‘Achava que era a prova de balas, até a doença me pegar’, relata repórter que teve zika

Repórter do Midiamax conta como foi ter zika, a doença do momento

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Repórter do Midiamax conta como foi ter zika, a doença do momento

Ela está na capa dos jornais, é a grande estrela de qualquer noticiário, e causa frisson em qualquer assessoria de imprensa. Nem artistas como Madonna, Beyoncé ou Lady Gaga, esta, com suas performances bizarras, conseguem estar nos holofotes por tanto tempo. O zika vírus, ou simplesmente zika – a doença da moda – é a nova rainha do horário nobre, e do plebeu também.

E tudo por seu potencial destruidor: a doença ainda é incógnita, desafia cientistas mundo a fora e basicamente é o pesadelo de qualquer mulher gestante, pelo risco potencial de causar má formações no crânio do bebê, a tal da microcefalia. Até o momento, suspeita-se que o vírus possa, inclusive, ser sexualmente transmissível, além de ter sido encontrado na saliva e na urina. E por conta das diversas lacunas e inexistência de cura ou vacina, tornou-se popstar.

Falar de zika com termos olimpianos pode até parecer engraçado, mas a grande verdade é que eu não tinha medo do Aedes aegypti, o mosquito transmissor do vírus, até ser vítima dele. Mantinha minha casa limpa, olhar torto para os vizinhos relapsos, até que um dia quem recebeu um ‘chamado’ fui eu. A vizinha disse que notou minha caixa d’água ‘Achava que era a prova de balas, até a doença me pegar’, relata repórter que teve zikadescoberta e até quis me ceder uma escada para que eu mesmo a tampasse. Muito franco, disse que não dou conta de subir no telhado (medo, mesmo), mas chamei alguém para ver isso para mim. O problema é que a pessoa simplesmente não apareceu ou deu notícia e antes que eu encontrasse outra pessoa para fazer o serviço, contraí a tal da zika.

Sim, a zika existe. E é vergonhoso reconhecer isso da pior forma. Até então era algo que eu lia nos jornais e que, como repórter, eventualmente escrevia sobre. Só que cada matéria sobre zika, dengue e chikungunya era como um homem escrever sobre gravidez, sobre orgasmo feminino, os benefícios de uma viagem à Islândia ou Japão, enfim, era falar de algo que, na prática, não se tem uma vivência. É falso. Talvez por isso eu me sentisse tão inabalável, tão blindado em relação a doença que promete ser a mais democrática de todos os tempo. Tolice.

O contágio

Não sei se o contágio aconteceu na minha residência, não dá para saber, mas também é impossível negar. No sábado de carnaval tive febre alta, o que achei ser resfriado por conta da chuva que eu e todo mundo que decidiu sair no Cordão Valu tomamos. E até aí, tudo bem. Só que no dia seguinte a febre voltou, lá por volta das 18h, eu estava na Praça dos Imigrantes quando achei melhor guardar o confete e a serpentina e voltar para casa. Na segunda, trabalhando no plantão de carnaval, tive meu ‘Momento Maisa’ – meu mundo caiu – e fui solidariamente levado pelo motorista da empresa até o hospital, onde aguardei duas eternas horas até ser atendido e receber medicamento. Até aquele momento, queixava-me apenas da febre, fadiga e dores musculares, mas faltavam sintomas. E por isso diagnóstico médico foi inconclusivo. Precisei ir diariamente ao hospital – e enfrentar toda a odisseia que é passar por triagem, atendimento e medicação – para fazer coleta de sangue e exame de plaquetas, que ajudam no diagnóstico das doenças causadas pelo Aedes aegypti.

‘Achava que era a prova de balas, até a doença me pegar’, relata repórter que teve zika

O mistério das febres altas e diárias só chegou ao fim depois do resultado do terceiro exame de sangue, que junto com as pintas vermelhas que coloriram minha pele, indicaram que não se tratava nem de dengue e nem da febre chikungunya. Zika era o melhor palpite. Dois dias depois, as dores fortes nas articulações (algumas que seguem até hoje) foram o golpe de misericórdia. Já sem febres, sem as manchas (sim, as pintas evoluíram para manchas), restou apenas a coceira maldita, cansaço extremo no corpo e essas dores nos dedos justamente de quem ganha a vida digitando reportagens.

Presente de Deus, lição aprendida. Eu acho. Zika foi a pior doença que tive nos últimos 15 anos, pelos menos. Não há posição na cama que traga conforto às dores musculares que carreguei por quase dez dias, às febres diárias e à coceira implacável das pintas vermelhas ou às dores nos pés, mãos e demais articulações. E sabendo que zika é menos grave que a dengue, a ressaca moral que ela me causou foi ainda mais constrangedora.

A surpresa

Tão logo a zika foi confirmada, fiz uma operação pente fino em casa. E minha surpresa desagradável foi encontrar alguns focos na minha residência, que antes eu considerava blindada, em locais bem discretos e que fugiam do óbvio. Criei coragem, subi no telhado, consertei a caixa d’água e observei que não havia larvas. Ufa. No entanto, havia uma lata de tinta abandonada por lá, algo que jamais poderia saber se eu mesmo não tivesse subido. Sem larvas. Resgatada, a lata foi devidamente protegida de água e jogada no lixo.

‘Achava que era a prova de balas, até a doença me pegar’, relata repórter que teve zika

No meu banheiro, justamente no meu banheiro, o lugar mais limpo da casa (verdade) é que estava grande decepção: atrás da pia, o recipiente da escova de limpar a privada estava cheio de água (que veio de um vazamento imperceptível do cano da pia) e continha muitas larvas – pude contar quatro antes de entrar em pânico. Foi ali que percebi que não basta cuidar da casa e evitar os focos, tem que cuidar da casa e evitar os focos VÁRIAS VEZES NA SEMANA.

Quando fui avisar a vizinha de que cobri a caixa d’água, fui recebido com merecida indiferença. Ela estava ocupada, cuidando do marido que adoecera, provavelmente de zika ou dengue. Preferi não falar do foco que encontrei em meu próprio banheiro, mas fiquei pensando no paraíso de plantas que é o jardim dela, se não há escondido em algum lugar um copinho ou tampinha de garrafa pet que possa, também, servir de criadouro. Se não naquele jardim, no do outro vizinho. E por aí vai… A vigilância precisa ser constante e coletiva. Aprendi da pior forma, bem sofrida, que ninguém está imune.

Agora que tenho anticorpos para o zika, poderia irresponsavelmente ficar mais tranquilo e até mesmo relaxar com a caçada diária aos focos ao meu redor. Afinal, não posso engravidar, não planejo ter filhos tão cedo ou não divido casa com nenhuma mulher que pense em ter filhos no momento, quer dizer, o drama real da microcefalia não estará no meu dia a dia. Só que esta é a forma mais egoísta de se pensar. A reflexão coletiva correta é que, se não for por você, combater o mosquito é o papel necessário até mesmo para o desconhecido mais próximo, homem ou mulher. Muito embora a consequência maior do zika vírus seja maior para os bebês em gestação, o Aedes aegypti continua transmissor de pelos menos quatro tipos de dengue identificados, um deles bastante letal (e que eu, diga-se de passagem, não estou imune). Como disse, é preciso pensar coletivamente e combater os focos. Do contrário, você poderá ter uma história constrangedora para contar, inclusive nos jornais.

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