Apesar de mortes violentas, quem vive na região mais populosa de Campo Grande reclama é dos furtos

Bairros como Aero Rancho, Parati, Lageado e Pioneiros compõem a região do Anhanduizinho

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Comércios e casas são tomados por câmeras de monitoramento na tentativa de inibir furtos. (Foto: Nathalia Alcântara/ Jornal Midiamax)

A região do Anhanduizinho é a mais populosa e uma das mais antigas de Campo Grande. Com aproximadamente 270 mil habitantes, a criminalidade perdura por ali. São 14 grandes bairros, entre eles Jockey Club, Lageado, Piratininga, Los Angeles, Parati, Centenário, Aero Rancho, Alves Pereira, Centro Oeste, Guanandi, América, Taquarussu, Jacy e Pioneiros. E, apesar de ser conhecida pelos crimes violentos, como execuções com dezenas de tiros, a principal queixa de quem mora na região tem sido os pequenos furtos, que na maioria das vezes são feitos para alimentar o ciclo de vício em drogas.

Apaixonada por morar no Aero Rancho, principal bairro da região, a técnica em ótica, Lucia Siviere, de 38 anos, lamenta ter que conviver com o medo de ser furtada. Apesar de nunca ter sido vítima, o medo prevalece. Ela trabalha em uma ótica na Avenida Ezequiel Ferreira Lima, que sofreu uma tentativa de furto. Depois disso, a segurança teve de ser reforçada com alarme, câmeras, grades e fechadura.

O Jornal Midiamax publica nesta semana uma série de reportagens sobre a segurança pública nas 7 regiões urbanas de Campo Grande. Nesta quinta-feira (9), você confere os detalhes da região do Anhanduizinho.

Região do Anhanduizinho sul é composta por 14 principais bairros da Capital

“Até os arranjos de flores na vitrine a gente retira quando vai fechar a loja, porque qualquer ‘deizão’ eles já conseguem comprar drogas”, contou.

Ainda conforme Lucia, para se prevenir, ela procura terminar o expediente às 18h, junto com os outros comércios, quando ainda não está tão escuro. “Depois desse horário é impossível. Eles [bandidos] já não têm medo, furtam na cara de pau mesmo”, disse.

Apesar de conviver com o medo lado a lado, já que, segundo ela, tem percebido o aumento da população de moradores de rua e usuários de drogas, ela não tem intenção de trocar de bairro. “Sou cria do Aero Rancho, vim pra cá com 18 anos, casei e meu sonho era voltar a morar aqui, já estou há 18 anos no bairro. Aqui tem tudo o que tem no Centro, três escolas, hospital, trabalho a dez minutos da minha casa, única coisa a reclamar são esses furtos de usuários”, concluiu.

Andando pelas ruas do bairro, a reportagem se deparou com uma cadeira de fio na calçada, amarrada com corrente de ferro e cadeado, junto à porta de um estabelecimento em frente a uma residência.

Apesar da cena chamar atenção, o dono da casa, Luiz Alfredo, de 32 anos, comentou que não soube de muitos furtos na região e que o bairro é considerado tranquilo. Sobre a cadeira acorrentada, ele diz que ela pernoita do lado de fora, e por isso não dá brecha para ninguém.

Usuários de drogas causam aumento de furtos

Comerciante se arriscou para recuperar objetos perdidos (Foto: Nathalia Alcântara/ Jornal Midiamax)

Já um comerciante de 33 anos, que preferiu não se identificar, foi vítima de furto há um mês. Ele é dono de um pet shop, que funciona há quatro anos no mesmo endereço. Segundo o proprietário, o bandido invadiu o estabelecimento na madrugada, arrombando o portão e entrando pela lateral do comércio. No local tem câmeras de segurança, mas o autor desligou o disjuntor e consequentemente as câmeras.

Na ocasião, o ladrão levou celular, dinheiro do caixa e jogo de facas. O comerciante ainda fez algo que não é recomendado, ele descobriu que os produtos furtados estavam em uma boca de fumo e foi até lá pegá-los de volta.

Dividindo a mesma opinião de Lucia, o empresário contou que percebeu aumento no número de usuários de drogas pelas ruas do bairro. “É um bairro bom de morar. Tem tudo, não precisamos sair daqui, mas a segurança precisa ser reforçada. Nós temos um parque aqui, podiam colocar polícia ali”, explica.

Moradora investiu em concertina para se sentir mais segura (Foto: Nathalia Alcântara/ Jornal Midiamax)

Outra moradora que precisou investir em segurança é a funcionária pública Lucilene Faria, de 43 anos. Na residência onde mora, além da ajuda dos cães, que alertam para movimentação de pessoas, ela instalou concertina em todo contorno da casa, incluindo a parte do telhado e ainda paga um guarda noturno.

“Tem muito ‘noiado’. Reforcei a segurança porque entraram na casa ao lado que está desabitada e tentaram pular o muro para a minha casa, por isso, coloquei a concertina até o telhado. Não dá, tem muito pedinte, muito usuário”, reclama.

