Sorte continua sendo importante na redação do Enem
A principal mudança no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012 será na correção da redação. O ministro da Educação até afirmou que são 3.339 pontos de checagem que estão listados para que tudo saia bem no Enem (antes eram só 1.200), que o Enem envolve uma logística enorme e que precisa ser tratado […]
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A principal mudança no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012 será na correção da redação. O ministro da Educação até afirmou que são 3.339 pontos de checagem que estão listados para que tudo saia bem no Enem (antes eram só 1.200), que o Enem envolve uma logística enorme e que precisa ser tratado com o máximo de cuidado, etc., mas, na entrevista coletiva em que anunciou o início do processo do Enem 2012, o assunto eleito como prioritário, e que conduziu as pautas da imprensa no dia, foi a mudança na correção da redação. Infelizmente, vários pontos importantes e que certamente ainda aparecerão como problemas foram deixados de lado pelo ministro.
Sim, os critérios para a correção da redação precisavam ser aprimorados. Nos três últimos anos, a redação funcionou mais ou menos como um sorteio. Como sua correção é sempre subjetiva, e o Enem não construiu, ainda, um critério que diminua a subjetividade, certamente muitas pessoas com boas redações tiveram notas baixas. E ter nota baixa na Redação significou para muita gente, principalmente nos cursos mais concorridos do Sistema Unificado de Seleção (Sisu), a diferença entre entrar ou não em uma universidade pública. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que deu peso 3 para a redação em todos os seus cursos, é impossível, ou quase, encontrar um aluno que tenha entrado este ano em Direito ou em Medicina com nota menor do que 900 na redação.
Nos termos em que os vestibulandos estão acostumados a raciocinar, é como se as notas de corte nas provas objetivas tivessem baixado ligeiramente (precisou de menos acertos para classificar-se para uma vaga) e tivesse havido um ‘sorteio’ entre as pessoas com esta nota de corte e com boas redações. Quem teve uma boa redação com nota baixa ficou fora, e quem atingiu a nota de corte, fez uma boa redação e teve uma boa nota nesta redação conquistou sua vaga.
O erro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), na correção das redações acabou criando uma coisa positiva. Parte das pessoas que entraram, pelo Sisu, em universidades públicas nos últimos três anos provavelmente estaria fora, em condições perfeitas de correção. Isto fez, junto com a expansão do número de vagas e a seleção nacional, com que as salas de aula das universidades públicas ficassem mais heterogêneas. Acabou sendo positivo, pois ajudou mudar, um pouco, o perfil do aluno das públicas do Brasil (devemos lembrar que algumas pessoas defendem que as vagas sejam distribuídas por sorteio para os alunos que tiverem uma pontuação mínima). Mas não podemos deixar de denunciar que, como a regra não prevê sorteio, a correção mal feita foi injusta e prejudicou milhares de estudantes.
Vamos às mudanças do MEC. Primeiro, qualquer discrepância maior que 200 pontos entre os dois primeiros corretores levará a um terceiro. Este número já foi de 500 e, no ano passado, diminuiu para 300. Não havendo discrepância maior que 200 pontos, juntam-se as duas notas, divide-se por dois e eis aí a nota da redação. O terceiro corretor entra em cena quando a diferença é maior que 200.
A partir deste ano, ele não saberá quais foram as notas dos dois corretores anteriores. Isto é muito importante, pois antes o terceiro corretor funcionava como um juiz dos dois anteriores, a agora ele estará na mesma posição dos anteriores. A nota que estiver mais aproximada daquela dada pelo terceiro corretor é somada a ela, se não tiver diferença maior de 200 pontos, e dividida por dois. Se a discrepância de notas continuar, aí sim a redação irá para uma banca de 3 corretores, que, juntos, decidirão pela nota final.
Agora, a grande inovação da correção da redação em 2012 será a análise da discrepância entre as ‘competências’ cobradas na redação do ENEM. Para quem não sabe, o ENEM cobra 5 competências na redação, e cada uma delas vale de 0 a 200 pontos. O corretor, diferente do que a maioria da população imagina, não atribui uma ‘nota com número’ para cada item da redação. O que ele faz é atribuir um nível para sua redação. E faz isto em um programa de computador, em que cada nível, de 0 a 5, de cada competência, tem um círculo para ele assinalar.
Vamos tentar representar isto. Imagine que o corretor está lendo a sua redação, no computador, e que ele vai lhe atribuir um nível para a primeira competência (“domínio da norma culta”). Na parte de baixo da tela ele terá 6 círculos, desta forma :
Competência 1
O nível 0
O nível 1
O nível 2
O nível 3
O nível 4
O nível 5
Na ordem, se o corretor assinalar o primeiro circulo (nível 0) ele irá gerar uma nota 0, o segundo irá gerar uma nota 40, o terceiro 80, o quarto 120, o quinto 160 e o sexto (nível 5), 200 pontos.
Expliquei isto para falarmos de mais uma das mudanças da correção da redação no Enem 2012. Mas primeiro observem que, como a nota é dada em múltiplos de 40, dizer “discrepância maior que 200 pontos” é a mesma coisa que dizer “discrepância a partir de 240 pontos”. Além desta discrepância, maior que 200, o MEC irá mandar para o terceiro corretor, ou até para a banca final de avaliação, qualquer redação que tenha discrepância de pontuação, na mesma competência, maior que 80. “Maior que 80” significa que só terá este direito a redação que tiver, dentro de uma mesma competência, uma diferença a partir de 120 pontos. E este número eu considero exagerado. Isto significa, por exemplo, só mandar a redação para nova correção se ela for avaliada, em uma mesma competência, com 3 níveis de diferença. É a mesma coisa que dizer que, em uma avaliação valendo 10, a correção só será refeita se a diferença for a partir de 6 pontos entre os corretores.
Na competência 5, por exemplo, que avalia se o aluno ‘elaborou uma proposta ética de solução para o problema apresentado’, o nível 2 é ‘elaborou proposta precária e desarticulada com a discussão’. Já o nível 5, que é o único que garantiria que está redação fosse para um terceiro corretor por discrepância de nota na competência, é ‘elaborou proposta inovadora relacionada ao tema e bem articulada com os argumentos usados no texto’. A distância entre ‘proposta precária’ e ‘proposta inovadora’, de um corretor para o outro, é absurda. E a regra criada pelo MEC, para aprimorar a redação, deveria impedir as situações em que as diferenças entre os corretores já fazem com que a correção esteja ruim, não que tivesse outras chances de correção somente quem passasse pelo absurdo. No final das contas, o método de pontuação para as redações realmente é melhor que o anterior, mas ainda não garante, principalmente em uma prova em que teremos 4.500 diferentes corretores, que a sorte não influa no resultado da redação. Boas, e até ótimas, redações ainda devem passar pelo martírio de receber notas baixas. Em menor quantidade que anteriormente, mas continua o martírio.
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