Criada para moralizar eleições, Lei Ficha Limpa causou polêmica

As eleições deste ano foram marcadas por muitas novidades, a começar pela vitória da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff (PT), que toma posse neste sábado (1º/1). No entanto, antes mesmo da corrida eleitoral ter início, foi sancionada uma lei complementar com o objetivo de garantir maior lisura ao processo, impondo mais critérios para […]

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As eleições deste ano foram marcadas por muitas novidades, a começar pela vitória da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff (PT), que toma posse neste sábado (1º/1). No entanto, antes mesmo da corrida eleitoral ter início, foi sancionada uma lei complementar com o objetivo de garantir maior lisura ao processo, impondo mais critérios para impedir o registro de candidaturas: a chamada Lei Ficha Limpa (LC 135/10).

O projeto de iniciativa popular, de autoria do MCCE (Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral) e que contou com mais de 4 milhões de assinaturas, pretendia tornar mais rígidos os critérios já estabelecidos pela Lei de Inelegibilidade (LC 64/90), com base na análise da vida pregressa do candidato.

Dessa forma, segundo a Ficha Limpa ficariam inelegíveis: candidatos condenados na Justiça por decisão de tribunal colegiado; parlamentares que renunciaram ao cargo para evitar abertura de processos ou fugir de punições estabelecidas; e o período de inelegibilidade passou para oito anos, em todos os casos.

Apesar de a campanha ter sido proposta em 2008 pela entidade, somente em setembro de 2009 o projeto foi entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, para finalmente ser votado. Com a proximidade das eleições, o texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, com alterações apenas para adequá-lo a aspectos jurídicos e constitucionais, em maio deste ano.

A primeira discussão, porém, foi ocasionada com a mudança proposta no Senado, pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), cuja emenda trocava a expressão original “que tenham sidocondenados” para “que forem condenados”, o que poderia abrir uma possibilidade para que a norma fosse aplicada apenas a processos futuros, livrando políticos que já tivessem condenações na Justiça.

Com a alteração, considerada redacional e por isso sem retornar à Câmara para nova votação, a Lei Ficha Limpa foi sancionada pelo presidente Lula no dia 4 de junho e entrou em vigor no dia 7, ao ser publicada no D.O.U. (Diário Oficial da União).

Primeiros desdobramentos

Pouco antes da sanção, Ricardo Lewandowski, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), já observou o problema “semântico” na redação da nova legislação e afirmou que os dois tribunais teriam que se pronunciar sobre a questão eleitoral e constitucional.

A briga no Supremo seria com relação à presunção da inocência, argumento que candidatos poderiam utilizar para pleitear o registro de candidatura. O principal argumento dos contrários à lei era de que os políticos, como cidadãos comuns, não poderiam ter seus direitos caçados antes de uma decisão final.

Outra dúvida logo despertada foi a respeito da validade da lei: a alteração já poderia ser aplicada nas eleições deste ano ou somente em 2012? Isso porque, com base no artigo 16 da Constituição, há o princípio da anualidade, que prevê a espera de um ano para que uma lei que altera o processo eleitoral seja aplicada.

Rapidamente, sete dias depois da sanção, o TSE decidiu, por maioria de votos, que a Lei Ficha Limpa seria válida já nas eleições de outubro, sob o entendimento de que o processo eleitoral ainda não havia começado e em nome da preservação dos princípios da moralidade e probidade.

Não demorou para que o Tribunal também se pronunciasse quanto ao “problema semântico”, determinando que a lei vale para políticos condenados anteriormente. A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Arnaldo Versiani, que ressaltou que a inelegibilidade não é uma pena, e sim uma condição para aferir o registro da candidatura. Para ele, saber o tempo verbal empregado pelo legislador é “irrelevante” e nos casos de inelegibilidade ninguém é declarado culpado, descartando, dessa forma, o argumento da presunção de inocência.

Enxurrada de recursos

A possibilidade de entrar com ações de efeito suspensivo, prevista na lei, fez com que muitos políticos “ficha suja” entrassem com recursos no STF para poder concorrer. Mais uma vez, a viabilidade de alcance da Ficha Limpa seria alvo de debates.

