OAB, Amamsul, MPE e Polícia Civil tem apresentado suas versões
Quem investiga é a polícia civil e o veredito final será do Judiciário. Ainda assim, o caso que envolve o assassinato do empresário Adriano Correia do Nascimento, de 33 anos, – morto a tiros na manhã do dia 31 de dezembro pelo policial rodoviário federal Ricardo Hyun Su Moon, 47 -, iniciou uma série de discordâncias em interpretações jurídicas e investigativas, que envolve a Polícia Civil, o MPE (Ministério Público Estadual), a OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul) e a Amamsul (Associação de magistrados de Mato Grosso do Sul). Entenda os questionamentos:
Liberdade provisória
Ricardo foi preso em flagrante na manhã do dia 31 e levado a Depac (Delegacia de prontoatendimento comunitário), onde permaneceu preso 24h. Ao analisar o caso durante o plantão de réveillon, no domingo (1), o juiz estadual José de Andrade Neto decidiu que não havia necessidade de prisão preventiva. Não houve audiência de custódia e nem pedido de prisão por parte do MPE e da polícia até então, e o policial foi liberado mediante uma série de medidas cautelares, entre elas o afastamento do cargo e a proibição de deixar o país.
Foi então que as divergências na interpretação jurídica começaram, envolvendo OAB e Amamsul. As divergências, nesse caso, referem-se tanto à forma da decisão – ritos processuais – quando a necessidade, ou não, de prisão preventiva. A OAB divulgou uma nota de repúdio à decisão e irá entrar com representação no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra o juiz. A nota foi imediatamente respondida pela Amamsul, que discordou, declarando, entre outras questões, que a Ordem entrou em mérito que não deveria.
Ritos do Judiciário – “Existe uma resolução do Conselho Superior de Magistratura de Mato Grosso do Sul que estabelece que, quando as prisões em flagrante acontecem nos finais de semana e feriado, as audiências de custódia devem ser realizadas no primeiro dia útil subsequente, e, no caso dessa prisão que foi no sábado, a audiência seria na seria segunda-feira (2), esse é o primeiro ponto”, explicou o presidente do Conselho de Direitos Humanos da OAB, Christopher Scapini.
Christopher também questiona o fluxograma da decisão, e explica que, além de não ter audiência de custódia, a resolução deveria esperar manifestação da defesa e do Ministério Público Estadual. “O juiz concedeu de ofício, ou seja, ele não ouviu Ministério Público, deu essa liberdade provisória sem defesa e sem a oitiva do Ministério Público prévia, e isso, existem normas que estabelecem que o Ministério Público deve ser ouvido, até para que, se o delegado não representar pela prisão preventiva, o Ministério Público tenha essa oportunidade”, explica.
A Amamsul discorda e o juiz estadual Mário José Esbalqueiro Junior, que representa a Associação na ausência do presidente, afirma que a Ordem deveria ter acionado o tribunal.
“O que causa estranheza à associação é esse posicionamento da OAB, a princípio quem teria que reclamar que o acusado não foi preso é o Ministério Público ou a Polícia. Então, o órgão que normalmente reclama que os juízes deixam a pessoa só presa, reclamou que soltou, o órgão que geralmente reclama agilidade, reclama que foi ágil. E, nesse caso, buscar o CNJ, é, nesse sentido, parecer que está querendo algum tipo de pressão, uma situação midiática. Porque, se discorda da decisão do juiz, o que é completamente possível já que o juiz é ser humano e pode é recurso, pede pro tribunal reanalisar o caso. Agora, dizer que vai pro CNJ, dá entender que o juiz praticou alguma ilegalidade. Vai da gestão de trabalho de cada juiz, ele não é impedido de agir da forma que ele agiu”, disse.
