Fim da Copa devolve África do Sul à sua realidade de pobreza e violência
Poucas horas depois de Iker Casillas levantar a taça de campeão do mundo, há exatos sete dias em Johannesburgo, o governo sul-africano ordenava que tropas ocupassem algumas das regiões mais miseráveis da cidade para frear uma tensão latente de ataques xenófobos contra imigrantes estrangeiros. No dia seguinte, funcionários de empresas de energia confirmavam a intenção […]
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Poucas horas depois de Iker Casillas levantar a taça de campeão do mundo, há exatos sete dias em Johannesburgo, o governo sul-africano ordenava que tropas ocupassem algumas das regiões mais miseráveis da cidade para frear uma tensão latente de ataques xenófobos contra imigrantes estrangeiros. No dia seguinte, funcionários de empresas de energia confirmavam a intenção de entrar em greve.
Passada a euforia, milhões de cidadãos continuavam desempregados e a África do Sul voltava à sua dura realidade. Depois que o circo da Copa do Mundo deixou o país, ficaram a pobreza, a aids, a violência, a desigualdade social e, principalmente, uma divisão profunda entre os líderes sobre qual deve ser o projeto de país para a África do Sul.
Para o mundo exterior, o presidente Jacob Zuma usou a Copa para mostrar uma nova imagem da África do Sul, capaz de realizar grandes eventos. Seu governo não esconde que quer receber os Jogos Olímpicos de 2020 e, principalmente, um lugar no Conselho de Segurança da ONU. Sem poder calcular os ganhos reais do Mundial, Zuma optou por um discurso ambíguo. “Não há preço para o que ganhamos ao abrigar essa Copa.”
Para ativistas sociais e parte da população, o que Zuma fez foi usar a Copa para criar uma espécie de cortina de fumaça sobre a real situação sul-africana. Analistas acreditam que a falta de serviços públicos, corrupção e discórdia entre os líderes está em seu ponto mais alto nos 16 anos de democracia do país.
Segundo o Conselho de Pesquisas de Ciências Humanas da África do Sul, “a proporção de pessoas vivendo na pobreza na África do Sul não mudou de forma significativa desde 1994”. “Na realidade, a camada mais pobre está mais pobre e a diferença social entre pobres e ricos aumentou”, diz a entidade num relatório que pretende “evitar o ufanismo na Copa” e “mostrar as coisas como são”.
A tensão entre as classes não desapareceu. A primeira euforia que tende a sumir é o sentimento pan-africano que Zuma tentou estabelecer com a Copa. Com a África do Sul eliminada, televisões, governo e rádios insistiam que a população local deveria torcer para Gana. Mas, com 25% de taxa de desemprego e atraindo imigrantes de países vizinhos, os sul-africanos vivem em conflito com os estrangeiros, lutando por espaço nas favelas e nos trabalhos. Explosões de violência contra estrangeiros foram registrados em 2008 e 2009. Agora, a “nação arco-íris” já teme o pior de novo.
Para grupos de direitos humanos, o fim da Copa deve intensificar os confrontos. Pelo menos 130 mil empregos temporários criados para o Mundial deixaram de existir. Tanto a Fundação Nelson Mandela como a ONG Pulse, da África do Sul, admitiram em declarações nesta semana que o risco de violência aumentou com o fim do evento.
“As ameaças de violência maciça relacionada como xenofobia voltaram”, admitiu Duncan Breen, do Consórcio para Refugiados e Migrantes na África do Sul. “Está na hora de o governo parar com o discurso de que a Copa nos uniu e passar a agir para evitar mortes”, disse.
Para a Anistia Internacional, o governo “limpou” as cidades de seus problemas, transferindo desabrigados e impedindo a entrada de estrangeiros.
Se não bastassem os problemas com estrangeiros, a insatisfação de trabalhadores de vários setores aumenta. Antes e durante a Copa, sindicatos ameaçaram entrar em greve como forma de pressionar por melhores salários. A gigante de energia Eskom evitou o pior, mas não descarta a hipótese de haver apagões ainda este ano.
Lilian, uma moradora do Soweto, ironizou o evento e o discurso do governo. “Nem percebi que a Copa era aqui”, disse. “As promessas eram que nossa vida mudaria. Agora, a Copa acabou e continuo desempregada. Se o governo teve dinheiro para gastar com estádios, por que não abriu um hospital para sua própria população”.
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