Dentro do Parque Nacional do Iguaçu, onde ficam as famosas cataratas, uma via de 17,5 quilômetros vem causando uma polêmica que envolve ambientalistas, políticos, moradores e a polícia.

Aberta há décadas em meio à vegetação nativa, a chamada Estrada do Colono – que nunca chegou a ser asfaltada – já foi fechada várias vezes por determinações judiciais que levavam em conta a proteção ambiental na área.

Em 2003, moradores decidiram reabrir o caminho na mata à força e, após alguns meses de incertezas, a polícia voltou a fechá-lo, no que parecia ser o capítulo final do imbróglio.

Mas a decisão levou a uma onda de ações na Justiça, pedindo a reabertura da via, e a polêmica acabou chegando à Câmara dos Deputados, quando o deputado federal Assis Couto (PT-PR), que vem da região, criou o Projeto de Lei 7.123/10, defendendo a reabertura da Estrada do Colono.

Aprovado pelo Câmara no ano passado sem que precisasse ser votado em plenário (por tramitar no chamado caráter conclusivo), o projeto de lei agora está no Senado, aguardando a escolha de um relator para passar por três comissões. Se aprovada nelas, a proposta em seguida vai pela sanção presidencial.

Preservação

A disputa entre grupos pró e contra a reabertura da via culminou com os dois lados criando sua própria cartilha sobre a questão – uma mostrando a decisão como um direito da população e a outra, como um grande risco aos 1,7 mil km quadrados de Mata Atlântica e à fauna local.

“A estrada vai trazer muitos ganhos tanto para a população quanto para o Parque Nacional”, afirmou o deputado Assis Couto.

Segundo ele, há hoje uma grave crise ambiental na região, e a estrada ajudaria na preservação.

“Depois que a estrada foi fechada, aquilo virou um território sem lei, uma terra de ninguém. E, sem controle, abriu-se espaço para caçadores ilegais e traficantes que atravessam a fronteira, por exemplo”, diz o político. Apesar de não cruzar a fronteira com a Argentina, a via passa bem perto da divisa.

“Mas, pelo nosso projeto, a Estrado do Colono será vigiada, terá cancelas na entrada e na saída, não abrirá à noite, só será permitido veículo de passeio e ônibus de turismo. Também vamos fazer um estudo de impacto ambiental detalhado. E, por tudo isso, ela vai ajudar a preservar a região.”

Por outro lado, para Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas da ONG de defesa do meio ambiente WWF, a reabertura da via seria um desastre ambiental.

“Abrir uma estrada cortando o parque ao meio, bem na sua região mais sensível, onde há vegetação mais densa e com mais animais, traria uma série de graves impactos”, afirma Bourshcheit.

Um deles seria o chamado “efeito de borda”. Segundo Bourscheit, uma estrada abriria uma clareira no meio da mata, havendo uma maior entrada de luz, o que altera a dinâmica natural da floresta e ameaça a sobrevivência de espécies nativas mais sensíveis.

Sérgio Brant, diretor do Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, afirma ainda que a estrada formaria uma barreira para muitas espécies, incluindo pássaros, que não iriam atravessá-la. “Ela criaria uma ilha no próprio parque.”

Já a Superintendência regional da Polícia Federal do Paraná divulgou nota refutando a afirmação do deputado de que a estrada ajudaria a coibir a ação de caçadores e contrabandistas:

“Essa via (…) era largamente utilizada por criminosos como caminho para transportar mercadorias ilícitas, armas, munições e drogas, além de facilitar a prática de crimes ambientais. Diante do cenário atual, levando-se em consideração os recurso humanos, materiais e financeiros disponibilizados (…), não seria possível controlar com rigor o tráfego de veículos e pessoas por essa via e a reabertura seria mais um complicador no que se refere ao controle de nossas fronteiras”, diz a nota.

Turismo

Outra vantagem que Assis Couto vê na reabertura da estrada é o incentivo que ela trará ao turismo local.

“A decisão vai ampliar o turismo dentro do parque, levando as pessoas a passear e a fazer trilhas ali. Além de atrair mais turistas do Paraná e região, que além das Cataratas, podem visitar as fazendas locais, muitas com produção orgânica.”

O deputado também joga suas fichas em outro argumento – o de que a reabertura da estrada irá recuperar a autoestima da população.

“Esse é um caminho histórico, que foi muito importante na fundação das cidades dali, é o maior bem cultural da região. Seu fechamento, de maneira autoritária, tirou o chão do povo local e deixou a população revoltada. É uma ferida aberta e de difícil cura”, diz o político, que acrescenta que com a estrada reaberta, a população voltaria a interagir como parque.

Alternativas

Bourscheit destaca, porém, que não dá para ser sustentável com a estrada em funcionamento e que “há outras formas de se promover o turismo conservando um dos maiores remanescentes da Mata Atlântica do país. Uma alternativa é criar entradas alternativas no parque para que se possa fazer trilhas a pé ou de bicicleta, observar aves. Tudo isso sem a necessidade de reativar a estrada do Colono”, diz.

Para o ambientalista, a via também pode fazer o Parque Nacional perder o título de Patrimônio Natural da Humanidade, concedido pela Unesco em 1986, “o que pode levar o Brasil a sofrer uma desmoralização mundial”.

Ele acredita que a ideia de Assis Couto com sua proposta “é ganhar a população com uma proposta eleitoreira que levanta uma bandeira do passado”, diz.

A opinião é compartilhada pelo diretor do Departamento de Áreas Protegidas da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Sérgio Brandt. “Essa demanda virou um capricho. E não há consistência na proposta. Antes o argumento é que ajudaria a escoar a produção agrícola. Agora, mudou tudo. A verdade é que se criou uma polêmica para gerar dividendos políticos e eleitorais”, diz.

O deputado diz que essas acusações são “descabidas” e que seguirá fazendo o que “é do interesse do povo”.