Maioridade penal e penas socioeducativas continuam sem consenso 20 anos após promulgação do ECA
Vinte anos depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda não existe consenso em torno de propostas sobre a maioridade penal e o aumento das penas socioeducativas. Um grupo de deputados tenta, desde maio, consolidar uma proposta comum sobre o tema, mas ainda não há expectativa de conclusão do debate. Mais […]
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Vinte anos depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda não existe consenso em torno de propostas sobre a maioridade penal e o aumento das penas socioeducativas. Um grupo de deputados tenta, desde maio, consolidar uma proposta comum sobre o tema, mas ainda não há expectativa de conclusão do debate.
Mais de dez projetos de lei tramitam no CongressoNacional com propostas de mudanças no ECA, e os deputados que integram a comissão especial criada para tratar do assunto já estiveram em vários estados para ouvir o posicionamento de juízes e especialistas que atuam na área. Ainda assim, o relator do colegiado, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) não conseguiu fechar um texto final para ser analisado pelo grupo e depois no plenário da Câmara e do Senado.
Sampaio explicou que não existe um senso comum em torno de pontos mais polêmicos, como a penalidade adequada para casos de crianças e adolescentes envolvidas com tráfico de drogas. “Não tenho clareza sobre qual a postura em relação ao tráfico. Em cada lugar que visitamos, um juiz tem uma posição diferente”, disse ele.
Um dos maiores impasses gira em torno do aumento das penas aplicadas aos jovens e da idade mínima para que eles respondam penalmente.
O coordenador-geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Cláudio Augusto Vieira da Silva, reafirmou que o governo é contra qualquer mudança da maioridade penal e considera as medidas socioeducativas suficientes para reverter o quadro de violência envolvendo crianças e adolescentes. Ele ressaltou, porém, que ainda existe no país uma convicção “muito arraigada de privação, de que adolescentes devem, em primeiro lugar, ser encarcerados”.
Durante audiência convocada pela comissão, Cláudio Vieira apresentou pesquisas para mostrar que a maior parte das ocorrências criminais envolvendo jovens está relacionada a roubo e tráfico de drogas. Pelos dados, o número de internações de adolescentes no Brasil passou de 19,8 mil em 2011 para 27 mil no ano passado. Em 2011, a maior parte das internações (38,1%) teve como motivo a prática de roubo, seguida por tráfico de drogas (26,6%). “Em terceiro lugar, temos homicídios, com 9% [dos jovens envolvidos].”
A presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Izabel da Silva, reiterou a posição contrária ao agravamento das penas. Segundo Maria Izabel, o ECA e o Sinase definem regras e punições suficientes. O estatuto já prevê responsabilização a partir dos 12 anos de idade e é mais “duro” com crianças e adolescentes que precisam esperar, reclusos, a sentença do juiz, do que o Código Penal, que abre possibilidade de adultos aguardarem o julgamento em liberdade, acrescentou.
“Medidas repressivas não inibem a violência”, afirmou Maria Izabel. Para ela, é preciso implementar toda a Lei do Sinase, criada no ano passado para regulamentar pontos do ECA, antes de tentar alterar a legislação. Para a presidenta do Conanda, as informações sobre o perfil de adolescentes infratores revelam dados que merecem mais atenção do que o endurecimento das medidas socioeducativas.
“Não é verdade que nossos adolescentes são os grandes responsáveis pelo aumento da violência no país. Pelo contrário, eles são vítimas da ausência de políticas públicas, do acesso à educação de qualidade, do acesso ao mercado de trabalho”, disse Maria Izabel. Ela informou que 95% dos internos são homens, 75% têm entre 16 e 18 anos e todos estavam cursando da 4a à 6a séries na escola. “Ou seja, tem uma defasagem clara de educação. Será que não teríamos que tratar é disso?”, questionou a presidenta do Conanda.
Maria Izabel apontou ainda indícios de dificuldade de acesso desses jovens ao mercado de trabalho e de preconceito racial, considerando, por exemplo, que 60% dos internos são afrodescendentes.
Em linha contrária, Pedro Paulo Guerra, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defendeu a alteração na lei para que o juiz possa decidir conforme cada caso e aplicar pena maior, quando houver necessidade. “Somos a favor dessa modificação do estatuto que permita, em tese, que o prazo para aplicação de medidas de ressocialização se estenda de três [anos, como previsto no ECA] para seis anos. Isso não quer dizer que a OAB seja a favor de que se interne jovem por seis anos, mas, em situações excepcionais, pode ser preciso aplicar medidas de ressocialização num prazo de seis anos”, explicou.
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