Novo Código de Ética define como dever do médico garantir ‘morte digna’
Em cima da mesa de Maria Goretti Maciel está a história de alguns dos pacientes que passaram pela Enfermaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual. São dois cadernos em que médicos, enfermeiros e os próprios pacientes escrevem um pouco do que vivem entre os dez quartos daquele corredor. São quase dez anos […]
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Em cima da mesa de Maria Goretti Maciel está a história de alguns dos pacientes que passaram pela Enfermaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual.
São dois cadernos em que médicos, enfermeiros e os próprios pacientes escrevem um pouco do que vivem entre os dez quartos daquele corredor. São quase dez anos de um serviço pioneiro em São Paulo que se reafirma com o novo Código de Ética Médica que passa a valer em todo o país a partir de terça-feira (13).
Cuidados paliativos são um conjunto de técnicas médicas voltadas para pacientes com doenças graves, com o objetivo de diminuir o sofrimento físico, psicológico e espiritual. A atenção integral ao doente é o primeiro fundamento da prática que está diretamente ligada à ortotanásia e envolve médicos, enfermeiros, psicólogos e terapeutas ocupacionais.
Desde 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza a ortotanásia – que diferentemente da eutanásia não prevê a interrupção da vida do paciente, mas estabelece uma série de preocupações, como a utilização dos cuidados paliativos, para garantir a morte digna. Ou seja, mesmo que a doença não tenha mais cura, o paciente continua a ser cuidado, ouvido, aliviado de sua dor e confortado.
Há vinte anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar que pacientes de câncer fossem tratados com os cuidados paliativos sempre que a doença não respondesse mais aos tratamentos que tentam a cura. Mas o Código de Ética Médica brasileiro não é alterado há mais tempo, desde 1988.
Agora, entre os 118 artigos que fixam os deveres dos médicos, ao lado de itens como os vetos à manipulação genética, à escolha do sexo do embrião e a qualquer tipo de relação comercial com empresas farmacêuticas, pela primeira vez os cuidados paliativos aparecem claramente.
O texto do novo código foi debatido durante mais de dois anos em audiências públicas promovidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A inclusão dos cuidados paliativos é resultado do trabalho da Câmara Técnica sobre Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos, da qual Maria Goretti fez parte.
O texto afirma que “é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”
Apesar da OMS já recomendar o uso dos cuidados paliativos há bastante tempo, a prática só passou a ser mais difundida a partir de 2002 quando a organização refez a recomendação e estendeu o uso dos cuidados paliativos para todas as doenças que ameaçam a vida e não podem mais ser curadas.
Maria Goretti afirma que mesmo assim muitos médicos não fazem o que agora o Conselho Federal de Medicina estabelece como um dever ético dos profissionais e um direito do paciente. Ela diz que ainda hoje são comuns os casos em que os hospitais mandam pacientes de câncer para casa e dizem “não temos mais o que fazer”. “Quem diz que não tem mais nada o que fazer por algum paciente e manda ele voltar para casa é porque não conhece os cuidados paliativos”, diz a médica.
Ela conta que saber a verdade sobre o diagnóstico é fundamental para o paciente. Para 50% dos que passam pela porta do ambulatório, a morte será o desfecho de uma luta que geralmente já se estendeu por meses e acabou com as forças dos doentes e seus familiares.
Mesmo assim, ser internado no local não significa um caminho sem volta. Para os outros 50%, o tempo de permanência no ambulatório é de uma semana. “Eles voltam para casa, mas voltam assistidos”, explica a médica.
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