Na vida de João Jesus Silva Júnior, de 54 anos, a jardinagem iniciou há mais de três décadas de forma tímida e, ao longo do tempo, cresceu, virou até negócio e hoje ornamenta o quintal da casa do homem, que também é pastor, no bairro Rita Vieira, em Campo Grande.

Várias passagens da bíblia citam jardins ou a função de jardineiro. Um trecho no livro de Isaías compara uma pessoa amparada por Deus a um jardim regado.

No jardim de João há plantas de diversas espécies. Há seis anos trabalha no quintal, plantando, replantando e alterando o visual da residência. Nunca parou para contar o número exato, mas inclui frutíferas que produzem bananas, jabuticabas e pitangas, e ornamentais como coqueiros, cactos e samambaias, além da ora-pro-nóbis, considerada uma PANC (Planta Alimentícia Não Convencional). 

“Eu trabalhava em um escritório e fui convidado a trabalhar em um viveiro. Não sabia nada sobre plantas, mas foi uma paixão, comecei a mexer e virou parte da minha vida. Em uma época vivi disso, mas depois fui estudar teologia, tinha um chamado para trabalhar com pessoas que estão à margem da sociedade”, ele afirma.

No trabalho no viveiro, no início da década de 1990, João fazia um pouco de todas as áreas, desde escritório à manutenção com as plantas.

Observando, ouvindo as dicas, praticando e com alguns cursos construiu o conhecimento que permitiu a ele trabalhar na área de jardinagem, quase ao mesmo tempo em que seguiu a convocação e foi estudar teologia para se tornar pastor, ocupação que exerce há 16 anos. 

Jardim possui várias espécies de plantas. (Foto: Thalya Godoy/ Jornal Midiamax)

“Eu acho que tudo aquilo que Deus criou, com belezas únicas, pode nos aproximar Dele. Quando estou mexendo com as minhas plantas sinto que está comigo”, acredita. Mesmo sendo daltônico e não conseguindo distinguir o verde, cor extremamente comum em plantas, João nunca abandonou o trabalho com os jardins. 

“Eu e meu irmão descobrimos que era uma ‘herança’ de família. Quando era garoto sempre tinha problemas na escola, não sabia diferenciar cor, não aprendia, então sofria um ‘bullying’ diferente, era um pouco complicado, mas nunca foi um grande problema”, ele recorda sobre o daltonismo.

Vida tomou novos rumos, mas sempre perto do verde

Trabalhou por um tempo com o irmão em um negócio próprio que não vingou, pois decidiram tomar rumos diferentes, mas João nunca se afastou do ramo de paisagismo. “Se aparecia um serviço aqui e outro ali eu fazia, nunca me desprendi da jardinagem”.

João começou na jardinagem há quase 3 décadas. (Foto: Thalya Godoy/ Midiamax)
Pastor trabalha com a comercialização dos terrários. (Foto: Thalya Godoy/ Jornal Midiamax)

Há dois meses começou a trabalhar com terrários que são recipientes de vidros, como potes e aquários, em que são colocados itens como terra, pedras e plantas, formando um minijardim. “O meu interesse pelos terrários foi natural. Eu vejo as coisas e se posso fazer. As pessoas me mandam referências, mas eu procuro não olhar como exemplo, procuro a minha inspiração”, explica o homem.

Até pouco tempo atrás, João tinha pouco contato com a internet, se dedicando a outras tarefas, mas ficou encantado com o alcance que teve no Instagram (@ideias_do_juao) com pessoas de outros países conhecendo os terrários. “Teve gente do Hawai que curtiu o meu trabalho, pessoas do outro lado do mundo, é uma coisa superbacana”, relata. 

“Ramo” da vocação

“Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade”, diz o livro 1 João 3:18, na Bíblia Sagrada. 

João, o pastor que mora no bairro Rita Vieira, sempre se considerou cristão. Por muito tempo frequentou um templo batista, mas um dia, pesquisando pela internet, decidiu ir além e fundar uma igreja que tivesse o “praticar” como uma demonstração de amor de Jesus Cristo. Assim, nasceu a IBAP (Igreja Batista Amor na Prática).

