortura, maus-tratos e exposição da vida ou saúde de outrem a perigo direto ou iminente. A funcionária que chegou a ser presa no dia também foi indiciada, mas por omissão perante as torturas e maus-tratos, além da ministração de medicamento cujo efeito colateral é sonolência.

Medicamentos para dormir

Algumas mães apresentaram filmagens onde os filhos aparecem em estado de sonolência induzida. O laudo pericial de vistoria na creche constatou que o medicamento apreendido é contraindicado para menores de dois anos e é destinado ao controle de enjoos, vômitos e tonturas de diversas origens. A medicação foi flagrada sendo ministrada pela cuidadora, que afirmou ter dado 20 gotas a uma bebê de 11 meses.

O início de ação do remédio ocorre de 15 a 30 minutos após a administração e a duração da ação pode persistir de quatro a seis horas e causar sonolência. Em crianças pequenas pode causar excitação.

Ainda, segundo o laudo, pode causar efeitos indesejados, como sedação, visão turva, boca seca, retenção urinária, tontura, insônia e irritabilidade, sendo que em caso de dose excessiva do medicamento (superdose), podem ocorrer sonolência intensa, aumento dos batimentos cardíacos, batimentos irregulares, dificuldade para respirar, e espessamento no escarro, confusão, alucinações e convulsões, podendo chegar à insuficiência respiratória e coma.

Segundo apurado, o remédio era dado para as crianças, sob a alegação de que era para tratamento de gripe ou preveni-la em crianças que não estavam gripadas, porém, o real intuito era fazer as crianças dormirem durante o período em que ficavam no estabelecimento.

À polícia, os pais contaram que muitas vezes, ao buscarem as crianças, elas já estavam dormindo, permaneciam dormindo durante toda a noite e ainda tinham dificuldade de acordar durante a manhã, apresentavam sonolência na escola e também fora do horário normal, além de irritabilidade e agressividade.

A mãe de uma criança, de dois anos, relatou que recebeu um vídeo da proprietária do cantinho, com duração de quase um minuto, onde o filho nem piscou. A mãe chegou a desconfiar que o filho estava sendo medicado para dormir, mas sem conseguir ter certeza, deixou de levar o filho ao local.

Relatos das famílias

Os depoimentos levam à conclusão de que o crime era sistêmico, contínuo e extremamente grave, a ponto de ter colocado em risco a vida de inúmeras crianças, por pelo menos seis meses, quando a proprietária passou a cuidar das crianças no estabelecimento.

Entre as agressões narradas pelas testemunhas há relatos de tapas pelo corpo, pescoço, rosto, beliscões e puxões de cabelo. Os atos serviam para castigar e disciplinar as crianças, mas, as agressões eram imputadas a outras crianças ou a algum tipo de acidente doméstico, pela proprietária da creche, quando questionada pelos pais.

Alguns relatos no inquérito chamaram a atenção da polícia durante a investigação. Em um deles, a dona do local teria esfregado a calcinha suja de fezes no rosto da vítima, de seis anos, portadora do espectro autista, para de puni-la por defecar e doutriná-la conforme seu método. Nesse caso, a criança contou ainda que a mulher mandou comer as fezes, mas a criança negou.

Em outro caso, uma criança de três anos vomitou durante uma refeição e a mulher esfregou o prato no rosto da vítima.

Há outros relatos, por exemplo, de crianças que faziam xixi na roupa e eram colocadas em situação vexatória porque a proprietária obrigava as outras crianças a fazerem roda, bater palmas e os chamarem de ‘mijões’, além de ameaçar cortar o órgão genital das crianças caso fizessem xixi na roupa. Em outras crianças, a roupa com xixi era esfregada no rosto como forma de castigo.

Uma mãe relatou ainda que uma das crianças, uma menina de 7 anos, disse que devia ficar sentada assistindo TV, porque se fizesse bagunça a mulher iria deixá-la de castigo, ajoelhada no milho até o joelho sangrar.

Outra mãe perguntou para o filho por que ele nunca havia falado sobre tais agressões, ele respondeu que não falou porque a proprietária o ameaçou, dizendo que caso ele falasse, iria colocá-lo de castigo, deixando-o ajoelhado até os joelhos sangrarem.

Câmeras instaladas pela Polícia Civil, com autorização judicial, captaram, nas primeiras horas de monitoramento, imagens de agressões físicas contra uma bebê de onze meses, em uma das imagens foi possível observar a proprietária jogando uma mamadeira na direção da criança, que apesar de passar perto não a acerta, sendo a bebê em seguida levantada brutalmente pelo cabelo para ser ajeitada no colchão.

Em um dos momentos, uma bebê foi deixada sozinha com uma mamadeira, enquanto mamava as cuidadoras ficavam em outra parte do cômodo, sem visão da bebê, correndo risco de engasgamento. Há imagem ainda que mostra uma cuidadora colocando um travesseiro sobre o rosto da bebê, antes de colocá-lo embaixo da cabeça dela, para em seguida dar medicamento para dormir.

Exame de corpo de delito e o laudo constataram que essa bebê apresentava eritema associado a discreto edema em região malar esquerda e lesão bolhosa no pé esquerdo, o que corroborou o relato de uma das crianças ouvidas, a qual disse que presenciou essa bebê apanhando inclusive no pé. A bebê ainda era empurrada para trás pela cabeça e tinha a boca tampada por pano.