O ‘mapa do crime’ divulgado pelo Midiamax em 2021, por exemplo, mostrou que a região teve a maior quantidade de roubos, furtos e homicídios na época.

Mortes violentas

Conhecido por crimes de grande repercussão, como assassinatos/execuções, quem mora na região do Bairro Centro Oeste garante que a ‘fase’ passou.

Há 25 anos no bairro, o idoso Alcides Alonso, de 67 anos, conta que não viu mais ocorrer esse tipo de crime. Segundo ele, ali onde mora, em uma das principais avenidas do bairro, Avenida Marajoara, é considerado tranquilo em relação a crimes. O que o incomoda mesmo são os famosos “randandandan”. Motociclistas que aceleram e fazem muito barulho, além de empinar as motos, oferecendo risco a quem está por ali.

“É um bairro bom, mas falta estrutura, infraestrutura, rede de esgoto, iluminação melhor. Aqui à noite fica um breu”, afirmou.

Sobre a ‘fama’ da região pelas mortes violentas, ele comenta que quando acontece é ‘entre eles’. “É só a gente não se meter, não mexer com esse povo. Eu fico em casa e nunca aconteceu nada aqui”, concluiu.

Morador reclama de perigo na via, já que iluminação é comprometida na Avenida Marajoara. (Foto: Nathalia Alcântara/ Jornal Midiamax)

Da mesma opinião compartilha o proprietário de uma autopeças na Avenida dos Cafezais, região do Bairro Paulo Coelho Machado. Marcos Roberto Santana, de 53 anos, contou que mora há 22 anos na região e que há 6 tem o comércio ali. Ele acredita que essas execuções e assassinatos não ocorrem com pessoas ‘do bem’. “Esse pessoal já mexe com coisa errada. Então, quando acontece isso é entre eles mesmo”, acredita.

Sobre a criminalidade de forma geral, os furtos continuam sendo campeões entre as reclamações. Marcos contou que a vizinha teve de fechar o estabelecimento por cansar de tanto ser furtada. No comércio, por exemplo, os fios de telefone foram levados há dois meses. Já a casa, que fica na região, foi furtada uma vez.

“Só que eu reconheço que dei moleza. O negócio é não dar moleza, não deixar coisas fáceis. Onde moro nós temos grupos dos moradores no WhatsApp, então sempre conversamos se tem alguém estranho por lá e avisamos quando vamos sair e ficar muito tempo longe, porque daí o vizinho vigia”, disse.

“Teve época que teve 3 homicídios em uma semana, mas agora tem ficado mais tranquilo, a onda agora é de furtos, principalmente de fios, cobre, ferro, tampa de esgoto, lixeira”, comentou Paulo Rogério de Souza, que é comerciante e estava na loja de autopeças como cliente no momento em que a reportagem havia passado pelo local.

(Dados: 10º BPMMS/ Região Anhanduizinho)

Foragidos capturados e ações da polícia

Conforme dados do 10º Batalhão de Polícia Militar, que é o responsável pela região do Anhanduizinho, apesar da maioria das reclamações de moradores dos bairros ser relacionada a furtos, em dezembro de 2022, a Polícia da região cumpriu 43 mandados de prisão e captura de foragidos, além de 13 ocorrências relacionadas a tráfico de drogas, incluindo apreensão de entorpecentes, 14 casos de furtos, 6 apreensões de armas de fogo, 9 casos de receptação, 5 registros de roubo e 9 de associação criminosa.

Já em todo o mês de janeiro, foram 22 mandados de prisão e captura de foragidos, 8 veículos apreendidos, 4 casos de receptação, 3 de tráfico de drogas e 1 de maus-tratos a animais.

Ainda segundo a equipe do 10º BPM, as operações constantes têm consistido em muitos cumprimentos de mandados de prisão e apreensões de arma de fogo. Os casos de furtos/roubos são comuns em todas as regiões. “Orientamos evitar andar distraída com celular na mão. Na medida do possível reforçar a segurança de casas e estabelecimentos comerciais com grades, alarmes, câmeras, luzes, muro seguro”, informou.

O oficial responsável pelos pelotões do 10º BPM, Rodrigo Real, explicou que a quantidade de apreensões de drogas, de armas, pessoas, além da quantidade de veículos recuperados, de prisões de indivíduos que cometeram roubos e furtos aumentou se comparado com todo o ano de 2021 e 2022. Segundo Rodrigo, essas apreensões se devem ao aumento na quantidade de viaturas rodando na região, de 2 foi para 5 viaturas, sendo que uma delas é a viatura de força tática que foi ativada no ano de 2022 (essa viatura roda com mais policias, em regra 4).

Sobre a questão de usuários e moradores de rua, a SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social), por meio do SEAS (Serviço Especializado em Abordagem Social), informou que tem realizado continuamente abordagens na Região do Anhanduizinho, através de buscas ativas e denúncias da população.

