Após 46 anos, novela decidiu explicar para o Brasil que este Mato Grosso é ‘DO SUL’
Em entrevista ao Jornal Midiamax, o autor Walcyr Carrasco revela por que inseriu a questão identitária de Mato Grosso do Sul na novela “Terra e Paixão”
João Ramos –
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São 46 anos desde que o Estado de Mato Grosso (MT) foi dividido ao meio e assim nasceu, então, o Mato Grosso do Sul (MS). Nesse tempo, grande parte do Brasil ainda não se habituou ao nome da unidade federativa que se criou e até quem nasceu depois do evento é capaz de cometer o erro de se referir a MS como Mato Grosso, atitude que leva qualquer sul-mato-grossense à loucura.
No entanto, depois de mais de quatro décadas, este ano, uma novela decidiu levar essa questão para as telinhas e explicar, de uma vez por todas, que este Mato Grosso é “DO SUL”.
Por mais de uma vez, “Terra e Paixão”, novela das nove da TV Globo ambientada em MS, exibiu cenas quase educativas de pessoas chamando o Estado de “Mato Grosso” e sendo corrigidas por um sonoro “do Sul” – como acontece na vida real.
É muito comum a ácida, cirúrgica e rápida correção instantânea “do Sul” logo após alguém cometer a gafe. Mas, uma questão tão local ser exibida de maneira explicativa em uma novela das nove da TV Globo, o programa de maior audiência do Brasil, impressionou a população regional, que se sentiu verdadeiramente representada.
Esta, inclusive, era considerada uma dívida da novela “Pantanal” com o Estado. Em 2022, o remake do folhetim de Benedito Ruy Barbosa mexeu com o país e fez Mato Grosso do Sul “derreter de amores”. Só que muitos sentiram falta de mais representatividade. Os telespectadores desejaram ver até mesmo Eugênio, personagem de Almir Sater, corrigindo os viajantes que chegavam ao Pantanal em sua chalana.
“Faltou alguém chamar o Estado de Mato Grosso e o Almir Sater ou o Zé Leôncio (Marcos Palmeira) falarem ‘do Sul’”, comentava-se à época.
Contudo, “Pantanal” saiu de cena há um ano, em 7 de outubro de 2022, sem satisfazer essa necessidade de representação. Meses depois, “Terra e Paixão”, mais um folhetim de horário nobre ambientado em MS entrou em cena e parece ter suprido as expectativas da população sul-mato-grossense quanto à abordagem do assunto.
As sequências de “Terra e Paixão” foram e ainda são consideradas muito representativas para o Estado, pois levam para o âmbito nacional a crítica sobre a confusão entre os nomes das unidades federativas, além de reafirmar a identidade local.
Autor explica abordagem sobre Mato Grosso do Sul
No dia em que Mato Grosso do Sul completa 46 anos, sendo estes todos marcados pela confusão com Mato Grosso, o autor Walcyr Carrasco revela por que decidiu inserir o tema em seu folhetim e de onde veio a inspiração para levar a temática sul-mato-grossense para todo o Brasil.
Em entrevista ao Jornal Midiamax, Carrasco atribui tudo à pesquisa de campo que fez no Estado e se diz feliz por contribuir com a história local.
“Eu fui conhecer e me aprofundar e descobri que essa expressão é comum, uma linguagem local, e simplesmente incluí no texto”, relata ao MidiaMAIS. Já em relação à “discórdia” velada entre os estados rotineiramente confundidos, Walcyr comenta: “Nunca soube dessa rixa”.
Fruto de pesquisa, diz Carrasco
Sempre que as cenas de correção foram ao ar, explicando que este Mato Grosso é “DO SUL”, os sul-mato-grossenses vibraram e até gritaram no sofá. Também houve alvoroço nas redes sociais e muitos compartilhamentos com a legenda: “estamos vingados”. Mas Walcyr Carrasco garante que não imaginava a repercussão.
“Fico muito feliz que toda informação deve ser dada e respeitada, se estou contribuindo para isso, fico muito feliz”, diz o autor de “Terra e Paixão”.
Walcyr também conta ao MidiaMAIS se as falas estavam previstas no roteiro ou foram improviso dos atores envolvidos e também esclarece se alguém lhe deu a ideia e sugeriu que ele inserisse a questão na trama.
“Foi fruto da pesquisa que eu mesmo fiz visitando o Mato Grosso do Sul, antes mesmo de começar a escrever a novela. Estava no roteiro, mas também surgiu espontaneamente”, entrega ele.
Contribuição histórica
Para a historiadora Laura Moraes, a novela “Terra e Paixão” contribuiu historicamente com o Estado pela simples abordagem geográfica no folhetim.
“É muito bacana e importante para o Estado que isso ganhe voz, ganhe espaço. Uma novela então levar isso para o Brasil, fazer essa correção e essa explicação é maravilhoso. Tenho notado, inclusive, que desde que [as novelas] Pantanal e Terra e Paixão levaram o nosso MS para as casas dos brasileiros, as pessoas agora confundem ao contrário e, ao invés de chamarem Mato Grosso do Sul de Mato Grosso, chamam o Mato Grosso de Mato Grosso do Sul”, observa.
A própria TV Globo já trocou as bolas algumas vezes nos últimos meses e exibiu mapas em seus telejornais em que Mato Grosso era identificado com a sigla MS. Ou alguma cidade de MT era inserida erroneamente no mapa de Mato Grosso do Sul.
“Terra e Paixão com essas cenas, mais até do que Pantanal, trouxe essa representatividade buscada. Para a população, ver os personagens falando algo que a gente fala, de forma tão natural, e ver também uma novela de horário nobre dando importância a isso deu essa sensação de ‘estamos sendo vistos e notados’. E é realmente uma questão importante”, frisa a historiadora.
Relevância e representatividade
Para ela, apesar do brasileiro aprender geografia detalhadamente nas escolas, a confusão entre os nomes que “Terra e Paixão” está desfazendo não tem a ver com um problema de ensino. “Vejo mais como um ‘pouco caso’, ‘tanto faz’. Entendo que as pessoas que não são de MS ou MT enxergam a questão dessa maneira, ‘tanto faz errar’, ‘não importa o nome’, ‘é tudo Mato Grosso’”, argumenta.
“Mas essas novelas estão sim, no meu ponto de vista, fazendo o brasileiro mudar essa percepção e se atentar a qual estado estão se referindo. Tenho visto essa ampla discussão nas redes sociais e essa representatividade mexeu mesmo com o povo. Para um Estado jovem como Mato Grosso do Sul, ter cenas em novela explicando ‘olha, nós somos do Sul, não é o Mato Grosso’, é muito relevante. Porque muitas vezes – as pessoas querendo ou não – os produtos de ficção têm esse poder de fixar, de fazer as pessoas gravarem. Muita gente, às vezes, aprende consumindo isso”, finaliza ela.
Por fim, para o autor Walcyr Carrasco, é satisfatório saber que tem contribuído historicamente com o Estado em uma simples abordagem em sua trama. “É obrigação de todo autor transmitir as informações de maneira exata, e se estou fazendo isso, sinto que estou cumprindo meu papel”, encerra o dramaturgo.
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