Brasileiros ‘dominam’ prostituição masculina em Londres

“Não é que os brasileiros só querem fazer programa. São os clientes que só querem os brasileiros. Se for de outro país, não dá certo”, simplifica Renato (nome fictício), um catarinense de 25 anos que mora em Londres desde 2012. Sua profissão: garoto de programa em tempo integral. Renato é um dos vários brasileiros que […]

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“Não é que os brasileiros só querem fazer programa. São os clientes que só querem os brasileiros. Se for de outro país, não dá certo”, simplifica Renato (nome fictício), um catarinense de 25 anos que mora em Londres desde 2012. Sua profissão: garoto de programa em tempo integral.

Renato é um dos vários brasileiros que vêm para a Grã-Bretanha em busca de oportunidades de trabalho em várias áreas, inclusive na indústria do sexo.

Muitos encontram emprego em bares, hotéis e restaurantes, mas decidem complementar a renda fazendo programa. Outros nem tentam as vias formais de trabalho. Já chegam em Londres decididos a ganhar o sustento e fazer economias vendendo sexo.

“Muitos brasileiros chegam ao aeroporto e vêm direto aqui anunciar antes mesmo de achar um lugar para ficar”, diz Russell Reeks, editor da seção de classificados da revista masculina britânica QX.

Segundo ele, metade dos  70 anunciantes semanais são brasileiros. Homens, segundo Reeks, bonitos e atraentes, que investem na aparência e apostam na rentabilidade da indústria do sexo londrina.

“Apesar da recessão, Londres continua sendo um mercado lucrativo para os trabalhadores do sexo”, opina Reeks, acrescentando que um anúncio na revista (edições impressa e online) custa em média £40 por semana.

As leis britânicas não classificam como ilegal a prostituição punindo apenas quem solicita e paga por sexo ou aqueles que exploram comercialmente a atividade sexual de outras pessoas.

Made in Brazil

Renato concorda. Ele diz que cobra 200 libras (R$ 800) por hora e que já chegou a fazer  3 mil libras (R$12 mil) num único fim de semana.

O catarinense diz frequentar a academia ao menos três vezes por semana para manter a forma, compra roupas caras das marcas Diesel e Ralph Lauren e divide um apartamento de dois quartos com um amigo tailandês, também garoto de programa, no bairro chique de South Kensington, no oeste da cidade.

Ele também investe pesado em publicidade: mil libras (R$ 4 mil) por mês em anúncios em sites e revistas.

Ele diz acreditar que os prostitutos brasileiros fazem sucesso com clientes londrinos por causa da “marca Brasil”.

“Se vender como brasileiro dá muito certo. Podemos até cobrar mais caro. Os clientes nos acham sexy, gostam do nosso sotaque, do nosso jeito e personalidade”, diz Renato, cuja maioria da clientela é composta de homens, a maior parte turistas ou em viagem de negócios. Ocasionalmente ele atende casais.

HIV

Não há estatísticas oficiais sobre o número de garotos de programa brasileiros na Inglaterra, mas um estudo recente, publicado em dezembro pela British HIV Association (BHIVA) afirma que 39% dos trabalhadores do sexo no país são sul-americanos. Deste total, 97% são brasileiros.

Ainda segundo a pesquisa, homens que trabalham na indústria do sexo têm três vezes mais chances de serem diagnosticados com o vírus HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST), como clamídia e gonorreia, do que outros homens.

O trabalho não traz dados sobre o índice de DST entre os brasileiros, mas um outro dado, divulgado em outubro do ano passado pela Health Protection Agency (HPA), aponta que, em Londres, entre 2007 e 2011, o maior número de contaminação pelo vírus HIV entre homens estrangeiros que fazem sexo com outros homens se deu entre brasileiros (7%).

Eles ficaram apenas atrás dos britânicos (44%). O levantamento não analisa o perfil dessas pessoas, mas o brasileiro José Resinente, coordenador do projeto Naz Vidas, supõe que eles façam parte da comunidade gay e trabalham como garotos de programa.

O Naz Vidas é uma ONG que oferece orientações sobre saúde sexual e planejamento familiar para a comunidade lusófona na Grã-Bretanha. Desde 2009, oferece testes de HIV e, segundo Resinente, até agora foram registrados dois casos da doença entre brasileiros, um heterossexual e outro gay.

O brasileiro está usando os dados da HPA como base para sua tese de doutorado, de que os casos de Aids entre brasileiros em Londres se concentram entre os gays e trabalhadores do sexo.

“Não identificamos garotos de programa com HIV na Naz porque eles não passam por aqui. Eles evitam contato com a comunidade brasileira por medo de serem identificados”, afirma Resinente.

Segundo ele atende, em média, 12 brasileiros por semana em busca de check-ups de saúde sexual ou de tratamento para DST.

Em sua avaliação, os trabalhadores do sexo estão mais expostos ao risco de HIV por vários fatores, entre os quais o uso de drogas.

“Quando estão sob o efeito de entorpecentes, é mais fácil esquecer de usar o preservativo e o risco de contaminação aumenta”, diz ele.

Autonomia

Resinente concorda com a ideia de que o “sex appeal” pode explicar porque há tantos brasileiros vendendo sexo na Grã-Bretanha. Mas vai além.

“Aqui é fácil ser anônimo, ter mais liberdade e criar uma vida nova, ao contrário de outros países, que também atraem muitos garotos brasileiros, como Portugal. A mesma língua e o risco de poder ser reconhecido facilmente botam medo”.

Apesar da falta de dados oficiais, agentes de saúde sexual  dizem acreditar que o número de brasileiros na indústria do sexo londrina diminuiu desde 2008 por causa da recessão.

“Mas ainda é estável e ainda é a maioria”, afirma Gregory King, enfermeiro-chefe do Working Men Project, clínica de saúde sexual do serviço de saúde público britânico (NHS), umas das maiores do país.

A clínica atende entre 100 e 150 garotos de programa por ano. Desde total, 60% são latino-americanos e a maioria brasileiros.

“São homens com idades entre 25 e 35 anos que fazem programa durante um ano e meio, em média. Muitos só fazem isso para pagar estudos, apoiar a família no Brasil e juntar dinheiro para depois voltar”, diz.

“Mas há muitos que apreciam a abertura de Londres ao estilo de vida gay e querem se estabelecer por aqui”, acrescenta.

Ao contrário do que Resinente acredita, King afirma que há baixa incidência de contaminação por HIV entre trabalhadores do sexo.

Ele diz que, no geral, os brasileiros são cuidadosos com a saúde e procuram a clínica para conseguir camisinhas e fazer check-ups.

“Sou paranoico com a minha saúde”, confirma Renato.

“Antes de começar a trabalhar procurei uma clínica e o atendimento foi muito bom. Fiquei sabendo tudo sobre os meus riscos e como é importante me proteger”, diz ele, acrescentando que evita tomar drogas para não “perder o controle”.

O catarinense diz estar chegando ao seu limite e pretende deixar a prostituição no fim deste ano, quando expira seu visto de estudante.

“Tem gente que faz porque gosta. Eu só faço por dinheiro. Quero voltar para o Brasil, terminar a faculdade de jornalismo e abrir um negócio”, diz ele, sem querer revelar quanto já tem guardado.

“Não dá mais para levar uma vida escondida”, desabafa. “Minha mãe não pode nem sonhar que faço isso para viver”.

As leis britânicas não classificam como ilegal a prostituição punindo apenas quem solicita e paga por sexo ou aqueles que exploram comercialmente a atividade sexual de outras pessoas.

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