Negócio milionário havia sido contestado judicialmente pela União porque o Judiciário sul-mato-grossense teria gastado mais do que manda a lei

Ainda que com um fundo de reserva de R$ 1,2 bilhão, o Estado de Mato Grosso do Sul foi autorizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a contrair três empréstimos, dois deles de organismos estrangeiros, no valor total de R$ 610 milhões, soma equivalente a dois meses do imposto que mais enche o caixa estadual, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

O fechamento da operação milionária havia sido contestada judicialmente pela União, mas a questão foi definida anteontem à noite pela corte máxima brasileira. Não há uma data definida para a liberação do recurso nem informação sobre de que modo o Estado vai quitar o empréstimo.

O veto ao negócio surgiu porque o TJ-MS estaria gastando mais recurso do que o estabelecido pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). E, pela regra nacional, é tirado das linhas de créditos qualquer órgão público que praticar algum tropeço no cumprimento da lei.

De acordo com o processo do STF, o primeiro empréstimo questionado ocorreu em 2007, ano que o governo quis pegar US$ 12 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), recurso que, segundo o projeto original, seria aplicado na modernização da gestão administrativa estadual.

Dois anos depois, o governo sul-mato-grossense fez uma nova investida ao tentar captar do US$ 300 milhões do BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), dinheiro prometido a um projeto ligado ao transporte.

Já no primeiro trimestre deste ano, o governo pediu para emprestar do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), perto de R$ 80 milhões, recurso que também destinado a modernização da máquina administrativa.

Para efetuar os empréstimos, o governo estadual pediu autorização da Assembleia Legislativa, que aprovou a ideia com pouca resistência.

No empréstimo solicitado ao BIRD, por exemplo, a bancada petista quis saber por que o governo queria o dinheiro se no caixa guardava quatro vezes o valor do empréstimo. A discussão durou umas duas semanas, mas a maioria dos deputados, ligados ao governador André Puccinelli, do PMDB, concordaram com a proposta.

Os oposicionistas questionaram, à época, a razão de o governo guardar dinheiro no caixa se algumas regiões do Estado estariam precisando de recursos para bancar obras, como o conserto de estradas e pontes.

Processos

De acordo com publicação no site do STF, o plenário da corte aprovou os empréstimos por unanimidade. O ministro Celso de Mello agiu no caso como o relator do processo. (ver íntegra da decisão logo abaixo).

Ainda de acordo com texto da assessoria da corte, ao conceder o pedido, em parte, o ministro também determinou que a União não imponha ao estado qualquer uma das restrições previstas no parágrafo 3º do artigo 23, LRF, sob o argumento de extrapolação dos limites legais fixados nessa lei para despesas de pessoal do Poder Judiciário do estado “em conexão com o ‘PEF2 – Programa Emergencial de Financiamento 2’, com o ‘Profisco’ e com o ‘PDE/MS – Programa de Transportes e de Desenvolvimento Sustentável do Estado de Mato Grosso do Sul’”.

Justificativa da pretensão

Na ação, o estado argumenta que decidiu fazer empréstimo junto ao BNDES, ao BID e ao BIRD “para alavancar seu processo de estruturação e desenvolvimento, aproveitando-se de linhas de créditos abertas no curso da grande crise financeira mundial de 2009”.

Com essa finalidade, o estado editou as Leis Estaduais 3851/2010, 3762/2009 e 3392/2007, que autorizaram os empréstimos e, ao final, enviou à Secretaria do Tesouro Nacional pedido para que fosse concedida autorização para as contratações.

No entanto, esses procedimentos de captação de empréstimos estão sendo paralisados na coordenação-geral de Operações de Créditos de Estados e Municípios da Secretaria do Tesouro Nacional (COPEM/STN), onde a União analisa o preenchimento de diversos requisitos pelo estado, principalmente os relacionados aos limites com as despesas de pessoal.

A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) informou ao estado que a autorização para contratação da operação com o BNDES ainda não foi concedida pelo fato de que o TJ-MS teria extrapolado os limites legais de gastos com pessoal fixados na Lei de Responsabilidade Fiscal, “salientado que limite para o mencionado Poder Judiciário é 6% da receita corrente líquida e ele tem atuais 6,08%”.

Decisão referendada

Para o ministro Celso de Mello, há plausibilidade jurídica do pedido cautelar, considerado o fundamento do autor quanto à “aparente violação ao princípio da intranscendência (ou da personalidade) das sanções e das medidas restritivas de ordem jurídica”. O estado, lembrou o ministro, alega que a penalização imposta pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ao Poder Executivo “transcende à esfera de competência deste, que, mesmo querendo, não poderá ingerir no Tribunal de Justiça local para mudar o quadro, segundo a STN, de excessos e de ofensas à LRF”.

Isso porque órgãos estatais – tais como Tribunal de Justiça, Ministério Público, Tribunal de Contas e Assembleia Legislativa locais – são dotados de autonomia administrativa, financeira e orçamentária. Segundo o relator, em casos idênticos ao presente, o Supremo deferiu cautelares em favor dos estados-membros.

“O governador não tem poder de interferência na esfera de autonomia financeira do Tribunal de Justiça. Se o Tribunal de Justiça, eventualmente, excede os limites fixados na Lei de Responsabilidade Fiscal, isso não pode comprometer nem prejudicar a pessoa jurídica de direito público interno, que é o estado-membro ou fundação”, ressaltou.

No entanto, o ministro Celso de Mello apenas deixou de acolher a medida cautelar quanto ao pedido do estado em vê-lo estendido “a qualquer situação futura envolvendo o estado autor quando o impedimento imposto pela União decorrer do mesmo motivo”. “É que eventual concessão do provimento cautelar, nos termos em que foi ele postulado, implicaria transformá-lo em verdadeiro provimento cautelar de índole normativa, eis que destinado a neutralizar situações futuras, indeterminadas e incertas”, explicou o ministro.

Por fim, o ministro considerou que a própria ausência de concreta identificação de tais situações seria motivo suficiente para afastar a ocorrência de periculum in mora [risco de lesão pela demora da decisão. (com informações da assessoria de imprensa do STF)

 

Confira decisão do STF:

 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=2831459&tipoApp=RTF