Adotado aos 3 anos, jovem de Dourados busca conhecer sua mãe, pai e quer saber se tem irmãos

Ele é o dono do sorriso escancaradamente mais bonito de Dourados.
Pode onde passa semeia alegria. Vive rindo. Se chora é escondido! Nunca
ninguém jamais o viu triste. Se ficou triste foi entre quatro paredes.

         O sorriso está estampado no rosto já sulcado pelo tempo de um homem
que aos 39 anos de idade mais parece aquela criancinha abandonada no Lar de
Crianças Santa Rita.

         Ele é Marcelinho. Marcelo José da Silva nascido em 25 de junho de
1971 em Dourados. Assim diz a sua certidão de nascimento envolta de
mistérios. Marcelinho sempre quis saber a sua origem e só encontrou
obstáculos homéricos. Nem mesmo Hércules poderiam transpor mais este
“trabalho”.

         Marcelinho conta que aos três anos de idade foi adotado pelo casal
Elvira e Stefano de Lucca. Recebeu amor, carinho, atenção e educação. Mas a
adoção não tramitou pela justiça. O “negrinho” do sorriso aberto ganhou uma
família, mas ainda faltava alguma coisa. Ele queria saber a sua origem. Quem
é a sua mãe, seu pai. Quer saber se tem irmãos.

         O tempo passou e somente agora Marcelinho inicia a sua cruzada em
busca da verdade. O Santo Graal da sua vida parece eqüidistante.
Investigando por conta própria, Marcelo que não é bobo começou a analisar
tudo o que aconteceu em sua volta e fica com a cabeça cheia de pontos de
interrogação.

         Marcelo nasceu em 1971, mas somente passou a existir oficialmente
em 21 de setembro de 1979 quando foi lavrada pelo Cartório do Registro Civil
de Dourados sob o número 10.428 a sua certidão de nascimento. Neste
documento consta que Marcelinho nasceu às 18h como sendo filho do lavrador
Marcelino José da Silva e da dona-de-casa Maria Francisca da Silva.

Mas quem é Marcelino e Maria Francisca? Este é um dos mistérios. Estes pais
dados para Marcelinho nunca apareceram. Na mesma certidão de nascimento não
constam os nomes dos avós maternos e paternos. Será que o DNA de Marcelinho
pára em seus pais?

Como o registro no cartório foi feito por uma diretora do Lar Santa Rita
quando Marcelinho era um molecote por si só deixa uma fumaça esquisita no
ar. Marcelinho sabe disso e sabe que não sabe mais nada já que ninguém lhe
conta. Ele quer saber por que somente aos oitos anos é que ganhou este
documento que foi feito pelo Lar Santa Rita já que fazia cinco anos de for a
adotado por uma família.

Aos 18 anos Marcelinho foi para o Exercito. Depois arrumou uma companheira e
não voltou mais a morar com a sua família substituta. Deixou a companheira e
como o “espírito que anda” passou a buscar a justiça.

Entre as histórias que foram contadas para Marcelinho figura aquela em que
um homem negro lhe deixou ainda bebê no Lar Santa Rita. Também contaram para
Marcelinho que ele havia sido deixado no Lar com uma irmã e um irmão.

Um advogado contou que Marcelinho pode ser filho de um cidadão por nome de
Carlos Tavares filho adotivo de uma riquíssima fazendeira da fronteira
Brasil-Paraguai. Contaram-lhe que este homem recebeu uma enorme herança e
talvez esse tenha sido o motivo para abandonar a criança.

Marcelinho tem vagas lembranças do tempo que passou pelo Lar Santa Rita. Ele
se lembra do campo de terra onde as crianças jogavam bola, da cerca de
madeira, do poço com sarilho e da lama no pátio em épocas de chuvas.

Da época em que viveu com a família Stefano a memória de Marcelinho está
cheia de alegria. Ele conta dos afagos da mãe Elvira e da amizade e
companheirismo com o pai. Até chegar o tempo de ir para o quartel Marcelinho
pedalava uma bicicleta cargueira pra-cima-pra-baixo carregando peças de
veículos que eram consertados pela oficina do pai. “Todo mês meu pai adotivo
me pagava um salário”, disse.

Marcelinho durante muitos anos foi um notívago. Viveu saracoteando o corpo
nas danceterias. Fez um curso e transformou-se num disc-jóquei. O DJ
Marcelinho agitou muitas festas até que um dia deixou as noitadas de lado e
passou a freqüentar uma igreja evangélica.

Há poucas semanas esteve no mesmo cartório onde foi registrado o seu
nascimento para oficializar o seu casamento com Natália Cordeiro Góes, sua
atual companheira-apaixonada. Ele diz que Natália é a sua única referência
de família.

Com uma mágoa pungente Marcelinho quer toda a verdade em cima da mesa. Quer
saber por que a certidão de nascimento foi feita tardiamente. Quer saber se
os nomes dos pais foram inventados. Quer abrir os arquivos do Lar Santa
Rita. Quer abrir o seu coração para o mundo e gritar quão grande é a sua
dor.

Quando o seu pai “adotivo” morreu há mais de dez anos, Marcelinho foi
alijado da partilha dos bens da família. A alegação: não era herdeiro porque
não existia uma adoção legal. Marcelinho sentiu-se enganado. Sentiu-se como
um daqueles criados das famílias abastadas. Sentiu-se com as mãos vazias e o
coração dilacerado.

Por conta disso, Marcelinho entrou com uma ação na Justiça com um pitoresco
pedido de “reconhecimento de adoção”. Ele acredita que a justiça vá lhe
garantir o direito na partilha dos bens. “Sempre fui considerado como um
filho”, diz na esperança de seu pleito ser atendido.

Nada, absolutamente nada tira do rosto de Marcelinho o sorriso largo. Nada,
absolutamente nada, pelo menos por enquanto, mitiga a sua mágoa, tira a
nódoa dorida do seu coração. Para este fado findar, para o fardo ser
aliviado Marcelinho quer a verdade, nada além da verdade.

Quer saber que são seus pais, seus avós, seus irmãos e o fim dos mistérios
sobre a sua permanência no Lar. Quer viver em paz. Quer sossego e não pensar
mais na sua mãezinha negra. Na tristeza e na escuridão que possa ter
invadido a vida de sua mãe. Quer a sua história conhecida e reconhecida para
que novos Marcelinhos não surjam.

Na manhã de sábado Marcelinho, que concluiu apenas o ensino fundamental,
voltou ao Lar Santa Rita que atualmente usa o lema “Adote este Sorriso!”. Ao
lado de Natália ele leu pausadamente uma placa em homenagem aos fundadores
da casa: Geny Ferreira Milan, Afife Macksoud Bussuan, Maria Florezia
Carneiro e Rafael Arcanjo de Arruda.

Fundado em 1965, o Lar de Crianças Santa Rita deve o resgate da história de
Marcelinho que merece saber de onde veio. Merece viver e morrer feliz para
que seu sorriso se perpetue como o exemplo de vida oferecido por Santa Rita
de Cássia que emprestou seu nome para o Lar de muitos órfãos, abandonados e
miseráveis.