“Sou cristão há muito tempo, mas sempre ouvi muito amor e pouca prática. Amor, na realidade, só pode existir na prática. Meu amor participa da sua vida e te ajuda de alguma maneira. Eu tenho essa ideia de levar o amor de Jesus na prática”, conta. 

Das reuniões que aconteciam na casa de cada membro, o grupo cresceu, foi para uma sala alugada e um edifício e tempos depois a IBAP se estabeleceu na Vila Progresso. 

Sobre o estilo de vida, João garante que não se encaixa nos estereótipos cristãos: não gosta de usar terno e gravata “até porque não cabe nesse calor de Campo Grande”, gosta de ouvir música além de gospel, de viajar, ver o mar, de “todas as coisas boas” que Deus criou. “Acredito que se tudo for feito de maneira certa está tudo bem”, conta. Sem filhos, acolhe os fiéis e pessoas desamparadas como se fossem filhos.

Processo de reforma começou há oito anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Projetos aproximam paixão pela jardinagem a obras sociais

João realiza ações sociais em regiões carentes de Campo Grande. Com a ajuda da igreja, um idoso conseguiu se consultar com um neurologista e descobriu que nunca precisou tomar os remédios que lhe foram receitados para tratar um problema psicológico que não tinha. O homem se tratou pelo SUS desde menino e recebeu o diagnóstico correto com um especialista só aos 53 anos, que reajustou a medicamentação.

Além dessa história, há oito anos, em uma dessas andanças pela cidade, ele teve um encontro que transformou a vida de uma família. Na época, recebeu pães para doação. Após a entrega no Jardim noroeste com o grupo da igreja, avistaram um menino pequeno que acenava, chamando para que fossem até onde estavam. 

Mesmo sem pães, decidiram fazer uma vaquinha, compraram alimentos próximos dali e entregaram à família. A mulher, na época viúva, ficou duplamente agradecida naquele dia: pela doação da comida e a esperança que a chegada deles lhe trouxe.

“A mulher morava com quatro filhos em uma casa miserável e ela tinha feito uma oração naquele dia. ‘Senhor, entra alguém na minha vida, senão eu vou tirar a minha vida porque não aguento mais’. Naquele dia a gente entrou na vida dela e passamos a ir lá frequentemente, levar o que ela precisava”, relembra João.

Diante da pobreza da residência, decidiu iniciar um projeto para reconstrução para torná-la segura e confortável. “Aquela casa me doía muito. Era um cômodo que era usado como sala, cozinha e quarto. Imagina uma mãe com quatro crianças? E ela, de um coração gigante, ainda agrega outros que não tinham lugar para ficar”, relembra.

Casa da família no Jardim Noroeste foi ampliada. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com doações de materiais e mão de obra, a casa mal feita de alvenaria foi ganhando espaço, cor, piso, varanda e esperança para a família. Hoje, o filho mais velho trabalha como menor aprendiz e outra está no processo de começar o curso. “Eu fui lá no sábado retrasado e sentei naquela varanda e bateu um vento gostoso. Antes a gente sentava embaixo de um pé de limão e no sol. Em dias de chuva, ela precisava recolher as coisas e se abrigar na casa de vizinhos”, descreve.

Hoje a casa possui três quartos que abriga a família que cresceu. Casou-se novamente e teve mais duas filhas. Além delas, o casal acolheu outras duas crianças que não tinham onde morar, somando 12 pessoas na residência. 

“Ela tirava até dela mesmo para dar para os outros. Hoje eu consegui a louça do banheiro e a doação de um carrinho de pipoca para que possa ajudá-la na renda. O marido trabalha como pedreiro, então também ajuda, inclusive com a reforma da casa. Há oito anos ela dizia que era humanamente impossível ter uma casa”, conta com felicidade.

Os interessados em fazer a doação de material de construção ou itens como alimentos e roupas pode entrar em contato pelo telefone (67) 9 9186-6209.