Mário afirma que, possivelmente, o juiz optou pela decisão para desafogar o plantão, e que há histórico de casos como esse, em que os magistrados não aguardam a audiência de custódia. “Ele poderia decidir marcando a audiência de custódia e, naqueles casos onde não há indícios de abuso de autoridade, até pra aliviar um pouco a pauta de audiência de custódia, em vários casos o juiz já analisa antes mesmo da audiência de custódia. Não só esse como vários casos, aí vai do procedimento de cada juiz”, afirma.
Prisão preventiva – O magistrado também explica a interpretação da Amamsul sobre a resolução de não manter preso o policial. “Quanto às questões envolvendo a liberdade, se o juiz entender que é urgente, a homologação do flagrante é normal. Naquele caso ali, a princípio teria sido uma abordagem, com um réu primário, com endereço, profissão, e ele entendeu por bem aplicar aquelas medidas e resolver aquela situação ali no plantão”, afirmou, sobre as medidas cautelares, opções à prisão preventiva.
“Ele homologou o flagrante e o próximo passo seria, pra ele deixar preso mais que 24h, decretar a prisão preventiva. Nesse caso, por entendimento do colega, por não ter pedido de prisão preventiva, entendeu ser possível aplicar as outras medidas cautelares que ele pode aplicar de ofício”, explicou, afirmando que o princípio, nesses casos, é optar por medidas menos “gravosas”. Mário exemplificou, por exemplo, casos de violência doméstica, em que, ao invés da prisão preventiva, magistrados optam por afastar o autor da vítma, por exemplo.
“Ele vai ser julgado por isso [assassinato]. Essa medida protetiva é uma prisão processual, uma medida cautelar, pra que que ela serve? Pra evitar que o cidadão volte a praticar crimes, pra evitar que ele tumultue o processo, fuja da aplicação da pena. Então nesse caso, é o que o juiz disse, ele praticou o caso porque se disse policial, utilizou a arma como policial e se houve excesso ou não isso vai ser apurado porque ele atirou e uma pessoa morreu, então, em razão disso, afastou ele do trabalho, não vai poder trabalhar como policial, tirou a arma dele e não pode sair do país. No flagrante, tudo leva a crer, pelo posicionamento da polícia, que o policial teria agido em legítima defesa, então o direcionamento do flagrante foi nesse sentido, mas em razão de uma pessoa ter morrido, e da quantidade de tiros, é que tem que ser melhor investigado isso no juri”, complementou.
A Ordem discorda e busca outras decisões tomadas no plantão do judiciário. O motivo, conforme explicou Christopher, é entender se houve “rapidez” por parte do juiz, ponto defendido pela Ordem. “Houve uma rapidez e a supressão dessas movimentações muito excepcionais”, nas palavras do presidente da Comissão. “Então esse caso foi tratado, a nosso ver, de uma forma diferente do que foram tratados os demais, então entendemos que há uma necessidade de investigação, de uma apuração do controle externo, que é o CNJ, da conduta com relação ao caso, nós não estamos questionando a decisão, a decisão a quem cabe questionar? É o Ministério Público ou a defesa da família que poderia recorrer dessa decisão, questionamos a forma como o processo foi encaminhado e não a decisão em si. Se o CNJ entender que não há irregularidade nenhuma, ok, nós vamos respeitar”, declarou o presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Para Ordem também havia motivo para a prisão preventiva. Christopher alega que o policial pode fugir para outro país, por ser estrangeiro.
Investigação
De acordo com o que foi declarado ao jornal Midiamax, pela polícia, pelas pessoas que prestaram depoimento e pela delegada à frente do caso, Daniela Kades, da 1ª Delegacia de polícia civil, a investigação ouviu, até agora, testemunhas que estariam em uma boate junto de Adriano e uma das vítimas. Daniela também declarou que irá pedir áudios e vídeos ao Ciops (Centro Integrado de Operações de Segurança), ao Corpo de Bombeiros e Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). De acordo com ela, o motivo é esclarecer em qual momento e circunstância os tiros foram feitos pelo Policial Ricardo Hyun Su Moon, de 47 anos.
