‘X9 dos advogados’, este é um dos termos que aparece em denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) para definir Bruno Ghizzi. Em julho de 2021, o advogado prestou depoimento de 33 minutos a delegados de Campo Grande, e a cópia do vídeo passou a ser cobiçada pela cúpula do PCC (Primeiro Comando da Capital).

Interceptação telefônica do Gaeco flagrou conversa entre uma advogada — presa na Operação Courrier — e colega de trabalho, também alvo das investigações. Ela relata que uma outra advogada, que representaria liderança do PCC também denunciada, estaria interessada no vídeo com o depoimento de Bruno aos delegados da Força-Tarefa, no Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco e Assaltos e Sequestros).

O advogado já tinha manifestado interesse em uma delação, após ser descoberto que tinha usado o login de ex-chefe do cartório da 1ª VEP (Vara de Execução Penal) para pesquisar nome de um delegado. Assim, prestou o depoimento no Garras em julho, gravado em vídeo, entregando o esquema da Sintonia dos Gravatas.

Conforme apontado na denúncia do Gaeco, o ex-chefe do cartório conseguiu o vídeo e encaminhou para a advogada, que atualmente está presa. Ele teria pedido para que ela ‘espalhasse’ o conteúdo, mesmo sabendo das consequências que Bruno poderia enfrentar. Inclusive, para o Gaeco era justamente essa a finalidade do servidor.

PCC queria comprar vídeo do depoimento

Já em novembro de 2021, a advogada presa na operação contou para uma colega sobre o interesse do PCC no vídeo do depoimento de Bruno Ghizzi. “Perguntou do vídeo lá, sabe? Se eu não queria vender… Falei não, tô fora”. A advogada que teria tentado comprar o vídeo ainda teria dito: “Você vai perder um dinheiro”.

Mesmo assim, a advogada que tinha o vídeo com o depoimento de Bruno contou para a amiga que não “venderia a cabeça” do colega. “Se faz isso hoje, amanhã é a minha que está a prêmio”, relatou. Para a advogada, se ela vendesse o vídeo, acabaria colaborando com a morte do advogado.

Servidor ficou desesperado após delação

Após saber que a Polícia Civil já tinha identificado o login usado por Bruno para pesquisar o nome de um delegado, ex-chefe do cartório da 1ª VEP relatou para a mesma advogada, para quem repassou o vídeo com depoimento de Ghizzi, que estava com medo. “Eu acordo 5 horas da manhã e fico olhando na janela se a polícia não vai bater aqui em casa”, teria dito.

“Todo dia eu acho que vou ser preso (…) fico até 7 e pouco ali na janela, aí que eu falo ‘a polícia não vai vir mais aqui não’, aí eu durmo”. O trecho foi retirado da transcrição de ligação telefônica entre a advogada e a irmã, em que ela conta sobre conversa que teve com o servidor do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e a advogada.

A advogada também chega a relatar que o servidor prestou depoimento para a Força-Tarefa após a delação de Bruno. Ele também teria contratado advogado por R$ 75 mil, segundo relato da investigada.

X9 dos advogados

Peça-chave nas investigações da Operação Courrier, Bruno se tornou pivô do escândalo, revelando esquemas de corrupção na Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) com pagamento de propina para trocar presos de pavilhões, por exemplo. Ele delatou a chamada Sintonia dos Gravatas, ligação entre advogados e membros do PCC (Primeiro Comando da Capital).

Assim, na análise de colegas, o advogado que continua detido, sob custódia em Mato Grosso do Sul, teria se tornado alvo para um atentado tanto por vingança por parte do PCC, como para queima de arquivo por parte de servidores de diversos órgãos públicos de MS implicados na apuração.

A defesa do advogado minimiza a preocupação das colegas. Segundo o advogado Flávio Oliveira de Moraes, que defende o suposto alvo, disse ao Jornal Midiamax, nada de concreto foi relatado pelo cliente. “Ele está calmo e tranquilo”, diz Flávio com relação à postura do cliente sobre as acusações.

A defesa ainda disse que não entrou com pedido de revogação da prisão decretada no último dia 25 de março, já que espera que seja distribuída para a vara competente.

Corrupção na Agepen: propina para favorecer presos do ‘partido’

R$ 1,5 mil para trocar de pavilhão e R$ 6 mil para fraudar a ficha do detento. Esses são os preços cobrados pelos policiais penais pelos ‘serviços’ ilegais, de acordo com o interno do presídio. Ele pedia ao advogado para mudar de cela e chegou a apontar qual policial penal recebia a propina.

Um dos agentes citados em vários trechos da investigação não teve a prisão preventiva decretada. Já outro está preso desde o dia da operação. “Cobrou 5k para levar um cara pro Penal”, disse o interno em uma mensagem, esclarecendo que a propina foi paga pelo detento, para garantir a transferência.

Sobre as denúncias feitas pelo advogado em relação à corrupção na Agepen, foi enviada nota ao Jornal Midiamax, que diz: “a Agepen, por meio de sua Corregedoria-Geral, oficiou o GAECO no dia 29 de março, solicitando informações a respeito da operação e aguarda os encaminhamentos”.

Operação Courrier

A ação, denominada Courrier — correspondência —, cumpriu ao todo 38 mandados judiciais. Conforme o Gaeco, a operação mira o núcleo ‘Sintonia dos Gravatas’, célula em que advogados usam de suas funções para transmitir recados aos faccionados presos, daí o nome da operação.

Ainda de acordo com o Gaeco, o grupo criminoso estaria articulando atentados contra a vida de agentes públicos, entre eles promotor do Gaeco e um juiz de Direito de Campo Grande. Garras, Batalhão de Choque, Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e Gisp (Gerência de Inteligência do Sistema Penitenciário) também atuaram na operação.