Conforme a secretaria, de janeiro a dezembro do ano de 2022, foram realizadas 273 abordagens sociais, das quais 90 pessoas foram identificadas como usuários de crack e outras drogas ilícitas, e 69 pessoas aceitaram encaminhamento para as Unidades de Acolhimento.

(Divulgação/ 10ºBPM)

Soluções

Para o delegado de Polícia e diretor da Faculdade de Direito, Fernando Lopes, os pequenos furtos e usuários de drogas estão ligados. Segundo ele, há necessidade de o Estado estar inserido na região e para isso seria interessante a junção de esforços entre os órgãos de segurança.

“Ou seja, que a PM faça seu papel preventivo, visando evitar o furto e a Polícia Civil investigando para identificar os autores e também traficantes locais e isso só funciona com operações policiais organizadas nos locais com maior foco”, explicou.

Segundo Lopes, há uma possibilidade, que não é cara e demanda poucos policiais, que é criar o monitoramento de bairro. “Colocar câmeras em pontos estratégicos, principalmente nesses locais com grande índice de furtos e monitorar os locais, porque tendo algum movimento diferente, essa base, que pode ser da Polícia Militar, aciona as viaturas para comparecer, porque não tem como ter policiais a toda hora em todos os lugares, isso é claro, mas tem meios”, detalhou.

A ideia segue exemplo de grandes cidades no Brasil que trabalham com sistema de segurança pública. “Eles usam essa ferramenta como uma forma de auxílio. O autor vai saber que está sendo monitorado, e, por outro lado, ele não sabe a ação da polícia, ou seja: ‘Vou tentar furtar, não sei quanto tempo eles vão demorar para chegar aqui’. É importante o próprio poder público fazer esse tipo de monitoramento”, explica.

“Existem muitas cidades do Paraná e de Santa Catarina, hoje, [onde] existem oito policiais militares na cidade, porém, dois deles são destacados para fazer o monitoramento de câmeras e o índice de criminalidade diminui muito”, ressalta. Lopes explica que seria uma alternativa para os bairros que não têm base da PM, não têm delegacia, a polícia não está no local. “Criar um monitoramento público porque o monitoramento por câmeras onde 24 horas teria a possibilidade de identificação e isso inibe muito a ação, principalmente desses bandidos que fazem pequenos furtos para venda e receptação com a intenção de comprar droga”, concluiu.

Já segundo a PM, para intensificar o policiamento foi implantado o policiamento comunitário. “Essa viatura faz policiamentos em regiões com maior índice de criminalidade e vulnerabilidade social. O projeto é aumentar esse efetivo este mês, tendo em vista que acabará um curso de formação da PM e serão disponibilizados mais policiais. Outra medida adotada é a realização de operações policiais nos locais e dias/horas com maior incidência criminal, utilizando para isso os policiais militares que trabalham no serviço administrativo”, explicou.

Ainda segundo o oficial da PM Rodrigo, o Batalhão está em processo de mudança da sede. “Para um local mais adequado e amplo, na região do Bairro Jóquei Clube. Este local é estratégico, pois é muito próximo da Vila Nhanhá, local com grande incidência criminal”, concluiu.

Ilustrativa de morador de rua e usuário de drogas (Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax)

População de rua

Ainda segundo a SAS, o trabalho do SEAS realiza abordagens por 24 horas ininterruptas, buscando identificar as pessoas em situação de vulnerabilidade social que se encontram nas vias públicas e/ou locais que demandam o direcionamento do Serviço.

Após o atendimento, essas pessoas são encaminhamentos às Unidades de Acolhimento, Centro de Referência Especializado para População de Rua – Centro POP, Comunidades Terapêuticas, Unidades de Saúde e também reinserção na família, para promover a dignidade humana.

São disponibilizadas, para toda a cidade, 4 unidades de Acolhimento, 11 Comunidades Terapêuticas, o Centro de Referência para População de Rua – Centro POP, que oferta os serviços diários de três refeições, sendo: café da manhã, almoço e lanche da tarde, espaço para higiene pessoal, atendimentos psicossociais e encaminhamentos para a Rede de Atendimento, entre estes, a inserção em cursos profissionalizantes e no mercado de trabalho.

Como denunciar

Em relação à segurança, a Polícia Militar faz rondas preventivas rotineiramente na região, reforçando as ações com bloqueios e saturação e utilizando todo efetivo disponível, incluindo o administrativo. Qualquer denúncia pode ser feita pelo 190.

Equipes da Guarda Civil Metropolitana também atuam na região com rondas de viaturas de duas e quatro rodas, operações e ações nas 7 regiões da Capital. A população pode também fazer denúncias para a GCM, que atende 24 horas por dia, pelo telefone 153. A GCM ressalta que irá intensificar as rondas na região.

Confira as reportagens da série sobre segurança pública

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