O depoimento de uma das vítimas, relatado pela delegada, quando a Hilux parou, afirma que o grupo tentou descer, mas o policial exigiu que ficassem dentro do veículo mostrando que estava armado, e que deveriam esperar a polícia que tinha sido acionada. Neste momento, Adriano teria tentado sair do local acelerando o carro. O policial que estava quase em frente ao veículo, ao perceber a tentativa de fuga, passou a efetuar os disparos acertando o adolescente na perna, e Adriano, por quatro vezes.
A investigação da polícia civil busca detalhes junto ao clube em que Adriano estaria durante a madrugada. A delegada afirmou que, até agora, apenas uma funcionária da boate onde as vítimas estavam confirmou a presença do grupo no estabelecimento. Um ofício à Prefeitura também deverá ser enviado para saber se uma operação tapa-buracos foi feita na região, e o motivo, de acordo com a polícia civil, é que não foi localizado o suposto buraco que teria motivado a briga entre o condutor da Hilux e o policial.
O caso ainda poderá ser enviado para a Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) se for comprovado que o adolescente ingeriu bebidas alcoólicas na boate. Os detalhes do caso ainda são investigados pela polícia, que não confirmou nenhuma das versões.
MPE- O MPE-MS (Ministério Público Estadual), no entanto, adiciona mais fatores à investigação. A promotoria pediu a prisão preventiva e a quebra do sigilo telefônico de Ricardo. No pedido feito à Justiça, os promotores alegam que o policial foi preso em flagrante pelo crime de homicídio, e causou ferimento em outras duas pessoas, ‘que potencialmente virão caracterizar outros dois crimes de tentativa de homicídio’.
Ao classificar a decisão de soltar o acusado de ‘não acertada’, os promotores pontuam que no auto de prisão em flagrante apenas os Policias Militares que atenderam a ocorrência foram ouvidos, e que as outras vítimas sobreviventes, ‘que se encontravam em suficiente estado de saúde’ não foram ouvidas. “O crime praticado pelo requerido (Ricardo) não apenas é abstratamente grave, afinal, o homicídio é a infração penal que atenta de maneira vais lesiva ao bem jurídico mais importante daqueles tutelados pelo Direito Penal, isto é, a vida, mas, no caso concreto, apresenta circunstâncias que o tornam especialmente grave e, assim, abalador da ordem pública”, afirmaram.
O Ministério também solicitou à delegada perícia no suposto buraco que teria provocado uma briga de trânsito entre vítima e autor, além de oitivas com testemunhas que presenciaram o fato, e perícia nos vídeos que possam ajudar a solucionar o caso. Para os três promotores que assinam o documento, o PRF ‘apresentou uma versão fantasiosa dos fatos’, ao relatar que ficou com ‘medo’ que Adriano e demais ocupantes do veículos pudessem ter intenção de ‘assaltá-lo’ ou ‘executá-lo’. O pedido ainda não foi julgado pelo juiz plantonista do recesso forense.
0AB- A OAB questiona os rumos da investigação, conforme declarou o presidente do Conselho de Direitos Huamanos. A Ordem, agora, quer pedir a reconstituição da cena do assassinato. Christopher também afirmou que, se houve negativa por parte da polícia, a entidade irá “tomar medidas para pedir o afastamento da delegada”.
“Nós estamos com um ofício, vamos protocolar agora a tarde, solicitando a reconstituição da cena do crime e, inclusive, se a delegada negar a reconstituição da cena do crime, a OAB vai tomar medidas administrativas pra que haja o afastamento, porque nós entendemos que o foco da investigação é elucidação do homicídio e não a direção sob influência de álcool, são situações bem diversas”, declarou ele.
Procurada, a delegada não quis se pronunciar. Por meio de nota oficial, a polícia também declarou que só irá discutir o assunto por meio de coletiva de imprensa.