Nesta semana, o vôlei brasileiro tornou-se assunto não por alguma competição ou conquista, e sim pela demissão do jogador Maurício Souza do Fiat/Minas Tênis Clube, após o time avaliar que um comentário feito pelo atleta continha homofobia. No entanto, a homofobia nas quadras está longe de ser novidade e atletas gays têm a discriminação como mais um desafio a ser vencido a cada partida.

A defesa de atletas homossexuais no vôlei vai além de saques e cortadas, eles precisam resistir, dentro e fora de quadra, apenas para ser quem são. Aqui em Campo Grande, não é diferente.

João Vinícius Boretti, de 25 anos, joga vôlei desde 2011 e é abertamente homossexual desde os 18 anos. Para ele, o vai além das competições em quadra. “Eu me sinto bem no ambiente do esporte, ele me traz alegria, me distrai dos problemas é onde reencontro amigos e faço amizades novas”, afirma o líbero, que atualmente integra a equipe de voleibol masculino do Centro Universitário Unigran Capital.

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Boretti também participa de jogos na areia. Foto: ArquivoPessoal/JoãoBoretti

Segundo ele, o que é mais evidente são os comentários vindos das arquibancadas. “Já teve vezes em que joguei, que a torcida adversária fazia músicas e gritos de guerra para tentar me ofender de forma homofóbica”, conta o atleta. “Já tiveram músicas pejorativas, de teor sexual mesmo que eu acho até incômodo falar”.

Na maioria das vezes, Boretti tenta ignorar os comentários e não se deixar abalar, mas nem sempre isso é possível. “Claro que eu levei na esportiva, mas isso não é certo de se fazer”, pontua. “O atleta tem que se concentrar muito no jogo e ignorar essa torcida, mas a gente está ouvindo muito bem as coisas que o pessoal fala de fora, coisas que machucam”, completa o jogador.

Apesar das ofensas do público, Boretti afirma que nunca identificou nenhuma situação de homofobia dentro dos clubes em que já atuou. “Em relação às equipes em que eu representei e companheiros de equipe, graças a Deus, nunca aconteceu nada do tipo”, explica.

Atleta do mesmo time, o ponteiro Sávio Alves Lima, de 24 anos, joga vôlei desde 2012 e após quase uma década ligada ao esporte destaca que os comentários homofóbicos respingam até nos colegas de time heterossexuais. “Sempre teve as piadas aí que quem joga vôlei é gay, tive muito amigos héteros que sofrem por andar ou jogar [com gays] e ser zoados”, conta o atleta.

Assumido publicamente desde os 15 anos, ele relata que possui o apoio da mãe e da irmã, mas que do pai a aceitação nunca veio. “O único que não me aceita é meu pai, que não fala comigo. Ele nunca me aceitou ou aceitou eu jogar vôlei, sempre disse que era perda de tempo, que não ganharia nada, nunca me apoiou dentro do esporte, disse que nunca conseguiria estudo com isso, nunca sairia do Estado, ainda mais sendo do jeito que sou, homossexual”.

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O ponteiro vai além dos bloqueios dos adversários e supera também o fora das quadras. Foto: ArquivoPessoal/SávioLima

O pai de Lima não poderia estar mais equivocado, com quase 10 anos de atleta de vôlei, ele já atuou em equipes de São Paulo e atualmente conta com bolsa atleta na instituição de ensino superior em que joga. “Hoje posso provar totalmente diferente para ele, mesmo não tendo que provar nada, porque ele não faz parte da minha vida mais, mas que sim eu posso ser quem eu sou dentro e fora de quadra e com vôlei consegui sim estudos”, orgulha-se.

Ele ressalta que o preconceito está para além do vôlei e dos esportes em geral. “Hoje em dia é duro você ser um atleta gay em qualquer esporte, seja ele vôlei, futebol, handebol, etc. Preconceito vem de qualquer esporte e de qualquer pessoa. Você sempre será olhado diferente na escola ou faculdade, você sempre será falado do seu jeito mais delicado ou não”, comenta Lima.

Boretti também já sentiu na pele tratamento diferenciado, mesmo quando não compreendia sequer o que se passava dentro de si. “Quando criança, nem eu sabia o que eu queria ou o que eu era, sempre fui diferente, não gostava de certas atividades que os meninos geralmente gostam e era discriminado por isso. A escola e as pessoas nesse período, antes de me assumir, foram bem difíceis de encarar. Hoje trata-se de uma questão de impor respeito, mas não que eu ainda não tenha problemas”, lamenta e recorda-se de uma situação recente que passou.