Esse foi o caso, por exemplo, da deputada Isaura Lemos (PDT/GO), que teve suspensa a condenação por improbidade administrativa em decisão do ministro do STF Dias Toffoli. E também do senador Heráclito Forte (DEM/PI), condenado por conduta lesiva ao patrimônio público, mas que foi liberado em decisão do ministro do Supremo Gilmar Mendes.

Divergindo do entendimento de seus colegas de Plenário, porém, o ministro Ayres Britto negou efeito suspensivo a três parlamentares condenados por instâncias anteriores, alegando que não estava “totalmente convencido” da possibilidade de conceder efeito suspensivo por decisão monocrática, ao analisar uma decisão de colegiado.

Ficha Limpa no Supremo: empatou

Uma hora ou outra o Supremo Tribunal Federal iria receber uma ação questionando a lei. Em setembro, finalmente chegou o primeiro pedido. O candidato ao governo do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC), barrado por ter renunciado ao mandato de senador para fugir de um processo de cassação, entrou com uma reclamaçãopara reverter o indeferimento de seu registro para as eleições deste ano. A defesa do candidato alegou, prioritariamente, que o TSE desrespeitou o princípio constitucional da anualidade.

Com um ministro a menos, a Suprema Corte empatou. E empacou.

Os ministros se viram diante de dois impasses: primeiramente, o julgamento em si – cinco votos pela aplicabilidade da lei este ano e cinco votos contra. Em seguida, o impasse do impasse, como desempatar? Sem chegar a um consenso, o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, propôs o adiamentoda sessão, após 11 horas de intenso debate.

No dia seguinte, Joaquim Roriz desistiude sua candidatura e lançou sua mulher Weslian no lugar. Os advogados de Roriz desistiramdo recurso no STF e os ministros decidiram arquivara ação, sob entendimento de que houve perda do objeto. E o impasse foi mantido: apesar de reiterar a repercussão geral do tema, a Corte decidiu esperar que outro recurso chegasse à plenária.

Um mês depois, outro recurso chegou ao STF, desta vez referente ao candidato eleito a senador Jader Barbalho (PMDB-PA). O político teve seu registro negado pelo TSE porque, em outubro de 2001, renunciou ao cargo de senador para fugir de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar.

Após seis horas de discussão, por sete votos a três, os ministros decidiram que a lei Ficha Limpa seria válida nas eleições deste ano, para o caso de políticos que tivessem renunciado a seus cargos para evitar processos de cassação.

O plenário ainda deve ser palco de novas contestações sobre a norma, como Peluso admitiu, já que apenas uma das causas de inelegibilidade foi julgada.

O caso Maluf

Condenado pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) no caso “Frangogate”, por ter superfaturado uma compra de frangos, quando ainda era prefeito de São Paulo, em 1996. Devedor de multa eleitoral. Procurado pela Interpol, com mandado de prisão da Justiça norte-americana. O currículo de Paulo Maluf (PP/SP)é conhecido e extenso.

Esse ano, o deputado federal teve o registro de candidatura cassado pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) no dia 23 de agosto, enquadrado na Lei Ficha Limpa. No entanto, ao completar 79 anos, no dia 3 de setembro, a ação por superfaturamento prescreveuno STF e as chances de o candidato assumir novamente como deputado aumentaram.

Mesmo depois de ter sido eleito como terceiro candidato mais votado para o cargo, com 497.203 votos, o processo de registro ainda corria na Justiça Eleitoral e, no início de outubro, o TSE manteve o indeferimento, sob argumento de que o candidato protocolou recurso à decisão do TRE-SP fora do prazo estabelecido.

Ainda em situação instável até o início de dezembro, dias antes da diplomação, Maluf foi surpreendido com a decisão do TJ paulista que revogou a condenação no caso “Frangogate”. Segundo o relator do recurso, desembargador Nogueira Diefenthaler, não houve prova de dolo ou de culpa grave.

Absolvido, o deputado entrou com pedido no TSE para que seu registro de candidatura à reeleição fosse finalmente deferido e o TRE-SP o proclamasse eleito. Com a urgência do caso, o político teve seu pedido atendido e, em decisão monocrática, o ministro Marco Aurélio, relator, concedeu liminar garantindo o direito de Paulo Maluf ser diplomado no dia 17 de dezembro.

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