“Queria me mudar para Florianópolis, lá não tem inflação”, desabafou o argentino Walter Prieton, de 52 anos, dono de uma mercearia perto da Plaza de Mayo, em Buenos Aires. A afirmação foi feita no mesmo dia em que a Argentina bateu 104,3% de inflação anual, a mais alta em 30 anos.

No dia a dia, os argentinos sentem os efeitos nos preços dos alimentos, que os obriga a comprar apenas o essencial e abandonar as marcas favoritas pelas mais baratas. Para analistas, o cenário é mais desfavorável ao governo – que tentará se manter no poder nas eleições de outubro – mas pode respingar na oposição.

Os números da inflação divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) na última sexta-feira foram mais uma má notícia para a gestão de Alberto Fernández, que já lida com uma alta rejeição e a completa indefinição de sua coalizão para as primárias eleitorais de agosto.

A Argentina tem uma etapa de pré-campanha eleitoral que terminará em agosto, quando as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) determinarão quem disputará a eleição presidencial. Este ano, o único que não terá rivais nas primárias será o deputado e candidato de extrema direita Javier Milei. O economista e líder da extrema direita argentina, admirador dos ex-presidentes e Donald Trump, está em campanha desde o ano passado e, segundo pesquisas, teria chances de conquistar uma vaga no das presidenciais.

Desde que o ex-presidente Maurício Macri desistiu de concorrer à eleição, abriu-se uma disputa feroz na aliança opositora Juntos pela Mudança. Na coalizão governista Frente de Todos (formada por peronistas e kirchneristas), apenas Cristina Kirchner admitiu que não vai concorrer. O presidente Alberto Fernández ainda especula a possibilidade de disputar a reeleição, mas seu índice de rejeição atingiu 65%.

Em julho do ano passado, o governo apostou em Sergio Massa como promessa de um superministro que iria salvar a economia. Agora, porém, cada vez menos argentinos acreditam que o problema terá solução.

LOJA VAZIA

Prieton vende doces, salgadinhos e refrigerantes e conta que cada dia que passa tem menos clientes. Isso porque doces e produtos considerados não essenciais para a alimentação tem ficado de fora da lista de compra da população.

No supermercado mais próximo, uma senhora de 82 anos, que não quis se identificar, mostra o carrinho de compras com carnes, ovos e verduras e diz que nos últimos meses só compra o essencial. “Moro sozinha, ainda dá para viver, mas fico pensando em quem tem filhos”, afirma.

Com um aumento de 7,7% na inflação de fevereiro a março, os argentinos já não conseguem se planejar, pois os itens de uma lista de compras amanhã serão mais caros que os de hoje. A estratégia tem sido comprar opções cada vez mais baratas, principalmente de carnes e derivados do leite, os produtos que sofreram a terceira maior alta mensal, segundo o Indec.

“Se você olhar, as prateleiras com produtos de marcas conhecidas estão lotadas, enquanto os produtos mais baratos acabam em poucas horas”, dizem os estudantes Marcel Espinoza, de 20 anos, e Grecia Cardeña, de 19. Cardeña conta que adora comprar leite de uma marca específica, mas estava levando um litro da marca do próprio supermercado, pois estava a metade do preço.

“O leite custava menos de 200 pesos, agora está o dobro”, afirma Espinoza apontando para a etiqueta de preço indicando mais de 400 pesos cada litro (por volta de R$ 9,30). O casal é do Peru, mas mora em Buenos Aires há um ano e meio e diz sentir uma queda brusca em seu poder de compra no período.

ALIMENTOS EM ALTA

A inflação de março é a maior desde abril de 2002, quando marcou mais de 10%. Os alimentos foram um dos que mais sofreram alta, com 9,3%, impulsionados pelo preço da carne, dos derivados do leite e dos ovos.

“Esses 7,7% desta sexta significam simplesmente que os salários das pessoas que as permitiam somente comer, agora permitem menos ainda”, explica Juan Carlos Rosiello, professor do Centro de Análises Econômicas e Empresariais da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Católica Argentina. “E no fim os mais vulneráveis são os que mais sentem a inflação.”

“Os pobres estão ficando cada vez mais pobres. Hoje temos cerca de 40% de pobres, uma coisa inacreditável para Argentina, e isso só cresce. E a situação é pior se você olhar os números de crianças pobres, que atualmente estão em torno de 60%. Ou seja, seis de cada dez crianças são pobres na Argentina”, diz.

Atualmente, mais de 11 milhões de argentinos vivem abaixo da linha da pobreza, segundo dados do segundo semestre de 2022 do Indec. Um dado que havia caído em 2020, mas voltou a crescer a partir do segundo semestre de 2021.

Segundo cálculos do Clarín, na cidade de Buenos Aires uma família precisa ganhar mais de 190 mil pesos (R$ 4,3 mil) – sem considerar gastos com aluguel – para não ser considerada pobre. Se somar o aluguel, os valores passam de 260 mil pesos (R$ 5,9 mil). A média salarial do país é de 80 mil pesos (R$ 1,8 mil), de acordo com o Indec.

ELEIÇÕES

Em razão do forte impacto principalmente entre os mais pobres, a carestia tende tema relevante nas eleições deste ano. O grande impactado, com certeza, é o governo, afirma María Lourdes Puente, de Ciência Política na Universidade Católica Argentina, mas a oposição também sente os efeitos da falta de popularidade, pois os eleitores avaliam que toda a classe política tem responsabilidade pelo problema. “A inflação é o tema que mais angustia as pessoas agora e isso reflete diretamente nas eleições”, afirma.

“O ministro da Economia havia dito que a inflação ia baixar 3%, o que não está conseguindo, então isso claramente afeta muito mais o governo, porque não cumpre o que prometeu. O problema é que a classe política está brigando todos os dias entre si e as pessoas estão vendo isso, e neste ponto isso também afeta a oposição. Não necessariamente a inflação em si, mas o mal-estar que gera a inflação.”