“Eu estava no shopping dois meses atrás, e estava fazendo absolutamente nada, estava parado mexendo no celular, usando máscara como todo mundo, e com uma bolsa preta de lado, um senhor, de mais ou menos 40 anos, desceu a escada, passou por mim e disse: ‘Que viadagem' e balançou a cabeça de forma negativa, rindo e debochando”, relata. Segundo ele, a ação do homem o pegou tão de surpresa que demorou para que ele compreendesse do que se tratava. “Eu parei pra analisar se era comigo, aí ele saiu andando e olhou novamente pra mim e eu fiquei sem entender. Então assim, a gente sofre preconceito de graça mesmo”, afirma.

Representatividade x Preconceito

O jogador de vôlei Maurício Souza, central de 33 anos, coleciona títulos e medalhas no país. No início de outubro, o atleta compartilhou em sua rede social uma publicação a respeito do novo Superman, filho de Clark Kent, ser um personagem bissexual. No entanto, na legenda da foto, Souza pontuou: “'É só um desenho, não é nada demais'. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”. O comentário provocou revolta em diversas pessoas, que consideraram se tratar de um comentário com teor homofóbico.

Os atletas aqui de Campo Grande também se manifestaram contra o posicionamento de Souza. “Não é um desenho que você vai falar ‘vou ser gay', isso não influencia em nada”, afirma Sávio Lima. “Ele se retratou a um desenho infantil, como se fosse algo ruim a existência de um super-herói gay, da mesma forma como se fosse ruim a existência de pessoas gays”, destaca João Boretti.

O defensor público estadual e coordenador do Nudedh (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos) da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, Mateus Sutana, ressalta que a liberdade de expressão não pode ser confundida com permissão para discurso de ódio. “Nós não podemos utilizar da liberdade de expressão como escudo para o discurso de ódio, para externar os nossos preconceitos”, afirma Sutana.

Sobre o posicionamento de Maurício Souza, Sutana ressalta além da lógica empregada pelo jogador não fazer sentido, é preciso dar voz a outras figuras públicas. “Eu penso que esses acontecimentos nos chamam a atenção para maior reflexão em relação a isso e também para nós darmos vozes a outros super-heróis, a outros esportistas que também saíram em defesa da empresa que desenvolveu esse personagem gay, como o caso do Douglas Costas, que também é jogador de vôlei e se posicionou de forma forte e óbvia, que o fato de você ter um super-herói gay não vai transformar ninguém gay, porque nós temos um super-herói hétero e nem por isso não houve gays até hoje”, destaca o defensor público.

 
 
 
 
 
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Uma publicação compartilhada por Douglas Souza (@douglasouza)

 

A opinião é reafirmada pelos jogadores da Capital, que contam que cresceram assistindo desenhos com personalidades heterossexuais. “Eu falo com toda certeza do mundo, eu cresci assistindo DragonBall Z, que é um dos desenhos mais violentos e masculinos que tem, não tem nada de beijo gay e nem por isso eu sou hétero hoje”, afirma Boretti. “Adoro o Hulk, nem por isso fico verde e saio rebentando geral”, provoca Lima.

Ele ressalta que orientação sexual não é uma escolha e que expressões artísticas externas são incapazes de exercer influência nesses casos. “A questão é que um filme, um comic, uma novela, não vão mudar a personalidade de ninguém. Você nasce, você não escolhe. Desenho não influencia em nada”, opina o jogador.

Liberdade para ser

Dentro e fora das quadras, o que os atletas clamam é por respeito para serem quem verdadeiramente são, livres do medo da violência e preconceito. Sávio Lima relata que sua mãe o aconselha a nunca mudar a sua personalidade. “Ela diz que eu sou especial assim. Eu não escolhi ser assim, não tive a opção, me diz quem escolhe viver em um mundo onde a maioria aponta dedo para você, onde machista ri de você, onde a cada dia LGBTs morrem nas cidades? Quem escolheria passar por isso?”, desabafa o jogador.

Sávio Lima exibe mais uma conquista no vôlei. Foto: ArquivoPessoal/SávioLima

 

Além da pressão nas ruas, muitos homossexuais ainda precisam lidar com a rejeição dentro de casa. “Já é difícil pra gente se aceitar, por conta da sociedade preconceituosa, já temos as complicações de família e ainda temos que lidar com pessoas com esse tipo de fala, tudo começa com uma fala”, afirma Boretti, referindo-se a comentários homofóbicos.

“Eu não escolhi, eu apenas nasci e tenho orgulho de ser assim. Não quero que me aceitem, apenas quero que me respeitem, seja dentro de quadra ou fora”, finaliza Sávio.